O globo, n. 31266, 15/03/2019. País, p. 4

 

Novo foro para corrupção

Carolina Brígido

15/03/2019

 

 

STF decide que crimes ligados a caixa dois serão julgados por Justiça Eleitoral

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que processos sobre crimes ligados à prática de caixa dois, como corrupção, devem ser enviados à Justiça Eleitoral. O placar da votação foi de seis votos a cinco. A maioria afirmou que, por lei, crimes eleitorais só podem ser julgados pelo ramo especializado do Judiciário, mesmo quando a prática estiver ligada a outros delitos.

Um agente público, por exemplo, que recebe propina e usa o dinheiro em campanha, sem declarar os valores, pode ser enquadrado em caixa dois, mas também em corrupção. O caso, portanto, deve ser conduzido pela Justiça Eleitoral.

A decisão tomada ontem, porém, não é automática. A partir do entendimento do Supremo, advogados poderão pedir a nulidade de decisões tomadas em processos que estão na Justiça Federal, alegando que houve caixa dois. Os juízes responsáveis pelas causas decidirão se o processo será transferido à Justiça Eleitoral.

A determinação contraria posição de procuradores da força-tarefa de Curitiba, que enxergam na medida o enfraquecimento da Lava-Jato. Eles queriam que esses casos ficassem na Justiça Federal, por ser uma estrutura mais preparada, na visão deles, para conduzir investigações complexas.

O coordenador da força-tarefa de Curiba, procurador Deltan Dallagnol, criticou a decisão do STF. “Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, no início da Lava-Jato”, escreveu ele, em uma rede social.

Já os procuradores da Lava-Jato do Rio receberam com preocupação o resultado do julgamento. Para eles, se a decisão tivesse sido tomada antes da prisão do exgovernador Sérgio Cabral, não haveria Lava-Jato no estado. Isso porque, depois da operação, Cabral apresentaria documentos comprovando que parte do dinheiro que recebeu foi gasto em campanha e ele não declarou. Assim, na interpretação dos procuradores, o processo iria para a Justiça Eleitoral e dificilmente teria havido as fases subsequentes.

— Com a decisão do STF, na forma como parece ter sido, teremos uma excrescência. Se a milícia no Rio usa parte dos recursos que arrecada para financiar campanha, os crimes cometidos por milicianos, tais como extorsão de comerciantes, exploração de ‘gatonet’ e até tráfico de drogas terão que ser julgados pela Justiça Eleitoral. Isso não faz sentido. O STF terá que se debruçar novamente para estabelecer os limites de sua decisão — diz o procurador Sérgio Pinel, da força-tarefa da Lava-Jato no Rio.

Mendes: "uns cretinos"

O ministro Gilmar Mendes fez duras críticas aos procuradores da República ao falar da polêmica criada em torno do julgamento, como se a decisão fosse um ataque às investigações da Lava-Jato contra corruptos:

— O que se trava aqui é uma disputa de poder. Se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas. Mas fantasmas e assombração aparecem para quem neles acredita. São métodos que não honram as instituições.

Ao falar da conduta profissional dos procuradores, Mendes subiu aina mais o tom:

— Isso é um modelo ditatorial. Se eles estudaram em Harvard, não entenderam nada. Gentalha, são uns cretinos, não sabem o que é processo, não sabem o que é processo civilizatório. É preciso combater a corrupção dentro do estado de direito, e não cometendo crime, ameaçando. Assim se instalam as milícias. O esquadrão da morte é fruto disso.

O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, defendeu a divisão desse tipo de processo com o caixa dois sendo julgado pela Justiça Eleitoral e os demais crimes, pela Federal. Luís Roberto Barroso seguiu a posição de Fachin.

— O Brasil vive uma epidemia em matéria de criminalidade. Faz pouca diferença distinguir se o dinheiro vai para o bolso ou para a campanha. O problema não é para onde o dinheiro vai, é de onde o dinheiro vem. E o dinheiro vem da cultura de achaque e corrupção que se disseminou pelo país — disse Barroso.

O ministro disse que a Lava-Jato foi um “divisor de águas no enfrentamento da corrupção institucionalizada no Brasil”. Ele lamentou, ainda, as reações ao julgamento do STF:

— Fico mais triste ainda ao constatar que esta é a opinião de uma parte relevante da sociedade brasileira, que acha que o Supremo embaraça as investigações contra a corrupção. Não será bom, após anos de combate à corrupção, mexer em uma estrutura que está dando certo, funcionando.

A decisão foi tomada em processo aberto contra o exprefeito do Rio Eduardo Paes e o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), seu braço direito. Os dois são investigados por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e recebimento de recursos de caixa dois da Odebrecht. Eles negam.

Recentemente, a Segunda Turma do STF enviou para a Justiça Eleitoral os inquéritos do senador José Serra (PSDB-SP) e do ex-presidente Michel Temer. A Primeira Turma faz o oposto. O julgamento uniformiza a questão.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Lindbergh e Kassab devem ser beneficiados

André de Souza

15/03/2019

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que processos da LavaJato sobre corrupção ligados à prática de caixa dois têm de ser enviados para a Justiça Eleitoral deve afetar, imediatamente, inquéritos do exsenador Lindbergh Farias (PT-RJ), do ex-ministro Gilberto Kassab (PSD-SP) e do ex-deputado Betinho Gomes (PSDB-PE). No ano passado, os relatores desses processos no STF os encaminharam para a Justiça Federal, mas os investigados recorreram.

Em agosto do ano passado, o ministro Edson Fachin, do STF, mandou para a Justiça Federal de Nova Iguaçu (RJ) o inquérito aberto com base na delação da Odebrecht para investigar Lindbergh. Segundo delatores da empreiteira, ele ajudou a Odebrecht no programa de moradia do município, do qual foi prefeito. De acordo com o relato, o atendimento ao pleito foi uma contrapartida a uma doação de R$ 2 milhões por meio de caixa dois, que ele recebeu em 2008 em sua campanha para a reeleição na prefeitura.

Também no ano passado, quando ainda era senador, Lindbergh recorreu para manter o caso no STF ou, alternativamente, enviá-lo para a Justiça Eleitoral do Rio. O provável agora é que vá para a Justiça Eleitoral. O ex-senador nega irregularidades.

Estava na pauta de terçafeira da Primeira Turma do STF o julgamento que definiria se dois inquéritos abertos na Corte contra Kassab com base na delação da Odebrecht seriam enviados para a Justiça Eleitoral ou para a Justiça Federal. O julgamento foi adiado para que o plenário do STF pudesse deliberar sobre a questão. Nos dois casos, o relator, ministro Luiz Fux, determinou em agosto do ano passado o envio para a Justiça Federal de São Paulo.

Betinho Gomes também foi delatado por executivos da Obebrecht. Ele teria recebido repasses nas campanhas de 2012 e 2014 para ajudar a empresa em projetos em Pernambuco. Em maio do ano passado, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, mandou o caso para a Justiça Federal naquele estado. A defesa recorreu pedindo o arquivamento ou, alternativamente, o envio para a primeira instância da Justiça Eleitoral de Pernambuco. O caso começou a ser analisado virtualmente pela Segunda Turma do STF, mas não houve decisão ainda.