O globo, n. 31267, 16/03/2019. Economia, p. 21

 

Disputa acirrada

Leo Branco

16/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Com participação de estrangeiros, governo levanta R$ 2,4 bi em leilão de 12 aeroportos

Operadoras estrangeiras de aeroportos dominaram o primeiro leilão de privatização do governo Jair Bolsonaro. A venda de 12 terminais —com movimento de 20 milhões de passageiros e quase 10% do mercado —ontem na Bolsa de Valores (B3) garantiu à União R$ 2,37 bilhões, valor equivalente a dez vezes o preço mínimo fixado (de R$ 218,7 milhões). O ágio médio da disputa ficou em 986%. A forte concorrência agradou ao Palácio do Planalto e aos especialistas, que apostam que novas rodadas de licitações, seguindo o modelo adotado, vão atrair mais investimentos. Estreante no Brasil, a espanhola Aena levou o bloco de aeroportos do Nordeste, o mais cobiçado do leilão. A empresa pagou R$ 1,9 bilhão pelo negócio, um ágio de 1.010%. A operadora suíça Zurich Airport arrematou os aeroportos de Vitória (ES) e Macaé (RJ), pagando R $437 milhões pelos terminais, um ágio de 830%.

Com o lance feito, a Zurich chega a quatro terminais no Brasil, onde já opera Confins (MG) e Florianópolis (SC). O consórcio liderado pela brasileira Socicam, que administra terminais rodoviários e aéreos, desembolsou R$ 40 milhões pelos aeroportos do Centro-Oeste. Mais barato dos três ofertados, o valor pago gerou o maior ágio do leilão: 4.730%.

Modelo será replicado

O leilão de ontem seguiu a modelagem definida ainda no governo Michel Temer, com a venda em blocos dos terminais, ou seja, o investidor pode levar mais de um aeroporto num mesmo lance. Os ágios terão de ser pagos à vista, e não mais ao longo da concessão, o que muitas vezes comprometia a execução do plano de investimento previsto nos contratos.

A regra do leilão prevê carência de cinco anos para o pagamento de outorga — espécie de aluguel que as empresas pagam ao governo para administrar os terminais. Além disso, agora este pagamento vai variar de acordo com o fluxo de passageiros transportados. Antes, era estipulada uma quantia fixa. A combinação de desembolsos elevados e queda na demanda dos aeroportos após a crise de 2014 inviabilizou boa parte dos primeiros contratos de concessão —a gestora do terminal de Viracopos, por exemplo, pediu recuperação judicial em 2018.

De acordo com especialistas presentes ao leilão ontem, as mudanças garantiram lances agressivos de grandes operadoras aeroportuárias globais, um perfil de investidor cobiçado pelo governo federal. Até o fim do mandato, o governo pretende leiloar todos os aeroportos administrados pela Infraero. O modelo adotado ontem será replicado na licitação de 2020, quando o governo pretende vender 21 terminais, entre eles o de Curitiba (PR). Os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), tidos como as “joias da coroa”, só devem ser leiloados em 2022. Na avaliação do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o resultado da venda demonstra a confiança dos investidores no país. Ele evitou comparações dos ágios elevados de agora com os obtidos na primeira rodada de concessões, em 2012. Na época, o parcelamento do ágio motivou uma disputa acirrada por terminais como Guarulhos (leiloado por R$ 16 bilhões, com ágio de 373%) e Viracopos (arrematado por R$ 3,8 bilhões, com um ágio de 159%). Para Freitas, como agora o ágio deve ser pago à vista, a forte concorrência é um sinal de maturidade dos investidores e do modelo regulatório de aeroportos. O presidente Jair Bolsonaro classificou o resultado do leilão como uma “grande vitória” do país. “A conquista demonstra a confiabilidade que o Brasil começa a resgatar do mundo todo depois de um longo período de destruição e rebaixamento da nossa economia”, escreveu numa rede social. A Aena abriu o leilão com um lance de R$ 1,8 bilhão pelos aeroportos do Nordeste.

O alto valor ofertado causou espanto entre os presentes na Bolsa. A disputa acirrada pelo lote durou cerca de 50 minutos. Espanhóis e suíços fizeram lances superiores aos de operadoras até então consideradas fortes candidatas ale varo bloco, como aal em ãFraport, afrancesa Vinci e o consórcio formado pela alemã Avialliance e o fundo brasileiro Pátria. Em relatório a clientes, analistas do BTG Pactual ressaltaram que o leilão reforçou a aposta de operadoras que já atuam no Brasil, como a Zurich, a Fraport (presente em Fortaleza e Porto Alegre) e a Vinci (que opera em Salvador), além de novatos como a Aena e a ADP do Brasil, subsidiária da operadora dos aeroportos de Paris (França), que perdeu para os suíços o bloco do Sudeste.

Para David Goldberg, sócio da consultoria em infraestrutura Terrafirma, o leilão demonstra que o país está cada vez mais atraente para as operadoras estrangeiras. A consultoria foi contratada pelo governo Temer par afazer o desenho do modelo adotadona privatização de 2017, quando foram leiloados os terminais de Florianópolis (SC), Porto alegre (RS), Fortaleza (CE) e Salvador (BA).

— O momento da economia brasileira está melhor agora que na rodada passada. O câmbio está favorável aos investidores estrangeiros — disse Goldberg, que salientou ainda a importância de manutenção das regras das concessões.

Pressão local

Um grupo de oito mulheres de Rondonópolis comemorou o resultado do leilão dentro da Bolsa ontem. — Fizemos pressão até no Tribunal de Contas da União, em Brasília. A estrada até Rondonópolis vive congestionada por caminhões. Precisamos de mais voos para facilitar a vinda de médicos e outros serviços à cidade — disse a engenheira florestal Eliana Raposo, que fazia parte do grupo que se engajou para que o aeroporto da cidade fosse incluído no bloco do Centro-Oeste.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Vencedores planejam construir pistas e ampliar voos

16/03/2019

 

 

A recuperação da economia brasileira será fundamental para a estratégia de negócios das empresas que venceram o leilão de aeroportos. Os investimentos previstos ao longo dos 30 anos de concessão somam R$ 3,5 bilhões. A Zurich, que dobrou a presença no país com a aquisição dos terminais de Vitória e Macaé, tem como primeiro objetivo fazer uma nova pista no aeroporto da cidade fluminense, segundo Stefan Conrad, que comanda a operação brasileira da empresa.

Hoje, o terminal de Macaé possui uma pista habilitada para pousos e decolagens de aviões de pequeno porte e helicópteros. A nova pista poderá receber aeronaves maiores e reforçar a oferta de voos para a região, onde Conrad vê uma alta demanda com a retomada da indústria de óleo e gás.

Na capital capixaba, cujo aeroporto foi inaugurado no ano passado, a estratégia é reforçar a malha de voos. Na avaliação do executivo, o turismo capixaba ainda é pouco explorado —daí a oportunidade vista pela Zurich no terminal. A Aena, considerada a grande vencedora do leilão por ter arrematado o bloco mais cobiçado, vai aplicar sua experiência de atendimento de destinos turísticos na Europa em seus terminais no Nordeste do país. — Nossa atuação coincide com o perfil do bloco do Nordeste, que tem um potencial importante de desenvolvimento do turismo em Recife, Maceió e João Pessoa — disse o diretor de expansão da empresa, Juan José Alvarez. A empresa tem 46 terminais na Espanha e outros 15 no exterior. Cerca de 80% dos terminais espanhóis estão em destinos turísticos, como Ibiza e Madri, onde opera o terminalde Bar ajas, quinto aeroporto mais visitado da Europa.

Foco no agronegócio

Num leilão dominado pelas estrangeiras, a exceção foi o Consórcio Aeroeste, liderado pela Socicam, empresa de São Paulo com quatro décadas na gestão de terminais aéreos e rodoviários. É dela a gestão do Tietê, a maior rodoviária do país, na capital paulista, e do terminal Novo Rio. O portfólio inclui dez aeroportos regionais em destinos turísticos como Jericoacoara (CE). —O Centro-Oeste é forte no agronegócio, setor que depende cada vez mais de tecnologias que podem chegar por aviões. Executivos de grandes empresas do setor já chegam lá por avião. Por isso, o agribusiness faz muito sentido para nós — disse o diretor de novos negócios, Wanderley Galhiego Junior.