O globo, n. 31626, 11/03/2019. Economia, p. 15

 

Aposta dobrada no Congresso

Eliane Oliveira

11/03/2019

 

 

Junto com Previdência, governo enviará proposta que desvincula Orçamento

Prestes a iniciar a tramitação da reforma da Previdência, considerada o projeto prioritário para equilibrar as contas públicas, o governo decidiu apresentar uma segunda proposta de emenda constitucional (PEC), que deixa nas mãos do Congresso o controle total do Orçamento. A medida, chamada informalmente de PEC do pacto federativo, desvincula e desindexa as despesas do Orçamento. A proposta de mudança começaria a tramitar no Senado, como informou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”. A decisão dobra as apostas na articulação política, pois significa colocar em tramitação os dois projetos mais relevantes da agenda econômica do governo simultaneamente no Congresso no primeiro semestre. A medida foi antecipada diante do pleito de governadores e prefeitos com finanças em frangalhos.

Atualmente, a imensa maioria dos gastos públicos é engessada, em despesas obrigatórias como pagamento de benefícios previdenciários, gastos com pessoal, abono, além dos limites mínimos constitucionais para saúde e educação. Sem esses limites, ou seja, com o fim das despesas obrigatórias e as vinculações do Orçamento, o Congresso poderia negociar livremente as prioridades de gastos, observando o limite imposto pelo teto, a regra que prevê que as despesas públicas não podem subir mais do que a inflação do ano anterior.

Ao tomar posse no cargo, Guedes se referiu à desvinculação do Orçamento como um plano B à reforma da Previdência. Desde o mês passado, porém, diante da pressão de governadores e prefeitos, o governo começou a trabalhar numa proposta para desvincular despesas do Orçamento da União, de estados e municípios. Com a mudança, os entes da União em crise fiscal poderiam ter mais fôlego para honrar compromissos.

Socorro aos Estados

De acordo coma legislação, qualquer proposta de emenda à Constituição cuja origem éo Executivo deve começara tramitar no Congresso pela Câmara dos Deputados. Nos casos em que a PEC é apresentada por um senador, porém, o processo de votação pode ser iniciado no Senado. Perguntado pelo GLOBO, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse não ver problemas na tramitação das duas propostas simultaneamente.

—Precisamos resolver logo isso, pois há muita pressão de governadores e prefeitos, que estão enfrentando séria crise financeira — disse o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).

Segundo o senador, o martelo deve ser batido até o início da sem anaque vem, quando Guedes participará de uma sessão em plenário para explicara agenda de reformas da equipe econômica. Na ocasião, será definida uma data para que o ministro visite os gabinetes de senadores.

— Depois de iniciado o debate, o governo vai decidir qual o caminho a tomar: apresentar uma PEC ou identificar um senador para apresentara proposta—disse Bezerra, que é cotado para propor o pacto federativo no Senado.

O governo pretende encaminhar o texto o mais rápido possível. Em paralelo, trabalha nos termos de um programa de socorro aos estados para alívio no curto prazo. Os governadores têm recorrido à União em busca de recursos, mas apesar da deterioração das finanças, não se enquadram nas regras do regime de recuperação fiscal, ao qual o Rio aderiu. A saída encontrada agora é oferecer financiamento com garantia da União em troca de medidas de ajuste fiscal. Nestes casos, alógica do socorro muda: primeiro o estado precisa aprovar em assembleia medidas de correção para equilibrar as contas. Com base nos ganhos estimados para estas ações, o governo calcula quanto o ente poderá receber em empréstimos.

Analistas consideram que a estratégia de ataque duplo, coma tramitação simultânea de duas PECs, ajudará na aprovação da reforma da Previdência num momento em que o governo tem dificuldades em formar uma base que garanta maioria no Congresso para votação de projetos prioritários. Ao mesmo tempo, a proposta inclui riscos, pois emendas à Constituição requerem um mínimo de 308 votos para aprovação.

—O governo não tem outra saída. Como não tem maioria sólida estável no Congresso, tem de ser superativo e dominara agenda legislativa. É uma estratégia lotar o Congresso com uma série de eventos —diz Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Segundo o cientista político Lucas Aragão, da Arko Advice, como a medida agrada a estados e municípios, poderá criar um ambiente de boa vontade política:

— Tem uma demanda imensa dos parlamentares, que não têm controle algum sobre o Orçamento. Eles conseguem mixaria em cima das emendas. E essa é uma agenda positiva que pode criar um clima de boa vontade para a votação da Previdência.

Negociação no BPC

Somente nos últimos quatro anos, segundo dados do Banco Central referentes ao fim de 2018, a dívida dos estados e dos principais municípios do país cresceu 28% e chegou a R$ 826,9 bilhões, maior valor da História.

Segundo a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann (PSL-PE), a estratégia de propor a nova PEC tem a anuência não só do Executivo, mas das presidências das duas casas.

— A apresentação da PEC [do pacto federativo] foi discutida com os presidentes do Senado e da Câmara. Falamos sobre a possibilidade de o texto ser apresentado por algum senador. São duas pautas importantes, que envolvem a economia do país como um todo. É como se fizéssemos dois gols —afirmou a líder governista.

Outro senador da base, Major Olímpio (PSL-SP), disse estar seguro de que, ao contrário da reforma daPr evidência, que envolve pontos polêmicos, não há haverá dificuldade para a aprovação da desvinculação das despesas do Orçamento. Isso porque a matéria interessa a governadores e prefeitos.

A oposição, contudo, indica que haverá obstáculos. O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSBRJ), afirmou que a estratégia do governo pode atrasar a votação da reforma da Previdência por não haver tempo hábil para a discussão dos dois tem ascoma sociedade:

— Não é uma medida simples e muito menos que facilite o debate sobre a Previdência. Se o governo imagina que a PE C funcionará como um toma lá, dá cá,t rocando votos para are formada Previdência por liberação de recursos orçamentários de estados e municípios, não vai dar certo.

Na entrevista ao “Estado de S. Paulo”, o ministro da Economia reiterou que não abre mão da economia de R $1 trilhão coma reforma da Previdência. Mas disse que é possível negociar o valor do BPC, benefício pago a idosos pobres. A proposta prevê que o governo antecipe o pagamento do benefício dos 65 anos para 60 anos, mas com valor de R $400. O idoso só passaria a receber o salário mínimo aos 70 anos. Guedes disse que o valor antecipado poderia subir para R $500 o uR $600.

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Economistas temem perda de foco na aposentadoria

Gabriel Martins

11/03/2019

 

 

Embora desvinculação seja favorável, analistas avaliam que sua tramitação pode atrapalhar aprovação da reforma no Congresso

Acabar com despesas obrigatórias no Orçamento, como sugeriu o ministro da Economia, é uma proposta bem vista por economistas. Mas analistas temem que ela possa tirar o foco da agenda que, segundo eles, deveria ser prioritária: a reforma da Previdência.

— O governo tem uma série de agendas importantes, mas precisa definir qual a prioridade. Neste momento, a principal agenda é a Previdência. Do ponto de vista da tramitação, duas discussões tão densas podem desviar o foco, que precisa estar na Previdência — ponderou Ana Carla Abrão, economista e sócia da Oliver Weyman

José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), observou que a vinculação de despesas é determinada por um processo legislativo previsto na Constituição e que mudanças nesse regime podem levar à incerteza.

—Todos esses compromissos foram assumidos com base em atos e leis aprovados pelo Congresso. O Orçamento só reflete decisões públicas. O ministro parece querer discutir essas decisões tomadas no passado — disse ele, questionando: — Eu não consigo imaginar, por exemplo, o que ocorreria no mercado financeiro se o Congresso fosse decidir se incluirá ou não dotação no Orçamento para resgatar os títulos da dívida pública que vencerão no ano seguinte.

Os economistas ponderam que ainda faltam detalhes do projeto para que se possa estimar o real impacto na economia.

—Em tese, a desvinculação total é boa porque ela permite rediscutir prioridades — afirmou Raul Velloso, especialista em contas públicas. — Entretanto, o governo precisa anunciar em quais áreas esta desvinculação vai incidir, uma vez que o Orçamento tem certo grau de rigidez.

Segundo Manoel Pires, pesquisador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, o principal problema ocorre quando o engessamento dos recursos é feito dentro dos próprios setores, como educação, segurança pública e saúde.

— Quando a verba, além de ter o carimbo do setor, tem uma segunda marcação para uma área específica, engessa ainda mais o Orçamento. Aí que está o problema — explicou. — É preciso que, dentro da educação, por exemplo, haja manobra para destinar a verba necessária para creches e ensino médio, de acordo com as necessidades do local.

Já Ana Carla Abrão entende que o “carimbo” nos recursos não é garantia de eficiência para os serviços:

—Ter recursos vinculados não garante que eles sejam bem aplicados. Mais importante do que carimbar o recurso, é fundamental gerir a verba destinada para o setor.

Ana Carla avalia que qualquer grande mudança sofrerá pressões, mas o importante, ressalta, é traçar prioridades:

—Vai haver lobby com a Previdência, com o Orçamento, com as privatizações. Toda agenda proposta sofrerá alguma pressão. Por isso, é preciso que o governo tenha prioridades bem definidas.