Valor econômico, v. 18, n. 4529, 21/06/2018. Política, p. A8

 

Polícia pode fechar acordos de delação sem aval do MP, decide STF

Maíra Magro

21/06/2018

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por oito votos a três, que a polícia pode fechar delações premiadas sozinha, sem precisar de aval do Ministério Público. Os ministros rejeitaram ação proposta pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot que questionava artigos da lei de organizações criminosas que autorizam delegados a negociar delações.

A decisão dá sinal verde para a homologação de delações importantes fechadas pela Polícia Federal (PF), como a dos publicitários Duda Mendonça, Marcos Valério e do ex-ministro Antonio Palocci. As duas primeiras são examinadas no STF e a segunda está em análise no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Nos três casos, os delatores tentaram fechar acordo com o Ministério Público primeiro, mas como não conseguiram, procuraram a PF.

No julgamento concluído ontem, o voto do relator, Marco Aurélio Mello, foi acompanhado em seus principais fundamentos pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia. "Como a colaboração premiada é meio de obtenção de prova e não meio de prova, não se mostra possível impedir que as autoridades policiais lancem mão desse qualificado instrumento de persecução penal", afirmou Lewandowski.

Gilmar apontou que a polícia pode inclusive propor ao juiz o perdão judicial como consequência do acordo, ainda que o MP seja contra. "Nada impede que o juiz aplique o perdão judicial contra a opinião do MP", afirmou.

Os ministros concluíram que a polícia pode sugerir e até negociar benefícios, mas a palavra final caberá sempre ao juiz, na fase de sentença. Para a corrente vencedora, o juiz pode optar por seguir os termos acordados pelo delegado mesmo que o procurador opine de forma diferente. "Manifestação contrária do MP não se reveste de eficácia vinculante, portanto não obriga o magistrado", afirmou Celso de Mello.

Os ministros ressalvaram que, ao negociar delações, os delegados não podem avançar sobre prerrogativas próprias do MP, como, por exemplo, firmar o compromisso de que um investigado não será alvo de acusação formal ao Judiciário.

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux. Fachin entendeu que a polícia pode participar da negociação de acordos de colaboração, mas não como "parte celebrante do ato negocial", que para ele deveria ser apenas o MP.

Já Rosa e Fux afirmaram que a polícia só poderia fazer delação com anuência prévia do MP.

O julgamento começou em dezembro, formando maioria de votos pelo poder da polícia de fechar delações. Mas só na sessão de ontem a Corte fixou que os acordos firmados por delegados não dependem de aval do MP - a decisão se desenhou com os votos de Lewandowski, Gilmar, Celso de Mello e Cármen Lúcia. As delações podem ser firmadas pelas polícias civil e federal, que têm poder de investigação.

A conclusão do STF é que os delegados têm o poder de negociar redução de penas e regime de cumprimento, mas quem decidirá se eles devem ou não ser aplicados é o juiz. Nas principais delações já firmadas pela PF, porém, os delegados não chegam a fazer qualquer sugestão de benefício. Eles simplesmente tomam o depoimento do colaborador e remetem o documento ao magistrado para avaliação de sua efetividade. Na avaliação de delegados ouvidos pelo Valor, para garantir a colaboração mais ampla do investigado, é interessante que o benefício só seja avaliado ao final do processo.

O julgamento também foi marcado por críticas de alguns ministros ao modelo de delação adotado pelo MP, em que os benefícios são negociados diretamente com os delatores e fixados no acordo. Assim, a pena é estipulado antes da sentença, o que para alguns daria poderes amplos demais aos procuradores.

"Cabe ao órgão julgador e apenas a ele, quando do julgamento da ação penal, examinar todos os fatos e circunstâncias da conduta criminosa, bem como o grau de eficácia da colaboração, para decidir qual pena e regime de cumprimento se configuram adequados à luz do caso concreto e da figura do colaborador", afirmou Lewandowski.

A expectativa é que o STF ainda discuta, de forma mais abrangente, o poder do MP de fixar benefícios diretamente com os colaboradores, inclusive punições não previstas em lei. O debate deve ocorrer na análise da rescisão da delação dos executivos da JBS, que ainda não entrou na pauta.

Na avaliação de criminalistas ouvidos pelo Valor, mesmo com a decisão de ontem, delatores continuarão preferindo fechar acordos com o MP, já que só esse órgão (ao contrário da polícia) é parte na ação penal - sendo portanto capaz de honrar em juízo o compromisso firmado na delação de pedir penas menores, por exemplo. Por outro lado, a decisão dá maior segurança jurídica aos acordos firmados com a PF.

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Para procurador, decisão beneficia colaborador

Cristiane Agostine 

21/06/2018

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir que a polícia negocie e celebre acordos de delação premiada mesmo sem o aval do Ministério Público tende a beneficiar o colaborador, que poderá dar menos informações em troca de mais benefícios. Na análise do procurador Vladimir Barros Aras, diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores da República, aqueles que negociam a delação poderão "barganhar" entre o MP e a polícia. Com isso, os delatores poderão oferecer um número menor de provas para as investigações.

O dirigente da associação dos procuradores afirma que a decisão do STF deve gerar um desequilíbrio nas negociações e não descarta uma futura alteração do entendimento dos ministros da Corte.

"O colaborador poderá negociar primeiro com a polícia e depois com o MP, ou vice-versa. Poderá negociar também com os dois simultaneamente, sem que o outro saiba. Dessa forma, poderá barganhar benefícios e oferecer menos, em troca de mais vantagens", diz. "Essa decisão trouxe mais conforto aos colaboradores."

Para o procurador, o Supremo criou uma situação de insegurança jurídica nos acordos. "Não é uma questão de corporativismo, de falar que o Ministério Público negocia melhor do que a polícia. O problema é que quando é colocado mais um agente na mesa de negociação, o colaborador vai "comprar" o acordo daquele que pedir menos e oferecer mais benefícios", afirma. "Antes, se não aceitasse o acordo com o MP, o colaborador teria que enfrentar o processo, correndo o risco de ser condenado. Agora, poderá recorrer à polícia."

Aras afirma ainda que o "interesse público" perderá diante da possibilidade de os investigados oferecerem menos informações e provas sobre desvios. "É uma válvula de escape que permite o delator 'relaxar' sua proposta [de apresentação de provas]", analisa Aras.

Professor de Direito Penal há cerca de 20 anos, Aras diz que foi um "mau momento" do Supremo. "Outro problema dessa decisão é a prorrogação do debate sobre as provas apresentadas pelo delator sobre a conduta de outras pessoas. Antes, depois de fechado acordo com o MP, a discussão era encerrada. Agora, o MP poderá questionar em instâncias superiores uma decisão da polícia", diz.

Ao decidir ontem, que a polícia poderá fechar delações premiadas mesmo sem aval do MP, o Supremo permitiu que a polícia sugira punições aos delatores. A decisão final, no entanto, deve ser do juiz.

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STJ restringe foro privilegiado de governadores

Luísa Martins 

21/06/2018

 

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu restringir o foro privilegiado de governadores e conselheiros de tribunais de contas - autoridades que têm a prerrogativa na Corte. O placar foi de 10 a 0 pela limitação do foro a crimes em tese cometidos durante e em razão do exercício da função.

Com isso, governadores até então processados no STJ por condutas ilícitas supostamente praticadas em momento anterior à posse no cargo passarão a responder na primeira instância. É o caso, por exemplo, da ação penal em que é réu o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), que está na fase de oitiva de testemunhas. As provas já colhidas no STJ serão aproveitadas pelo juiz de primeiro grau, mas a tendência é que o processo leve ainda mais tempo para ser concluído.

Seguindo tese proposta pelo ministro João Otávio Noronha, todos os ministros entenderam que o STJ deve aplicar a conselheiros e governadores o mesmo princípio estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 3 maio, para membros do Congresso Nacional, ou seja, deputados e senadores.

Os ministros ainda não definiram se a medida valerá, também, para desembargadores e membros do Ministério Público da União (MPU), que também têm foro especial. Esses continuarão sendo julgados pelo STJ.

No início do julgamento, em 16 de maio, o relator do caso, ministro Mauro Campbell, havia negado a restrição do foro, por compreender que qualquer alteração nas regras do foro deveria ser definida pelo STF ou pelo Congresso. Porém, no meio tempo entre os sucessivos adiamentos do julgamento no STJ, o Supremo se manifestou.

No dia 12, a Primeira Turma do STF baixou à primeira instância um processo contra o conselheiro Sérgio Almeida, do Tribunal de Contas do Mato Grosso, por considerar que o crime atribuído a ele havia sido cometido no período em que ele era deputado estadual. Em função disso, o ministro Campbell mudou seu voto e acompanhou os colegas.

No caso concreto, a Corte Especial do STJ julga um caso semelhante: o de um conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (DF) que teria cometido crime quando era deputado distrital, isto é, quando ainda não tinha direito à prerrogativa. Assim, o processo será declinado à Justiça Federal de Brasília.

"A despeito de o Supremo não ter aplicado a extensão da restrição aos ocupantes de demais cargos sujeitos a foro especial, também não há ali nenhuma vedação a que isso seja feito", disse o ministro Luís Felipe Salomão.

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Para AGU, nova lei é solução para auxílio-moradia

Lucas Marchesini

21/06/2018

 

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) acredita que a solução para o auxílio-moradia de juízes dependerá de uma alteração legislativa. A opinião está em manifestação encaminhada ontem para o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal (STF), relator de ações sobre o assunto.

"A constatação é resultado das tratativas na AGU com entidades representativas das duas categorias e representantes de órgãos públicos", disse, em nota, o órgão.

A AGU aponta "que trabalhou para chegar a uma solução consensual que trouxesse segurança jurídica para a questão, num esforço para a redução da litigiosidade excessiva que vem sobrecarregando o Poder Judiciário brasileiro".

Isso "demandaria o advento de uma nova legislação, respeitando-se os espaços de iniciativa privativa, previstos constitucionalmente para as esferas federal ou estadual".

Nesse sentido, duas soluções foram levantadas. "A recomposição salarial por meio do aumento do teto remuneratório do serviço público ou o Congresso Nacional aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC), que já tramita no Congresso Nacional, criando um benefício relacionado ao tempo de serviço de juízes e membros do MP", enumera. Com isso, ocorreria a extinção pacífica do benefício.

O impacto para os cofres públicos seria menor através da recomposição salarial porque "passariam a ser cobrados impostos sobre os valores dos subsídios - o que não ocorre hoje com as verbas relacionadas ao auxílio-moradia".