Título: Recado a Obama
Autor: Craveiro , Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/08/2012, Mundo, p. 14

A tão aguardada aparição — a primeira em dois meses — não seguiu o roteiro planejado. Julian Assange, o fundador do site WikiLeaks, permaneceu o tempo todo dentro da Embaixada do Equador, no bairro londrino de Knightsbridge. Havia a expectativa de que ele saísse do prédio. De uma sacada e diante da bandeira equatoriana, o hacker australiano surgiu com uma camisa azul riscada e gravata marrom, em meio a um longo aplauso. Diante de cerca de 400 simpatizantes, 200 policiais da Scotland Yard e 100 jornalistas, o homem que causou assombro no mundo, ao vazar dados secretos das grandes potências, fez um discurso contundente de 10 minutos e chegou a citar o presidente americano, Barack Obama.

"Eu peço ao presidente Obama que faça a coisa certa. Os Estados Unidos devem renunciar sua caça às bruxas contra o WikiLeaks. Os EUA devem dissolver a investigação do FBI (a polícia federal do país)", declarou Assange, às 14h de ontem (10h em Brasília). Ele agradeceu ao líder do Equador, Rafael Correa, pela "coragem", e ao seu ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño, por defender a Constituição. E classificou o povo equatoriano de "valente".

Assange se referiu ao apoio obtido dos governos da América Latina e não excluiu o Brasil de sua lista de agradecimentos. No fim da tarde, os chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), reunidos em Guayaquil, pediram o diálogo para pôr fim à crise entre o Equador e o Reino Unido e apoiaram Quito ante o perigo de uma invasão à embaixada. Na declaração final, o bloco manifesta solidariedade ao governo do Equador ante o risco de "violação de sua missão diplomática", reitera o direito soberano dos Estados de conceder asilo e condena a ameaça do uso de força entre os países.

O editor-chefe do WikiLeaks elogiou o soldado americano Bradley Manning, acusado pelos EUA de ter fornecido dados confidenciais ao site. "Se Manning realmente cometeu o crime do qual é acusado, ele é um herói, um exemplo para todos nós. (...) Deve ser libertado", cobrou. Na última quarta-feira, o militar completou 815 dias de detenção sem julgamento. "O prazo máximo legal (de prisão) é de 120 dias", acrescentou. Assim que encerrou seu pronunciamento, Assange fez o sinal da vitória.

A ativista australiana Susan Gianstefani esteve na Embaixada do Equador e relatou ter presenciado um momento "histórico". "Foi inspirador. Julian falou da necessidade de os EUA retornarem às suas raízes da liberdade de expressão. Se não o fizerem, lembrou que isso pode arrastar o Ocidente para o precipício. É a ideia de que o grande poder exige responsabilidade", admitiu ao Correio, em entrevista pela internet. De acordo com ela, no começo do discurso, alguns simpatizantes de Assange proferiram palavrões contra a polícia. "Mas a atmosfera, no geral, foi positiva", destacou. Susan crê que o hacker enfrenta um grave perigo. "As pessoas estão despertando. A verdade está se revelando, em meio a uma escalada de confrontação com as autoridades", opinou.

Advogados

O ex-juiz espanhol Baltasar Garzón — um dos advogados de Assange — garantiu que seu cliente exibe um espírito combativo e cobrou uma decisão formal de Londres sobre o salvo-conduto. "Para obtê-lo, a primeira coisa que precisa ocorrer é uma resposta formal por parte do governo britânico. Estamos esperando que isso ocorra, e o passo seguinte tem que ser do governo equatoriano", declarou. Antes da aparição na sacada, Garzón foi fotografado dentro da embaixada, durante uma reunião com Assange, e desmentiu a iminência de uma solução negociada para o conflito diplomático e político. "Não existe negociação, que eu saiba", disse. Havia o boato de que o fundador do WikiLeaks seria enviado à Suécia, onde é investigado pelo crime de agressão sexual, com a condição de que não fosse extraditado aos EUA.

Por sua vez, Michael Ratner, o defensor do "ciberguerreiro" nos EUA, disse à reportagem que Assange demoliu a imagem negativa que ele tinha entre os britânicos. Mas alertou que Washington não retrocederá sem uma "imensa pressão". Para o advogado, o apoio da América Latina pode fazer a diferença. "A Unasul é muito importante e o diálogo deve ajudar. Seja para convencer o Reino Unido da necessidade de permitir o livre trânsito do meu cliente, seja para que as autoridades suecas o interroguem em Londres."

"Os Estados Unidos devem renunciar sua caça às bruxas contra o WikiLeaks"

"Há unidade na opressão. Deve haver unidade absoluta e determinação na resposta"

Entrevista CHRISTINE ANN ASSANGE

Christine exibe a foto de Julian quando criança

"Vocês estão se envergonhando perante os olhos do país e do mundo." O recado teve como destinatário o governo do Reino Unido. De sua casa em Brisbane, no leste da Austrália, Christine Ann Assange, 61 anos, sabe que o filho Julian Assange corre um sério risco de ser extraditado para os Estados Unidos. Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, ela agradeceu ao governo do Equador pela concessão de asilo diplomático ao fundador do site WikiLeaks e não economizou críticas ao Reino Unido, aos EUA, à Suécia e até mesmo a seu país natal. Christine denuncia que seu filho é, hoje, um preso político sem sequer ter sido julgado. De acordo com ela, Julian Assange foi acusado de agressão sexual pelas autoridades suecas enquanto divulgava documentos secretos americanos. "Por dois anos, ele se ofereceu para ser interrogado, a fim de limpar seu nome", contou. Em meio à polêmica, ela faz questão de elogiar o trabalho do filho. "Ele está fazendo o que qualquer organização deveria fazer: proteger os cidadãos de seu próprio governo", desabafou.

A senhora teme que seu filho seja extraditado para os EUA, mesmo depois da concessão de asilo por parte do Equador? Eu estou muito grata ao Equador por ter dado asilo ao meu filho. O Equador tem mostrado que pode ser um líder em direitos humanos. Ele tem sido um líder no mundo, ao se levantar pelos direitos humanos, encorajando outros países. Estou preocupada com o fato de que os Estados Unidos, a Suécia, a Austrália e o Reino Unido continuarão violando os direitos legais e humanitários com suas leis domésticas. Eles não têm respeito pelo direito internacional e pela soberania de outro país ou pelos direitos humanos internacionais.

Os Estados Unidos estariam determinados a condenar Julian Assange à prisão perpétua ou à pena de morte? A extradição seria uma desculpa para puni-lo pela divulgação de dados secretos? Absolutamente. Eles estão fazendo o mesmo que fizeram a Bradley Manning. Eles o mantiveram preso por dois anos. Bradley foi colocado na solitária. Também impuseram medidas administrativas contra seu psiquiatra. O relator da ONU sobre tortura condenou os EUA pelo tratamento desumano e cruel dispensado a Bradley Manning. Muitos parlamentares ao redor do mundo, incluindo alguns britânicos, expressaram preocupação com os interrogatórios de Manning ou do meu filho. Os Estados Unidos são um dos países que têm matado seus cidadãos. Os americanos já fizeram vários apelos para executarem meu filho, incluindo políticos e analistas. Nas últimas semanas, um dos comentaristas políticos defendeu a execução de Assange. O presidente Obama disse que fecharia a base naval de Guantánamo. Mas, em vez de fechar a instalação, ele gasta US$ 20 milhões na modernização de equipamentos infravermelhos. Eu conversei com o australiano David Hicks. Ele ficou detido por seis anos em Guantánamo e me contou que o torturaram. Ele foi trancado num contêiner, em confinamento solitário. Por seis anos, ele não teve ar condicionado ou aquecedor. Em dezenas de e-mails enviados a Julian — divulgados pelo WikiLeaks —, Hicks explicou os tipos de tortura que sofreu, incluindo o waterboarding (afogamento).

Seu filho pode ser considerado um preso político, apesar de ainda não ter sido julgado? Com certeza. Julian viu três acusações surgirem enquanto ele divulgava documentos americanos. A mulher (suposta vítima) admitiu que quando a polícia leria as acusações contra Julian, ela se recusou a prosseguir com o interrogatório e produzir falsas evidências. Por dois anos, Julian se ofereceu para ser interrogado, a fim de limpar seu nome. Ele retornou à Suécia e se dispôs a ser inquirido pelos chamados assistentes legais mútuos. Ele também se ofereceu para ser interrogado pela Scotland Yard. Apesar de um esforço europeu para interrogá-lo, os promotores britânicos se recusaram a fazê-lo. Eu perguntei ao meu filho o que estava acontecendo. Ele me respondeu: "É simples. Se os promotores britânicos me interrogarem, eles terão que me processar ou abandonar o caso. Eles querem me acusar na Suécia porque, antes de me interrogarem, eu seria colocado na cadeia indefinidamente e ficaria incomunicável com meus advogados. Na prisão, me obrigariam a assinar um documento em branco, que aceleraria minha extradição aos EUA".

A senhora tem falado com Julian com frequência? Como ele lhe parece, sob o ponto de vista emocional? Ele está se segurando bem, é uma pessoa muito forte. O fato de o Equador estar tratando-o tão bem na embaixada faz com que ele sinta-se apoiado por um governo. Ele se mantém corajoso e desejoso de lutar pela liberdade. Julian se mantém firme com a verdade. Ele sabe que o WikiLeaks tem bravamente publicado a verdade sobre a corrupção no mundo. Ele sente fazer um serviço para a população mundial.

Como a senhora vê o trabalho dele frente ao WikiLeaks? Alguma vez imaginou que ele pudesse enfrentar uma situação como essa? Eu não esperava que Julian se tornasse um jornalista, mas um acadêmico. Julian tem demonstrado uma ardente curiosidade pela verdade, durante toda sua vida. Seja observando os insetos ou as estrelas. Em seu trabalho como editor-chefe do WikiLeaks, ele criou um meio de operacionalização para publicar a verdade, por meio de documentos. Ele utilizou o jornalismo, envolvido em comentários políticos e baseado em fatos. Muitas organizações viram no WikiLeaks uma entidade de política paralela. Milhões de pessoas reconheceram isso e o apoiam. No entanto, os governos envolvidos em atos errados estão ameaçando a verdade. Eu sei que o povo da América Latina apoia bastante o WikiLeaks, por ele ter revelado ao mundo a exploração de seus países pelas embaixadas dos Estados Unidos. O trabalho de Julian é responsável. Ele tem exposto a corrupção, os crimes de guerra, os roubos, os sequestros e a tortura. Ele está fazendo o que qualquer organização deveria fazer: proteger os cidadãos de seu próprio governo. Não contente com isso, o governo australiano passou uma legislação que autoriza as forças de segurança do país e dos EUA a espionarem cidadãos da Austrália que derem suporte ao WikiLeaks. Há um projeto de lei no Parlamento que permitirá a coleta de comunicações de cada cidadão da Austrália.

O que diria às autoridades britânicas? Eu diria às autoridades britânicas: "Não fiquem de joelhos. Levantem-se. Vocês estão se envergonhando perante os olhos do país e do mundo". As evidências são de que parte do governo não está feliz com o modo como está lidando com isso. O Reino Unido não se levanta mais pela democracia e pelos direitos humanos. Está se tornando um espelho dos Estados Unidos. Julian é um homem inocente, que não foi acusado nem interrogado. O governo britânico deveria abandonar esse caso ridículo de extradição. (RC)