Título: Mordomia rumo à extinção
Autor: Caitano , Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 16/08/2012, Política, p. 8

Após mais de três meses em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de decreto legislativo que acaba com os salários extras pagos aos parlamentares foi, finalmente, incluído na pauta para a primeira votação. Aprovado no Senado em maio, o texto aguardava para entrar na lista da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) desde 17 de julho, quando recebeu parecer favorável do relator, Afonso Florence (PT-BA), e poderá ser apreciado na próxima quarta-feira.

O presidente da comissão, deputado Antônio Andrade (PMDB-MG), colocou o projeto na pauta após pedido do relator. No entanto, o peemedebista já havia informado ao Correio, no início desta semana, que submeteria a matéria ao colegiado independentemente do pedido de Florence. Ainda assim, a inclusão da proposta não é garantia de que ela vá ser votada rapidamente. Na última pauta da CFT, antes do recesso parlamentar, havia 57 matérias na fila e nenhuma foi votada, porque duas reuniões foram canceladas por falta de quórum.

Agora, Andrade teme que a situação se repita. O motivo principal das ausências é o impasse sobre o projeto de reajuste dos servidores do Judiciário. A aprovação desse texto é alvo da pressão do Supremo Tribunal Federal (STF), dos servidores do respectivo poder e da oposição, que obstrui os trabalhos da comissão há mais de um ano. Enquanto isso, os governistas esvaziam as sessões em que a proposta está pautada por não haver liberação financeira do Palácio do Planalto. Negociações recentes com o próprio Executivo, porém, abrem espaço para que o controverso texto saia da pauta, liberando-a para outras votações importantes, como a do fim do 14º e do 15º salários. "Eu tenho a impressão de que, com essa conjuntura de mobilização dos servidores e o prazo do envio da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o Congresso se esgotando, haverá um acordo para um desenlace dessa questão", comenta Afonso Florence.

Inversão Caso a negociação dê certo e o projeto sobre o reajuste do Judiciário saia da pauta, as outras 56 matérias poderão ser votadas. Mas, como chegou por último, o texto sobre a extinção da regalia dos parlamentares está no fim da fila. Para agilizar a votação, pelo menos três deputados já disseram que vão apresentar um requerimento de inversão de pauta, que colocará a proposta no topo da lista: João Magalhães (PMDB-MG), Afonso Florence e o líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (MG). O parlamentar mineiro, aliás, vai pedir a ação dos três correligionários que integram a comissão.

Outro possível impedimento para a votação do texto é o fato de a Câmara estar no período de recesso branco por causa das eleições. Na próxima semana, haverá esforço concentrado, e as faltas serão descontadas. Mas, mesmo assim, os deputados envolvidos com a disputa municipal podem não comparecer. Dos 60 integrantes titulares e suplentes da comissão, oito são candidatos em algum município.

Para Afonso Florence, no entanto, mesmo com as eleições, não há impedimentos para que o projeto que dá fim ao benefício extra de R$ 53,4 mil pago anualmente a senadores e deputados seja aprovado com celeridade na CFT. "Nessa comissão, o mérito a ser analisado é somente se haverá ônus financeiro para o governo, e esse projeto, muito pelo contrário, causará economia, então não há motivo para questionamento", argumenta o relator.

"Esse projeto causará economia, então não há motivo para questionamento" Afonso Florence, deputado do PT-BA, relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação

R$ 53,4 mil Valor que cada parlamentar recebe anualmente com o 14º e o 15º salários

57 Número de matérias que estão à frente da proposta que extingue a regalia. A pauta, no entanto, pode ser invertida para priorizar o projeto

Memória Pressão popular A mobilização do país contra a remuneração extra recebida duas vezes por ano por senadores, deputados federais e estaduais ganhou força em fevereiro, quando o Correio revelou que os parlamentares distritais tinham recebido o 14º salário, de R$ 20.025, às vésperas do carnaval, quando ficariam 12 dias de folga. A notícia provocou manifestações de eleitores nas redes sociais e uma reação em cadeia na Câmara Legislativa, desde o ato voluntário de parlamentares em abrir mão do benefício até a aprovação, cinco dias depois, do projeto de lei que acabava com a regalia.

A repercussão respingou no Congresso. No Senado, havia uma proposta semelhante, apresentada em fevereiro de 2011 por Gleisi Hoffmann. Na Câmara, havia setes projetos em tramitação sobre o tema, sendo a mais antiga, de 2006. Todas estavam engavetadas e encontravam resistência dos parlamentares, mesmo após a decisão da Câmara.

A virada ocorreu novamente após denúncia do Correio em março, revelando que os senadores não recolhiam Imposto de Renda sobre os 14º e 15º salários. Após a reportagem, o projeto que extingue o benefício foi aprovado em dois meses no Senado e seguiu para a Câmara.

A Casa, porém, não tem sido ágil na tramitação. Já se passaram três meses e o texto ainda está na primeira comissão. Um requerimento para que a matéria fosse votada com urgência diretamente no plenário foi apresentada à Mesa Diretora, mas o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), preferiu deixar que ela seguisse os trâmites normais.

Passo a passo Confira em que ponto se encontra a tramitação da proposta que extingue a regalia no Congresso

» O projeto de Decreto Legislativo n° 569/2012 está na pauta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara, que analisa se haverá impacto no orçamento do governo.

» Após ser aprovado na CFT, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que observará a legalidade jurídica da proposta e terá 10 sessões ordinárias para emitir um parecer sobre o texto.

» Assim que passar pela última comissão, a matéria estará pronta para entrar na ordem do dia.

» A decisão de colocar o projeto na pauta é tomada pelo presidente da Casa, ouvindo os líderes dos partidos. O texto só poderá ser votado em sessão ordinária deliberativa quando a pauta estiver destrancada (sem a votação de medidas provisórias).

» Se aprovada a urgência, o texto pode entrar na pauta de uma sessão extraordinária a qualquer momento, dependendo somente da ordem do presidente ou do pedido dos líderes.

» Por tratar-se de projeto de decreto legislativo vindo do Senado, se for aprovado sem alteração, será promulgado imediatamente, sem a necessidade de ser sancionado pela presidente da República.