O globo, n. 31626, 11/03/2019. País, p. 4

 

Alvos definidos

Cleide Carvalho

11/03/2019

 

 

Após cinco anos, Lava-Jato mira subsidiárias da Petrobras e políticos que perderam foro

Passados cinco anos, a Lava-Jato colocou atrás das grades empresários, políticos de vários partidos e até um ex-presidente da República, além de recuperar cerca de R$ 15 bilhões. Mas a operação ainda não aprofundou as investigações de subsidiárias da Petrobras , como a BR Distribuidora, e em outras obras, como da Hidrelétrica de Belo Monte . Estes são alguns dos alvos a serem perseguidos agora.

A operação também vai se debruçar sobre o destino dos R$ 50 milhões que a Odebrecht teria colocado à disposição do PT por meio do ex-ministro Guido Mantega, na conta batizada pela empreiteira de “pós-itália”. A investigação está paralisada desde setembro, quando o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, concedeu liminar à defesa de Mantega, que pediu para que o caso fosse analisado pela Justiça Eleitoral.

Esta apuração, no entanto, depende de julgamento marcado para esta quarta-feira, quando o plenário do STF deve decidir se valores destinados a caixa 2 devem ser mesmo apurados pela Justiça Eleitoral. Caso o entendimento de Toffoli seja mantido, a Lava-Jato perde o caso Mantega e pelo menos mais uma dezena de inquéritos em andamento.

A força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba também aguarda que o STF lhe encaminhe os inquéritos de políticos apontados por delatores e que não foram reeleitos em 2018, perdendo o foro privilegiado. Muitos deles são do MDB, que detinha o comando da área internacional da Petrobras, responsável, por exemplo, pela compra da usina de Pasadena, no Texas.

Até agora, apenas executivos da estatal e um único político — Delcídio do Amaral — foram apontados como beneficiários de propina na compra de Pasadena.

Algumas investigações que devem ser retomadas acumulam informações há bastante tempo. As propinas pagas nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, foram citadas em 2016 na delação de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez. Em janeiro passado, o ex-ministro Antonio Palocci, que fechou acordo com a Polícia Federal, reforçou as informações, dizendo que atuou diretamente no acerto de R$ 135 milhões em propinas, que teria sido dividido igualmente entre PT e MDB. O tema foi alvo da 49ª fase da Lava-Jato, em março de 2018, mas não avançou.

Na última semana, ao denunciar esquema que beneficiou o Grupo Estre, a força-tarefa apontou que contratos da Transpetro renderam R$ 100 milhões em propinas a políticos do MDB entre 2003 e 2014, durante a gestão de Sérgio Machado, um dos colaboradores da operação.

Também os delatores da Odebrecht citaram políticos que perderam o foro privilegiado. Entre eles estão, por exemplo, os ex-senadores Romero Jucá, Edison Lobão e Eunício Oliveira.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, responsável pela defesa de Jucá e Lobão, afirma que não vê problema na transferência dos casos para a primeira instância. O ex-senador Eunício de Oliveira não quis se pronunciar.

— Não vejo nenhum problema. O processo deve começar em primeira instância, com o juiz natural. Tivemos o fenômeno do juiz de jurisdição nacional, com o senhor Sergio Moro, e espero que agora, passado esse momento punitivo, entre na regularidade constitucional — diz o advogado.

Nos dois primeiros meses deste ano foram deflagradas três operações e foi fechado um novo acordo de leniência, com a Rodonorte, concessionária de rodovias no Paraná que pertence ao Grupo CCR, o que abre portas para investigação de concessões de pedágio.

A expectativa do grupo de Curitiba, que lançou a Lava-Jato, é retomar os casos suspensos, muitos por incluir políticos com foro privilegiado.

— Ainda há muito a ser investigado — diz o procurador Roberson Pozzobon, um dos investigadores de Curitiba.

A prisão preventiva de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB, decretada na 60ª Fase, deflagrada em fevereiro, é vista como ponta de um novelo que pode resultar em apurações mais abrangentes. Das quatro contas que ele controlava na Suíça saíram 11 cartões de créditos e viagens que a Lava-Jato apura onde e por quem foram usados.

— A investigação de Souza está só no início — afirma Roberson Pozzobon.

Algumas frentes prioritárias

BR Distribuidora

A Lava-Jato descobriu que contratos da empresa embutiam propinas de até 10%. O modelo era o mesmo da Petrobras: pagamentos a empresas de fachada, com contratos falsos de prestação de serviços, e um operador que distribuía entre os beneficiados.

Transpetro
Em 2016, o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que virou delator, afirmou que sua permanência no cargo era garantida por políticos do MDB e que pelo menos 20 políticos foram beneficiados com pagamentos decorrentes de contratos da empresa.

Petrobras (Internacional)
Envolvimento de três partidos — PT, PMDB e PP investigado, sendo que o então PMDB teria o comando da área internacional. Falta rastrear os pagamentos que teriam sido feitos por meio de operadores como Jorge Luz e Fernando Soares, o Fernando Baiano.

‘Pós-Itália’
Em delação premiada, a Odebrecht informou ter colocado à disposição do PT R$ 50 milhões numa conta chamada “pós-itália”, uma referência ao ex-ministro Guido Mantega. O ministro Dias Toffoli concedeu liminar para encaminhar o caso à Justiça Eleitoral.

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Ministros do TCU se opõem à criação de fundação da Lava-Jato para gerir recursos

Vinicius Sassine

11/03/2019

 

 

Iniciativa, homologada pela Justiça Federal, pode ser contestada por órgão de contas; Controladoria da União tem opinião distinta e apoia a decisão

A decisão da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba de criar uma fundação privada para administrar até R$ 2,5 bilhões, dinheiro depositado pela Petrobras em cumprimento a acordos com autoridades dos Estados Unidos, é criticada por pelo menos três ministros do Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, levou a uma análise da presidência da Câmara dos Deputados sobre a legalidade do ato.

O Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, num acordo de compromissos assinado com a Petrobras, avocou para si a responsabilidade de constituir uma fundação privada com objetivo de definir o destino da quantia, resultante de penalidades aplicadas à estatal por danos aos investidores nos Estados Unidos. A gestão do dinheiro ou qualquer decisão decorrente não passariam pelo Executivo ou pelo Legislativo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem ao GLOBO que a Casa estuda se o ato é legal. Uma posição será manifestada pela Câmara até amanhã, segundo ele. — Estamos estudando ainda. Durante a semana vamos ter uma posição. Respeitando a legislação, não tem problema — afirmou Maia, por mensagem de celular.

No TCU, órgão responsável por fiscalizar a destinação de dinheiro público federal, três ministros manifestaram de forma reservada o entendimento de que os procuradores adotaram um modelo equivocado. Os ministros também discutem que iniciativas poderão ser adotadas diante do acordo, homologado pela Justiça Federal no Paraná.

A criação de uma fundação privada, a cargo do MPF, é vista como “nova” e “estranha”. Os ministros que criticam a iniciativa entendem que o dinheiro deveria voltar às suas origens, e não ser gestado por uma fundação desenhada por procuradores da República.

A Petrobras depositou os R$ 2,5 bilhões em 30 de janeiro deste ano. O acordo da estatal com 13 procuradores da Lava-Jato de Curitiba foi assinado sete dias antes.

Em sua conta no Twitter, o ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, manifestou apoio ao modelo definido pela Lava-Jato em Curitiba. E disse que tanto a CGU quanto a Advocacia-Geral da União (AGU) vão auxiliar na “construção de medidas de governança”.