Valor econômico, v. 18, n. 4528, 20/06/2018. Brasil, p. A3
Ministérios deixam de gastar R$ 15,5 bi até abril
Ribamar Oliveira
20/06/2018
Repetindo o que ocorreu no segundo semestre de 2017, os ministérios não estão conseguindo gastar os recursos liberados para eles pelo Tesouro Nacional. De janeiro a abril, os vários órgãos do Executivo deixaram em caixa R$ 15,5 bilhões, de acordo com o relatório de avaliação do comprimento das metas fiscais, relativo ao primeiro quadrimestre deste ano, encaminhado pelo governo ao Congresso, no início deste mês.
Do limite de R$ 88 bilhões em despesas discricionárias, autorizado pelo decreto de programação orçamentária e financeira para o primeiro quadrimestre, os órgãos do Executivo só conseguiram gastar R$ 72,5 bilhões. Ou seja, 17,6% do total liberado ficaram no caixa, "empoçados".
Os demais Poderes tinham limite financeiro de R$ 3,87 bilhões e gastaram R$ 3,83 bilhões - quase a totalidade. As despesas discricionárias são aquelas que o governo não é obrigado a executar e pode contingenciar.
O relatório não especifica quais os órgãos do Executivo ficaram com dinheiro em caixa no primeiro quadrimestre. Fontes da área econômica explicaram que o "empoçamento" dos recursos decorreu da não conclusão de obras ou serviços que estavam programados para o período. Por isso, o dinheiro não pode ser usado.
Os recursos não gastos não retornam, no entanto, aos cofres do Tesouro. Ficam no caixa dos órgãos públicos à espera da liquidação da obra ou do serviço. A liquidação é a etapa orçamentária que antecede o pagamento. As mesmas fontes acreditam que o volume de recursos não gasto pelos Ministérios deve ter sido reduzido em maio e neste mês.
O "empoçamento" do dinheiro foi uma das razões para o melhor resultado primário registrado no primeiro quadrimestre deste ano. Isto ocorre porque a metodologia utilizada pelo Tesouro para o cálculo do resultado primário é a diferença entre as receitas e as despesas, consideradas pelo valor pago.
A meta fiscal do governo federal (inclui as empresas estatais federais) para o período de janeiro a abril era de déficit primário de R$ 27,9 bilhões, mas o resultado ficou em déficit de R$ 4 bilhões, sendo R$ 2,6 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) e R$ 1,4 bilhão para as estatais.
Em 2017, os Ministérios não conseguiram gastar R$ 30 bilhões que foram colocados à disposição deles pelo Tesouro. O "empoçamento" dos recursos foi uma das principais explicações para o melhor resultado primário registrado no ano passado pelo governo central. O déficit primário do governo central no ano passado ficou R$ 14,6 bilhões abaixo da meta.
Na época, o Tesouro informou que o Ministério da Saúde deixou de gastar R$ 4,4 bilhões, o Ministério da Educação, R$ 900 milhões, e o Ministério da Justiça, R$ 1,2 bilhão. Um montante de R$ 4,8 bilhões liberados para pagar emendas parlamentares também não foram utilizados.
No relatório sobre o seu resultado de 2017, o Tesouro disse que a "rigidez alocativa contribuiu para a execução (das despesas) abaixo da programação". Segundo ele, "mínimos constitucionais (saúde, educação), vinculações (Funpen) e outras despesas obrigatórias (emendas impositivas) exemplificam a rigidez alocativa".
As despesas que não foram pagas em 2017 viraram restos a pagar e vão pressionar as contas deste ano e dos próximos, quando forem quitadas.
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Corte de despesas 'no limite' ameaça as reformas no futuro governo, diz ministro
Fabio Graner
20/06/2018
O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, e o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida destacaram ontem as dificuldades fiscais que o próximo governo terá e a necessidade de se realizarem reformas, principalmente a da Previdência, porque a capacidade de cortar despesas discricionárias (aquelas que o governo tem liberdade para mexer) está no limite.
"Todo ajuste hoje está sendo feito na despesa discricionária. Está se deixando camisa de força absurda para próximo governo", ressaltou Colnago, que abriu o seminário Cenários Fiscais, promovido pela Instituição Fiscal Independente (IFI).
"Fazer ajuste fiscal cortando despesa é difícil, porque tem que atingir gastos obrigatórios e não tem solução fácil", disse Mansueto, que também participou do mesmo evento. "O problema é que gastamos muito com Previdência. Em pleno século 21, e as pessoas estão se aposentando muito cedo", acrescentou.
Segundo o secretário do Tesouro, o valor real da despesa discricionária hoje é o mesmo de 2009 e não será possível completar o ajuste só cortando esse tipo de despesa. "Vamos ter que entrar em despesa obrigatória", disse, lembrando que 95% do crescimento das despesas desde 1999 foi concentrado em pessoal e previdência.
O ministro do Planejamento explicou que ainda que, além da dificuldade de se reduzir gastos, o orçamento no Brasil tem amarras, como o excesso de vinculações entre receitas e despesas e a falta de visão de longo prazo. "Falta racionalidade no orçamento, cria-se amarras que são impossíveis de gerir. Preciso criar condições de pensar o médio prazo", disse, reiterando a necessidade de reformar a Previdência, o gasto com pessoal e também de se caminhar para reformas microeconômicas, para ampliar o crescimento do país.
Os representantes do governo defenderam o teto de gastos, cuja sustentabilidade tem cada vez mais sido questionada. Mansueto disse que o teto de gastos é um projeto de ajuste fiscal gradual, mas reconheceu que a medida é muito difícil de ser cumprida.
O secretário reforçou que o ajuste fiscal é tema para campanha eleitoral, destacou que o processo tem que ser gradual por conta do tamanho da necessidade de ajuste, mas ponderou que negar a necessidade dele ou querer ainda mais gradualismo é um risco.
Já Colnago disse que não dá para simplesmente falar em se retirar o teto e enfatizou ser necessário discutir algo que dê sustentabilidade para as contas públicas no longo prazo. Nesse sentido, ele afirmou que, o próximo governo terá que discutir previdência, os programas do setor público, de forma a diminuir o enrijecimento do orçamento e dar alguma margem de manobra para o governante. Colnago ressaltou que esse problema também atinge Estados e municípios, cujos governadores hoje estão meramente gerenciando folhas de pagamento, o que pode se tornar a situação da União.
Também participando do seminário, secretário de Orçamento Federal, George Soares, disse que sem o teto de gastos o governo teria que fazer um ajuste fiscal mais forte. "Sem o novo regime fiscal [teto], não teria como fazer ajuste gradual. O problema não é o teto. Mas você precisa fazer outras reformas em si e só é possível ter tempo para fazer isso por conta do teto", disse. "Não fazer reformas é brincar com fogo e com álcool".