Valor econômico, v. 18, n. 4525, 15/06/2018. Finanças, p. C5

 

BCE anuncia fim de programa de compra de ativos

Claire Jones

Michael Hunter

15/06/2018

 

 

O Banco Central Europeu (BCE) declarou encerrado seu programa de estímulo de três anos, que envolveu € 2,4 trilhões. A instituição anunciou para o fim do ano o término das aquisições, um programa histórico a que se atribui o mérito de ter revitalizado uma economia dizimada pela crise.

A decisão de colocar um fim às compras mensais de bônus, de bilhões de euros, uma política que vinha semeando uma cada vez maior discórdia no âmbito do BCE, foi temperada pela manutenção das taxas de juros em níveis recordes de baixa e pela sinalização de que elas pouco provavelmente subirão antes de setembro de 2019 - mais tarde do que alguns analistas tinham pensado. O recado mais acomodatício sobre as taxas fez com que o euro caísse significativamente ontem.

O BCE vai diminuir gradualmente a abrangência do programa de estímulos durante o restante deste ano, ao reduzir à metade, para € 15 bilhões, suas aquisições mensais de ativos depois de setembro e suspendê-las totalmente após o fim do ano.

Embora o encerramento das compras de bônus ponha fim a um programa de afrouxamento quantitativo que aqueceu uma economia até então em dificuldades e contribua para que endividados governos da zona do euro tomem empréstimos a taxas baixas, Mario Draghi, o presidente do BCE, foi cuidadoso em sinalizar que seu combate à crise não acabou.

Ele disse que a economia da zona do euro ainda precisa de "significativo estímulo monetário" para alcançar sua meta de inflação próxima a 2%, e enfatizou que a decisão do banco de encerrar as compras de bônus em dezembro está "sujeita a novos dados que confirmem nossa perspectiva de inflação de médio prazo". As decisões de política monetária de ontem foram tomadas por unanimidade, acrescentou.

"A decisão é uma solução de compromisso verdadeiramente salomônica entre os 'hawks' [inclinados ao aperto monetário] e os 'doves' [de perfil mais acomodatício]", disse o economista Carsten Brzeski, do ING-DIBA. "Os 'hawks' finalmente obtiveram sua data final para o afrouxamento quantitativo, enquanto os 'doves' ainda têm seu espaço para mais, se necessário."

A medida do BCE, adotada em reunião realizada em Riga, capital da Letônia, aproxima a instituição do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) e do Banco da Inglaterra, que não apenas puseram fim ao afrouxamento quantitativo como também começaram a elevar as taxas de juros. O Fed aumentou os juros em 0,25 ponto percentual na quarta-feira. A taxa básica americana ficou atualmente em uma faixa de 1,7% e 2% ao ano, em acentuado contraste com a adoção, pelo BCE, de taxas negativa e nula.

A principal taxa de refinanciamento referencial do BCE permaneceu em zero, e a taxa de depósito (do interbancário), em -0,4%.

Sinais emitidos poucos meses atrás por Draghi, de que estaria se aproximando do fim do afrouxamento quantitativo, abalaram os mercados financeiros, na medida em que os investidores se afligiram com a perspectiva do fim de um período, de quase dez anos, de dinheiro muito barato.

Mas o líder do BCE calibrou cuidadosamente seu recado desde então, e os analistas disseram que associá-lo a uma postura acomodatícia para com as taxas de juros tranquilizou os mercados, recentemente sacudidos pela turbulência geopolítica na Itália.

"O BCE provavelmente ficará satisfeito com a maneira pela qual sua mudança de política foi recebida pelos mercados financeiros", diz Karen Ward, estrategista-chefe de mercado para o Reino Unido e Europa do J.P. Morgan Asset Management. "Embora a economia da zona do euro ainda exija uma política monetária de sustentação, as compras de ativos começavam a causar mais danos do que benefícios, do nosso ponto de vista."

Muitos analistas tinham pensado que o banco só exporia no fim de julho seus planos de abandonar o afrouxamento - embora houvesse expectativa generalizada de que o programa terminaria até o fim de 2018.

Autoridades de bancos centrais da Alemanha e de outros países do norte da Europa argumentaram que, pelo fato de a economia da zona do euro estar mais forte atualmente, seria vital começar a normalizar a postura do BCE, para que a instituição tivesse mais munição para enfrentar um futuro desaquecimento.

A zona do euro cresceu 2,3% em 2017, mas indicadores mais recentes sugeriram que o ritmo de expansão perdeu força.

Autoridades favoráveis ao aperto monetário também argumentaram que alcançar um crescimento sustentável depende da realização de uma reforma econômica nas economias mais problemáticas da zona do euro, como a Itália e a Grécia.

A decisão de ontem não reduzirá o número de bônus mantidos pelo BCE, uma vez que a instituição continuará a reinvestir títulos vencidos em novas compras. Draghi disse que os dirigentes dos bancos centrais não examinaram quando a instituição começará a conter o avanço do balanço que acumulou por todo o período de afrouxamento quantitativo, medida que tende a puxar para cima o custo do dinheiro para as empresas.

Os formuladores de política monetária continuam cautelosos sobre o momento em que os reinvestimentos deverão ser retirados. O banco confirmou ontem seu compromisso com o reinvestimento da renda apurada por "um prolongado período de tempo" após o fim do afrouxamento quantitativo e, "independentemente de outros fatores, pelo tempo que for necessário para manter condições de liquidez favoráveis e um amplo grau de acomodação monetária".

O BCE optou por extinguir o afrouxamento num momento em que o aumento dos preços do petróleo, a turbulência política e a possibilidade de uma guerra comercial ameaçam prejudicar o crescimento. Mas, ao mesmo tempo, os salários estão subindo de forma mais acelerada na zona do euro.

O BCE revisou para baixo sua previsão de crescimento para 2018, dos 2,4% projetados em março para 2,1%. Previu, no entanto, uma expansão de 1,9% para 2019 e de 1,7% para 2020. A autoridade monetária estimou que a inflação alcançará 1,7% neste ano, em 2019 e em 2020. Três meses atrás, tinha projetado uma inflação de apenas 1,4% para este ano e o ano que vem.