Valor econômico, v. 18, n. 4529, 21/06/2018. Brasil, p. A5

 

Novas regras para setor de carga abrem espaço para rombo fiscal

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro 

21/06/2018

 

 

Relator Nelson Marquezelli (PTB-SP): toda a base do governo a favor do projeto

Uma das demandas dos caminhoneiros que protestaram contra a alta dos combustíveis, o marco regulatório do transporte de cargas, aprovado ontem pela Câmara dos Deputados, tem potencial para gerar novo rombo nas contas públicas. A proposta contém pelo menos oito renúncias fiscais, abatimento de impostos e anistia de multas.

Com toda a base do governo a favor do projeto, e a ameaça de um novo protesto dos caminhoneiros, o Executivo orientou a favor do parecer do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP). A saída, agora, será trabalhar para alterar o projeto no Senado, aproveitando que o Legislativo deve sair de recesso nos próximos dias, ou usar o poder de veto do presidente da República.

Apesar de o excesso de caminhões ser apontado como um dos motivos para os problemas do setor de transporte, a proposta cria programa para renovação da frota que dará isenção de IPI, PIS e Cofins para compra de veículo de carga, implementos rodoviários, reboque e semirreboque de carga, além de redução de 50% no ganho de capital da empresa com a troca por um veículo de maior valor.

O texto também permite usar os gastos com pedágio para abater o Imposto de Renda e gerar créditos de PIS e Cofins. O pedágio, se a proposta for aprovada, não integrará o valor do frete para o cálculo da receita da empresa para fins de tributação, contribuições previdenciárias ou substituição tributária. O Valor questionou a Receita Federal sobre o impacto dessas medidas, mas não teve retorno.

O relator, que é dono de uma frota de 120 caminhões, defendia incluir no projeto anistia as multas dos caminhões que ficaram parados em vias públicas durante o protesto, mas recuou após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizer que tiraria o projeto de pauta. Deputados pressionaram Maia, dizendo que foram multadas até empresas que queriam trabalhar, mas pararam após ameaças.

As multas aplicadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) somam R$ 845 milhões. Esse grupo de parlamentares pretende reapresentar a anistia como emenda em uma medida provisória.

Outra anistia, contudo, passou no projeto, e sem relação com o protesto. Pela proposta, serão transformadas em advertências todas as multas por evasão de fiscalização rodoviária. Não há um marco temporal para essa remissão e não está claro o que ocorrerão com as multas já pagas. O PL também afrouxava a fiscalização em fronteiras, liberando cargas caso os postos aduaneiros estivessem fechados, mas esse artigo foi retirado após a Polícia Federal ligar o sinal de alerta com temor de aumento do tráfico de drogas.

A principal disputa no plenário da Câmara é um artigo que determina que a prestação de serviços de transporte é uma relação "sempre empresarial", será julgada apenas pela Justiça Cível (não poderá ser levado, portanto, para a Justiça do Trabalho) e não configurará vínculo de emprego.

O PCdoB fez um acordo com o relator para excluir esse artigo, em troca de não tentar impedir a votação do projeto com requerimentos, mas PSDB, MDB e DEM, apoiando a demanda de empresas de transporte e do agronegócio, exigiram a votação em separado e aprovaram o dispositivo.

O projeto, com quase cem artigos, modifica as relações comerciais entre as empresas e os caminhoneiros (como estabelecer um prazo máximo para a carga ser descarregada no destino, evitando que o caminhão seja usado como "armazém" informal).

Com o aumento dos roubos de carga, a proposta também torna obrigatória a contratação de seguro para cobrir acidentes, perda de mercadoria e roubos, dá ao transportador o direito de receber fretes e taxas em caso de assaltos e aumenta penas para empresas e motoristas envolvidos em furto e receptação de cargas.

Outra mudança é a perda do CNPJ do posto de gasolina que adulterar os combustíveis ou fraudar as bombas. A pedido dos caminhoneiros profissionais, o limite para perder a carteira nacional de habilitação (CNH) aumentará de 20 para até 40 pontos se não houver infrações graves.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Sem consenso, Fux adia por uma semana decisão sobre tabela para o frete

Rafael Bitencourt 

21/06/2018

 

 

A audiência de conciliação realizada ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) para construir um consenso sobre o preço do frete rodoviário terminou sem acordo. O ministro Luiz Fux, que conduziu as negociações entre governo, setor produtivo e caminhoneiros, decidiu manter suspensas até 28 de junho as mais de 50 ações judiciais contra a MP 832/18 que criou a política de preço mínimo para pôr fim à greve no transporte de carga.

Enquanto os processos judiciais estiverem suspensos continuará valendo a tabela de preço mínimo publicada em 30 de maio pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Para a próxima quinta-feira, está programada uma nova reunião no Supremo para retomar as tratativas.

Fux disse à imprensa que considera possível que todos os setores sejam contemplados. Ele afirmou que o país não pode voltar a enfrentar a crise de desabastecimento causada pela greve dos caminhoneiros.

O ministro informou que ficou agendada para o dia 27 de agosto uma audiência pública. A ideia é possibilitar que a corte seja abastecida com informações técnicas dos diferentes setores para tomar uma decisão final sobre o tema.

Ontem pela manhã, Fux recebeu separadamente os segmentos envolvidos. No início da tarde, foi realizada audiência com todos juntos. A ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, e a Procuradoria-Geral da República (PGR), representada pelo subprocurador-geral, Paulo Gustavo Gonet, também compareceram.

O ministro disse que não discutiu a constitucionalidade da decisão do governo de tabelar o preço do frete, o que foi apontado como afronta às leis de mercado. Ele considerou que tal abordagem poderia inviabilizar uma solução consensual.

Representantes de duas entidades do setor produtivo voltaram a marcar posição contrária à política de preço mínimo ao saírem da audiência no STF. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, disse que o setor só aceita discutir uma tabela de referência. "Somos contra qualquer tipo de tabelamento de preço. Não faz sentido voltarmos a indexar a economia", disse Andrade. Segundo ele, a entidade representa 68 segmentos da indústria.

O presidente da CNI defendeu que o governo crie um mecanismo de subsídios para os caminhoneiros autônomos. Segundo ele, a categoria está nas mãos de "atravessadores" que não permitem a livre negociação com dos frente.

O agronegócio foi representado na audiência pelo chefe da assessoria jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rudy Ferraz. Ele, que também se posicionou contra a tabela de preço mínimo, disse que a entidade deverá insistir no pedido de suspensão da MP se não houver acordo até a próxima semana.

Ferraz ressaltou que o setor passa pelo período de escoamento de safra e tem sofrido diretamente as consequências do tabelamento. Ele ressaltou que, desde 30 de maio, os segmentos de soja e milho acumularam prejuízos de R$ 500 milhões por dia.

Já a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) rejeitou a ideia de estabelecer uma tabela de referência para o preço do frete. O presidente da entidade, Diumar Bueno, ressaltou que somente o preço mínimo poderia garantir as condições mínimas de remuneração para a categoria.