O globo, n. 31267, 16/03/2019. País, p. 14

 

Entrevista - Isabella de Oliveira: ‘Quando eu vi o sangue, vi que não era briancadeira’

Isabella Oliveira

Dimitrius Dantas

16/03/2019

 

 

Isabella de Oliveira / estudante sob a mira de um dos atiradores de Suzano, adolescente não esquece o barulho dos tiros

A estudante Isabella de Oliveira, de 17 anos, lembra os momentos de horror que viveu durante o massacre na Escola Raul Brasil, em Suzano. Ela estava na secretaria, onde os assassinos fizeram as primeiras vítimas. “O atirador apontou na minha direção e quase acertou minha cabeça. Foi um desespero”, diz ela. Justiça liberou o adolescente suspeito de também planejar o atentado. Isabella de Oliveira , de 17 anos, fez aniversário um dia antes do ataque a tiros na escola Raul Brasil, em Suzano. A partir deste ano, no entanto, ela passará a contar o dia como um renascimento: a garota estava na secretaria quando Guilherme Taucci Monteiro entrou no colégio e apontou a arma em sua direção. O GLOBO conversou com ela com a autorização de seus pais.

Cinco meses antes da tragédia, ela voltou a estudar no Raul Brasil depois de passar alguns meses em outro colégio, mais perto de sua casa, mas com altos índices de violência. Depois dos primeiros tiros na secretaria, ela ainda viu o atirador quando ele foi em direção ao centro de línguas. “Meu coração começou a disparar, falta de ar, eu comecei a passar mal. Eu ficava na mente orando Pai Nosso, pensando ‘socorro, socorro’ e ‘eu quero a minha mãe, alguém chama a minha mãe’”, conta.

Onde você estava quando o atirador entrou na escola?

Eu estava na secretaria entregando os papéis que minha mãe tinha mandado para fazer meu cartão do ônibus. Fui conversar com a diretora Lilian, para perguntar se ela podia assinar para mim. Ela falou: “Tá bom, fala com a Marilena (coordenadora, uma das vítimas, que estava na frente da secretaria)”. Lá conversei com uma amiga da minha mãe e não tinha notado que o atirador tinha entrado. Eu virei, ouvi o disparo passando (do lado do meu ouvido), e o vidro (estourou) com tudo.

Como foi isso?

Ele (atirador) apontou na minha direção e quase acertou minha cabeça. Foi um desespero. As pessoas começaram a correr. Corri e tropecei. Caí perto da escada e outra menina caiu perto de mim. Quando ele deu outro disparo, eu estava virando a pilastra. Uns estavam indo para a cantina, outros para o banheiro, outros estavam pulando o muro. Eu não sabia para onde ir.

O tiro passou muito perto?

Sim. Quando eu fui virar, ele (o tiro) foi direto do lado esquerdo da minha cabeça, eu ouvi o som. Pensei que era uma arma de tinta. Demorei para perceber. “É brincadeira isso? É trolagem? São meninos brincando?” Quando vi o sangue, vi que não era brincadeira.

O que você percebia?

Ouvia gritos. Tinha um menino que estava perto da sala. Ele começou a falar: “Não me mata, não me mata, não me mata”, e o garoto atirou umas cinco vezes (na direção deste menino, um dos mortos).

O que você fez?

Ele se distraiu quando foi recarregar a arma. Se a gente ficasse ali, ele ia matar a gente. Então pulei o portão, e assim foi todo mundo pulando o portão.

Como foi ficar dentro do centro de idiomas?

Um amigo estava ligando para a polícia e nada da polícia atender. Depois eu liguei e nada da polícia atender. Um menino começou a passar mal, eu falei: “Meu Deus, o que está acontecendo? Quem é esse homem? O que ele quer?”. O meu amigo falou para gente ficar em silêncio, porque, se ouvissem a gente, iam nos matar.

Que sensação você tinha?

Meu coração começou a disparar, falta de ar, eu comecei a passar mal. Eu ficava na mente orando Pai Nosso, pensando “Socorro, socorro” e “Eu quero a minha mãe, alguém chama a minha mãe”. Eu fiquei pensando nas minhas amigas, que estavam na biblioteca.

Como você saiu da escola?

Eu fui quase a última a sair, porque eu estava esperando a polícia chegar. Estava com medo de me deparar com eles. Eu não sabia quantos eram. Os policiais entraram e não falaram nada, estavam com escudo se protegendo e fizeram sinal com a mão para a gente passar correndo.

O que viu quando saiu da sala?

Nesse momento que eu me deparei com os corpos, com o sangue, celular jogado no chão, blusas, os corpos das funcionárias perto da secretaria.

Você conhecia algum dos atiradores?

Não lembro, talvez de vista.

A porta da escola estava destrancada?

Estava. Quando os pais resolvem alguma coisa (na secretaria), costumam ir no intervalo, porque no horário da aula os professores ficam na sala.

Como você está agora?

Eu estou em pânico, muito assustada. Um monte de coisa passa pela minha mente: eu poderia ter morrido. Eu ia ser a primeira ali.

Acha que vai voltar para a escola?

Insegurança, né? E se acontecer de novo? Falam que tem mais (atiradores). E se acontece algo pior?

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Jovem suspeito de participar de massacre é liberado

Elisa Martins

16/03/2019

 

 

Ministério Público considera que as provas apresentadas pela polícia contra o garoto de 17 anos não são fortes o suficiente

Após ouvir o depoimento do adolescente de 17 anos apontado pela polícia como terceiro suspeito de participar do massacre de Suzano , na Grande São Paulo, o Ministério Público (MP) discordou do pedido da polícia e concluiu que não há motivo para que o garoto fique detido por enquanto. A juíza da Vara da Infância e Juventude negou o pedido de apreensão, e o adolescente voltou ontem para casa. Na quinta-feira, a Polícia Civil pediu que o garoto ficasse detido na Fundação Casa. Os policiais argumentaram que ele atuou na “incitação ao crime”. Ao prestar depoimento para a polícia na quarta-feira, o adolescente confirmou que sabia que Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, falavam sobre o massacre. Ele disse, porém, que não achou que eles fossem, de fato, cometer o crime. Para embasar o pedido de apreensão, os policiais citaram ligações de amizade entre os três e os gostos compartilhados. O garoto foi colega de classe de Gustavo no ano passado. Além disso, segundo pessoas que acompanham a investigação, um dos 11 celulares apreendidos como sendo de Guilherme pertence ao terceiro suspeito. Os investigadores estão analisando as mensagens deste aparelho. O adolescente liberado foi visto junto com Guilherme e Luiz Henrique pelo dono de um estacionamento onde os assassinos costumavam guardar o carro alugado semanas atrás.

Essa testemunha prestou novo depoimento na tarde de ontem e disse que não era capaz de assegurar que o garoto que viu no estacionamento é o mesmo que foi liberado pela Justiça.

O MP achou que esses indícios levantados pela polícia não são fortes o suficientes para justificar a apreensão. A avaliação é de que faltaram provas de que o adolescente se envolveu, de fato, no planejamento do ataque a tiros na escola estadual Raul Brasil.