Título: Cliente no radar
Autor: Bancillon , Deco
Fonte: Correio Braziliense, 20/08/2012, Economia, p. 8

O governo passará a olhar mais atentamente os efeitos que aquisições e fusões entre empresas provocam na vida do consumidor. A partir de agora, além de se preocupar com a concentração excessiva de mercado, o Estado levará em conta as possíveis vantagens que essas operações podem trazer para a vida das pessoas.

Em entrevista ao Correio, o presidente da Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Vinícius Marques de Carvalho, diz que as companhias que apresentarem planos de investimento que contemplem melhoria nos serviços e no atendimento ao cliente terão mais chance de ter um processo de concentração aprovado. "A ideia é considerar os benefícios que aquela operação promete em relação ao bem-estar dos consumidores", disse.

O órgão assumiu um novo papel com a Lei nº12.529, que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Com ela, o órgão antitruste assumiu parte das funções desempenhadas por secretarias dos ministérios da Fazenda e da Justiça, ganhando o apelido de Super-Cade entre especialistas em direito antitruste. Com o upgrade nas atribuições, a autarquia deverá apertar o cerco contra condutas anticompetitivas, tendo como foco o combate a cartéis. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Novos critérios Queremos usar dados do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec) para avaliar os possíveis efeitos anticompetitivos de uma operação. Imagine que duas empresas resolvem se fundir, o que resultará numa concentração de mercado elevada. Mas elas alegam que terão ganhos de escala e, com isso, farão produtos de melhor qualidade, com preços mais baixos. As reclamações registradas pelo Sindec vão permitir que o Cade observe se essas promessas serão cumpridas. Isso não quer dizer que uma empresa que tenha muitas reclamações de consumidores não possa se fundir a outra na mesma situação. A ideia é considerar os benefícios que a operação promete em relação ao bem- estar dos consumidores. E isso pode ajudar a melhorar os índices de reclamação.

Maior rigor Num ambiente de análise prévia de fusões e aquisições, é muito complicado que o presidente da autarquia de defesa da concorrência faça juízo prévio e diga qual setor está causando preocupação. O que eu posso dizer é que estão ocorrendo atos de concentração em vários setores no Brasil. E quando isso acontece seguidas vezes, em momentos distintos, é a hora de pensarmos conjuntamente. Se você não para e vê o todo, vai aprovando uma sucessão de atos e, de repente, aquela companhia que comprou uma empresa de cada vez está com 50% ou 60% do mercado.

Desafios O Cade sempre precisou correr atrás do seu papel, enfrentar as dificuldades e garantir a implementação da política pela qual é responsável. Estávamos no limite das tarefas que podíamos cumprir com a estrutura existente. A Lei nº 12.529 é reflexo da necessidade de aprimoramento técnico da autarquia para que possamos acompanhar a dinâmica competitiva dos mercados, que muda a todo momento. Estávamos começando a tomar decisões em um tempo muito longo, e isso ia acabar gerando problemas para a economia e para a própria legitimidade do órgão.

O Super-Cade Com a estruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em junho, o Cade passou a assumir algumas funções que eram da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, e da Secretaria de Acompanhamento Econômico(Seae), do Ministério da Fazenda. Uma fazia a instrução dos processos e a outra instruía os atos de concentração. O resultado era encaminhado ao Cade e, aqui, o relator produzia um voto, que depois era julgado no tribunal. A nova lei criou a Superintendência- Geral do Cade, que absorveu essas atribuições da SDE e da Seae.

Celeridade O objetivo é gerar eficiência na análise dos atos de concentração. E permitir maior velocidade, até porque os atos de concentração aprovados pela Superintendência sem restrição não vão para o tribunal. Nos atos simples, não há a etapa de julgamento no tribunal. A decisão da Superintendência já é a decisão do Cade.

Autorregulação Se uma empresa deixa de adquirir outra porque avalia que o Cade poderá restringir a operação, eu acho que essa é uma manifestação de que o órgão funciona. Se a empresa que conhece muito bem o mercado em que atua faz uma avaliação de risco e chega à conclusão que o Cade não aprovaria a fusão, é porque, provavelmente, não aprovaria mesmo.

Interesse público Tem coisas que podem ser negativas da perspectiva do investimento privado, mas positivas do ponto de vista do interesse público. Se uma empresa que tem um processo de produção muito poluente deixa de entrar no Brasil porque imagina que terá problemas, azar o dela. É bom para o país que ela não entre. O mesmo vale para perspectiva concorrencial. Se uma empresa quer entrar no Brasil e tem uma política muito agressiva de comprar concorrentes, ela vai ter que avaliar o risco antitruste dessas operações.

Especialização Criamos cinco coordenações de análise de atos de concentração, cada uma com cinco ou seis pessoas. Então, são 30 pessoas voltadas para análise de atos de concentração. Uma coordenação de triagem separa os atos simples dos complexos. Nos simples, há um rito sumário, em que a própria triagem faz a manifestação da Superintendência. O que não se enquadra nesse rito sumário é encaminhado para as outras quatro coordenações. Isso vai dar velocidade e eficácia ao Cade. As decisões tendem a ser cada vez melhores, porque vamos ter também instruções mais robustas para serem levadas ao tribunal.