Valor econômico, v. 18, n. 4525, 15/06/2018. Brasil, p. A2

 

Prêmio de loterias pode diminuir para cobrir cortes em ministérios

Fabio Graner 

15/06/2018

 

 

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, antecipou ontem ao Valor que o governo discute rever os percentuais destinados aos prêmios de loterias (chamados de payout) para recompor parte dos orçamentos dos ministérios do Esporte e da Cultura. Eles perderam recursos com a edição da Medida Provisória nº 841, que ampliou o orçamento da Segurança Pública neste e nos próximos anos.

A proposta enviada ao Congresso elevou de 55,9% para 60% essa parcela do prêmio na Loteria Federal, de 43,3% para 50% nas loterias de prognóstico numérico (como Mega Sena e Quina), de 46% para 50% na Timemania e de 37,6% para 55% na Loteria Esportiva. No caso da Mega Sena, por exemplo, Jungmann indicou que o payout pode ir para 48%.

Essas mudanças, contudo, pelo texto da MP só terão eficácia no ano que vem. Assim, a revisão desses valores também só terá impacto em 2019, sem resolver o problema deste ano, que é menor porque o remanejamento afeta apenas os próximos seis meses e parte dos recursos dos ministérios já estava bloqueada.

"Estamos estudando subir um pouco menos os valores destinados ao prêmio e fazer a redistribuição de recursos. Isso está sendo negociado junto ao Palácio do Planalto e é uma ideia para atenuar o desconforto dos ministérios", disse o ministro. "Queremos atenuar ao máximo a perda do orçamento deles", acrescentou.

Jungmann considerou natural a reclamação e ressaltou que a perda de recursos é uma consequência natural do teto de gastos. O ministro evitou, contudo, contestar a funcionalidade do dispositivo instituído pelo próprio governo Temer e engrossou o coro sobre a necessidade de uma reforma da Previdência.

"Se não for feita a reforma previdenciária teremos dificuldades crescentes, com engessamento do orçamento e redução de dinheiro para ministérios que são dependentes de recursos discricionários", afirmou. "Sem isso, fica claro que a gente perde governança, graus de liberdade, uma rigidez que progressivamente se torna inadministrável", disse.

O ministro destacou que a MP 841 atende a prioridade necessária a ser dada para segurança pública e permite ao ministério ter condições melhores para implementar o processo de "dar um rumo nacional" à política de segurança pública, que historicamente sofre com "omissão deliberada" do governo central.

Aos recursos adicionais que a MP de loterias leva ao ministério, Jungmann destaca também a importância dos recursos do BNDES que estarão disponíveis para financiar ações na área de segurança, dentro da estratégia traçada pelo governo federal. Apesar do pouco tempo até o fim do ano para que ações efetivamente se concretizem, Jungmann enfatizou a importância de deixar o legado de uma estrutura nacional que, para ele, vai "revolucionar" a segurança no Brasil.

As prioridades estratégicas do ministério, que em breve deve deixar de ser extraordinário para se tornar permanente, são: redução de homicídios, formação de policiais, e estruturação de uma base de dados nacionais para subsidiar as ações na área de segurança.

O ministro, aliás, destacou a falta de estatísticas nacionais confiáveis e comparáveis para subsidiar as ações de políticas públicas. Jungmann disse ainda que está liderando um grupo interministerial envolvendo principalmente pastas da área social no sentido de dar foco a ações governamentais em áreas e grupos de pessoas mais vulneráveis. Ele lembra que o anuário de segurança pública de 2015 mostrou que metade dos homicídios estão em cerca de 1% dos municípios e que os focos de violência estão mais concentrados em populações jovens (15 a 24 anos), de baixa renda e com etnia negra e parda, que estão em situações mais desfavoráveis socialmente.

No esforço de "atenuar o desconforto" criado entre os ministérios do Esporte e da Cultura com o da Segurança Pública, Jungmann informou que cumprirá agenda hoje no Rio, ao lado do ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão.

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Canadá propõe "comércio inclusivo"ao Mercosul

Murillo Camarotto

Fabio Murakawa 

15/06/2018

 

 

Em negociações aceleradas para um acordo de livre comércio com o Canadá, a diplomacia brasileira está curiosa para conhecer um tópico específico do "comércio inclusivo" proposto pelo primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. Entre as pautas incluídas nos debates que acontecem esta semana, em Brasília, está a questão de gênero.

Em nome da futura relação comercial, Mercosul e Canadá não poderão passar por cima de políticas ambientais e da legislação trabalhista, ao mesmo tempo em que terão que facilitar o acesso de pequenas e médias empresas ao mercado comum. Essas exigências já são relativamente comuns em negociações, mas o respeito à questão de gênero ainda é um enigma no lado latino.

"Estamos totalmente alinhados com esses valores, mas confesso que ainda não conseguimos entender como isso se encaixa na política comercial", disse um negociador que pediu para não ter o nome divulgado.

Uma disposição semelhante consta do acordo entre o Uruguai e o Chile, firmado em 2016. Nele, as partes se comprometem a implementar políticas e boas práticas que promovam a igualdade de gênero em seus setores.

"As partes reconhecem o comércio internacional como um motor de desenvolvimento, e que melhorar o acesso das mulheres das mulheres às oportunidades existentes dentro de seus territórios, para que participem da economia nacional e internacional, contribui para fomentar um desenvolvimento econômico sustentável", explica o tratado.

Mais de 50 negociadores dos quatro países do Mercosul e do Canadá estão discutindo detalhes do acordo desde quarta-feira, na capital federal. Alguns dos 24 grupos formados já concluíram as conversas e a expectativa é de que as modalidades do acordo possam ser anunciadas hoje.

A próxima rodada de negociações está programada para acontecer em setembro, na cidade de Otawa, no Canadá. Em seguida, os negociadores voltam a Brasília, em dezembro, quando se pretende iniciar a troca de ofertas.

Hoje, os negociadores da América do Norte têm demonstrado alguma resistência na abertura do seu mercado aos produtos agropecuários, como frango e lácteos, setores fortemente protegidos. Do lado do Mercosul, há uma oposição forte em relação à entrada dos canadenses no segmento de serviços financeiros.

O Canadá manifestou pela primeira vez o interesse em avaliar com o Mercosul interesses mútuos para um acordo de livre comércio em 2010. As discussões, no entanto, estavam paralisadas há um bom tempo até que foram retomadas em maior de 2016.

No início do ano passado, o governo brasileiro recebeu a visita do negociador-chefe canadense, David Usher, quando foram discutidos os interesses em temas de bens, serviços, investimentos, compras governamentais, regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, medidas sanitárias e fitossanitárias, propriedade intelectual, meio ambiente e legislação trabalhista.

O Canadá também mencionou interesse nos temas de concorrência e empresas estatais. Em abril e julho de 2017, foram realizadas reuniões técnicas entre o bloco sul-americano e o Canadá.