Título: Um réu a menos no STF
Autor: Abreu , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 16/08/2012, Política, p. 2

A primeira vitória de um advogado no julgamento do mensalão não foi conquistada por nenhum dos estrelados representantes de famosas e caras bancas de advocacia. O defensor público-geral da União, Haman Tabosa Córdova, conseguiu a anulação de parte do processo relacionado ao doleiro Carlos Alberto Quaglia, cidadão argentino, ex-dono da Natimar, uma das empresas que teriam sido usadas no esquema de transferência de recursos para partidos políticos. Sob o argumento de cerceamento de defesa, a denúncia contra Quaglia por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro será enviada à primeira instância para prosseguir numa vara da Justiça Federal.

Dos 38 réus, restam agora 37, dos quais dois — Luiz Gushiken e Antônio Lamas — tiveram a absolvição requerida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. A anulação parcial do processo em benefício de Quaglia foi decidida numa das preliminares discutidas ontem, primeiro dia do voto do relator, Joaquim Barbosa. O ministro considerou a argumentação do defensor público mais uma chicana jurídica de advogados para favorecer seu cliente. Foi, no entanto, vencido pelos argumentos do revisor, Ricardo Lewandowski. Seu voto foi seguido pelos demais. O ministro Dias Toffoli antecipou que, nesse caso, se o processo fosse julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), votaria pela absolvição de Quaglia.

Foi um dia quente. Na primeira manifestação de seu voto, o relator do mensalão discutiu com o advogado de um dos réus e trombou com colegas em plenário que divergiram de sua opinião. Ao julgar uma arguição de seu impedimento no processo, o ministro Joaquim Barbosa reclamou de ter sofrido "ataques pessoais" e "gratuita agressão" ao ser acusado de adotar medidas com caráter "midiático" pelos defensores de Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, sócios da corretora Bônus-Banval, apontada na denúncia como operadora do esquema de lavagem de dinheiro para o PP.

O processo de Quaglia vai seguir para uma vara federal

Barbosa defendeu que o STF enviasse uma representação contra os advogados Antônio Sérgio Pitombo, Leonardo Magalhães Avelar e Conrado Almeida Corrêa Gontijo ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a conduta dos profissionais fosse analisada. Num tom de irritação, o relator revelou que os defensores incluíram no processo entrevistas concedidas por ele com comentários sobre o recebimento da denúncia do mensalão como forma de demonstrar suposta parcialidade no julgamento e adesão completa às acusações do Ministério Público. "Tais afirmações, para dizer o mínimo, ultrapassam o limite da elegância, lealdade e urbanidade. Oscilam entre a completa distorção dos fatos a devaneios, o que só pode ser atribuído a má-fé", reclamou.

O relator do processo continuou em tom irônico: "Para esses advogados, todo juiz que ouse discordar deve ser taxado de parcial". Barbosa teve o apoio unânime do plenário, que rejeitou o impedimento. Ele, no entanto, foi vencido na proposta de denunciar os advogados à OAB. Nesse ponto, apenas Luiz Fux esteve a seu lado.

O revisor do processo, Ricardo Lewandowski, se solidarizou com Barbosa por eventual agressão sofrida, mas foi contrário à ideia da representação. Da mesma forma votaram os demais. À medida que os ministros exibiam suas posições, Barbosa os interrompia e retrucava. Ele discordou também do decano, Celso de Mello, que apresentou voto oral extenso. "Advogado tem imunidade profissional", disse Mello. E acrescentou: "O Judiciário não pode permitir que se cale a voz do advogado".

Assim que o presidente do STF, Ayres Britto, proclamou o resultado, Barbosa reagiu: "Cada país tem o tipo de Justiça que merece. Justiça que se deixa ameaçar por membro de determinada guilda, já se sabe o fim que lhe é reservado". Enquanto os ministros debatiam, o advogado Antônio Pitombo vestiu a beca e foi à tribuna. Joaquim Barbosa não autorizou que ele se pronunciasse. Mas o advogado usou a palavra de qualquer forma: "Não tive intenção de agredir Vossa Excelência". Joaquim Barbosa rebateu: "Pode não ter agredido a mim, mas agrediu à Corte e ao país. Não faz parte do grau civilizatório em que me encontro as palavras que o senhor me direcionou". O ministro Marco Aurélio interferiu: "Não me sinto ameaçado. Nem alcançado".

Aposentadoria O embate entre Joaquim Barbosa e Marco Aurélio começou logo no início da sessão de ontem. Ayres Britto defendeu que o relator iniciasse a ler seu voto, com as questões preliminares suscitadas pelos advogados, logo depois das três sustentações orais previstas para ontem (leia mais na página 3). Sob o argumento de carga elevada de trabalho, Marco Aurélio era contra alterar o calendário definido previamente em que estava definido o início da leitura do voto de Barbosa na sessão de hoje. Foi vencido.

Nesse ponto, Lewandowski não votou. Alegou não ter participado do debate em que foi definido o cronograma de votações. O ritmo acelerado imposto por Ayres Britto é motivado pela intenção de permitir que Cezar Peluso participe do julgamento, o que só pode ocorrer até 31 de agosto, uma vez que o ministro vai se aposentar compulsoriamente em 3 de setembro, quando completará 70 anos.

Na sessão de ontem, Barbosa levou a julgamento todas as questões preliminares suscitadas pelos advogados. Uma delas, derrotada por unanimidade, tratou do pedido da defesa do presidente do PTB, Roberto Jefferson, de inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um dos réus do processo. O caso foi julgado rapidamente porque já havia sido tratado anteriormente. Colaborou Edson Luiz

"Cada país tem o tipo de Justiça que merece. Justiça que se deixa ameaçar por membro de determinada guilda, já se sabe o fim que lhe é reservado" Joaquim Barbosa, relator do mensalão