O globo, n. 31267, 16/03/2019. Rio, p. 15

 

Dois suspeitos, nenhum álibi

Vera Araújo

16/03/2019

 

 

Acusados de matar Marielle ‘se esqueceram’ do dia do crime

Antes de serem presos, na terça-feira, pelovereadora do PS OLMarielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o sargento reformado da PMRonnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz foram ouvidos pela Delegacia de Homicídios (DH) da capital, e não apresentaram álibi para o dia em que o crime aconteceu. Em depoimentos prestados há aproximadamente um mês, eles não souberam informar o que faziam entre 17h30m e 23 h de 14 demarç odo anop em ques e desenrolou adinâmica da execução. No relatório do inquérito policial entregue à Justiça, consta que os dois afirmaram não se recordar de nada daquela data. O relatório destaca que, “como era esperado”, os acusados, que estão com prisão preventiva decretada, não deram explicações capazes de desfazer a suspeita que recai sobre ambos. Lessa é apontado como o autor dos disparos, e Élcio seria o motorista do carro usado no duplo homicídio.

Celular 'entrega' local

Élcio, de acordo com o relatório, afirmou ter trabalhado no dia do assassinato de Marielle e Ander sonpel amanhã eà tarde. No entanto, disse não se lembrar do que fez após as 17h30m —alegou apenas que, normalmente, vai para casa por volta das 14h. Porém, na data do crime, antenas de telefonia detectaram o celular do ex-policial na Barra, no mesmo local em que estava o aparelho de Lessa. Durante o período entre a campana na Rua dos Inválidos, no Centro, onde Marielle participava de um eventi, e a abordagem ao carro da vereadora, no Estácio, os celulares de L essa e Élcio permaneceram sem movimentação. Estavam no mesmo local: o condomínio na Barra onde fica a residência do sargento reformado. Os investigadores observam que foi possível constatar essa rotina “casa-trabalho” de Élcio ao longo de fevereiro e março de 2018. Porém, a mesma análise não excluiu “os veementes indícios de que, no dia 14/03/ 2018, ele quebrara a rotina para estar junto de Ronnie Lessa na Barra da Tijuca e, mais tarde, na companhia dele, praticar o duplo homicídio”. Para os policiais que apuram o caso, os dois acusados combinaram depoimentos. Um indício é destacado: em 1º de fevereiro deste ano, Lessa, Élcio e um amigo em comum, Pedro Bazzanella, também citado no inquérito do crime, se reuniram em um restaurante da Barra. Naquele dia, Bazzanella foi ouvido na DH. Os três amigos se encontraram antes do depoimento, e, depois, Lessa e Bazzanella voltaram a se reunir no local. Quando Bazzanella e Élcio falaram sobre o que haviam feito na data, policiais descobriram que os dois não contaram toda a verdade. Ambos confirmaram os encontros no estabelecimento, mas omitiram a presença de Lessa.

Essa informação consta do pedido de prisão preventiva para Lessa e Élcio feito pelo Ministério Público. “Os denunciados Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram flagrados em plena combinação de depoimentos”, diz um trecho. Entre os motivos elencados para o pedido da prisão, consta ainda um possível risco de fuga de Lessa para Atlanta, nos Estados Unidos, onde mora a filha do sargento reformado. O nome de Lessa apareceu na investigação em outubro do ano passado graças a uma denúncia anônima, segundo a qual ele recebeu R$ 200 mil para matar Marielle. Ele, segundo a DH, estava no banco traseiro do carro usado no crime, um Cobalt prata. Ainda de acordo com a especializada, é possível que o PM reformado tenha planejado assassinar a vereadora na Rua dos Inválidos. Um vídeo de uma câmera de segurança mostra um solavanco no veículo logo após o Ágile branco dirigido por Anderson Gomes passar ao lado. Para a polícia, Lessa pode ter mudado de posição naquele momento, ao perder uma oportunidade de atirar.

Depósito de R$ 100 mil

Na tentativa de chegar a um possível mandante do crime, investigadores verificaram que Lessa fez, em outubro de 2018, um depósito de R$ 100 mil em espécie na própria conta, em um banco na Barra. O valor foi identificado em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A DH também considera a possibilidade de o sargento reformado ter recebido um pagamento por alguma outra ação. O dinheiro foi investido na compra de uma lancha, segundo a polícia. Ontem, Lessa e Élcio não quiseram prestar depoimentos sobre a morte de Marielle e Anderson: eles foram orientados por seus advogados a só falarem em juízo. Após a recusa, ambos foram transferidos da carceragem da DH, na Barra, para o presídio Bangu 1, onde devem ficar em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A Justiça já autorizou a ida deles para um presídio federal, e também determinou o bloqueio de seus bens.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Amigo diz que tinha senha bancária do PM reformado

Marcos Nunes

19/03/2019

 

 

DH tenta descobrir se dono de casa onde foram achados 117 fuzis é um ‘laranja’

Preso por agentes da Delegacia de Homicídios (DH) que encontraram 117 fuzis em sua casa, no Méier, Alexandre Motta de Souza disse aos policiais que tinha acesso à conta e à senha bancária do sargento reformado da PM Ronnie Lessa, acusado dos assassinatos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Ele afirmou ser amigo do militar há 20 anos. A investigação quer definir se ele pode ser “laranja” do PM reformado, que tem um padrão de vida incompatível com seus vencimentos. Alexandre contou que fazia serviços bancários para Lessa por amizade ou em troca de alguma ajuda. Ele informou que, desde 2014, não exerce atividade remunerada.

Os dados sobre essa relação entre os dois constam de um despacho da juíza Amanda Azevedo Ribeiro Alves, responsável por uma audiência de custódia realizada anteontem, quando a prisão em flagrante de Lessa e Alexandre por porte ilegal de armas foi convertida em preventiva. Os dois respondem por crimes de tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Na mesma decisão judicial, aparecem trechos de um depoimento que Alexandre prestou à DH, em que ele relata ter emprestado seu nome para que Lessa comprasse, no fim de 2018, uma lancha e uma vaga na marina do Condomínio Portogalo, em Angra dos Reis. Sobre os fuzis, Alexandre voltou a alegar que desconhecia o conteúdo das caixas em que as armas estavam — desmontadas, sem o cano, foram avaliadas pela polícia em R$ 3,5 milhões. Lessa teria deixado o arsenal na casa de Alexandre em dezembro de 2018, alegando que havia terminado uma sociedade de venda de produtos pela internet. No imóvel, foram apreendidos ainda um revólver, 360 balas de fuzil e acessórios, como mira e supressores de ruído. O despacho da juíza também cita um depoimento de Lessa à DH, em que ele admite ser o dono do material.