Valor econômico, v. 18, n. 4518, 06/06/2018. Brasil, p. A4
Fazenda se opõe a uso de cessão onerosa para acomodar preços
Fabio Graner
Carla Araújo
Marcelo Ribeiro
Rafael Bitencourt
06/06/2018
Márcio Félix: "Algo de bom precisa ficar para o país depois desse movimento"
A ideia de usar recursos da cessão onerosa para bancar uma política de amortecimento de preços dos combustíveis está sendo duramente bombardeada pela área econômica do governo e já se tornou difícil encontrar quem a patrocine também na área política. Ontem pela manhã, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que não estava previsto tal uso dos recursos, até porque não haveria espaço no teto de gastos para isso, tese reforçada por outras fontes da área econômica nos bastidores. Interlocutores do Palácio do Planalto também apontam que a ideia sequer teria sido levada ao presidente Michel Temer e que o assunto não está sendo tratado.
"A cessão onerosa pressupõe acordo com a Petrobras. Estamos buscando esse entendimento para as regras do leilão de excedente. O recurso da cessão onerosa não elimina a restrição orçamentária dada pelo teto de gastos. Então, não podemos fazer nada com esse recurso que vá além do que já está definido dentro do teto de despesas. Não é recurso que permite criar coisas novas porque tem que respeitar a restrição fiscal e sobretudo a imposta pelo teto de gastos", disse Guardia, após participar de evento no Tribunal de Contas da União (TCU).
Segundo ele, o governo está fazendo esforço para equacionar a disputa com a Petrobras em torno da reavaliação dos 5 bilhões de barris concedidos à empresa porque isso vai viabilizar leilões e permitir que haja arrecadação extra para o governo federal e, principalmente, volumes elevados de investimentos no setor de petróleo, beneficiando a economia e, por consequência, a arrecadação e as contas públicas.
Ele ressaltou que o governo não está discutindo nenhum programa novo de subsídio à gasolina, e reforçou que não há espaço fiscal para isso. Sobre o debate em torno de um tributo para amortecer flutuações de preço de combustíveis, Guardia disse ser preciso analisar à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Uma fonte do Palácio do Planalto destacou que o tema da cessão onerosa vem sendo discutido no âmbito da necessidade de fortalecer a Petrobras e viabilizar o leilão, sem vinculação com a questão de preços dos combustíveis, tema, aliás, que o governo quer tentar esfriar por conta de sua repercussão negativa nas ações da estatal. As discussões de uma solução para o excesso de volatilidade continuam, mas Temer estabeleceu dois critérios para qualquer decisão: não causar prejuízos à Petrobras e não colocar mais peso no sobrecarregado Tesouro Nacional.
Temer aproveitou evento sobre a Política Nacional de Biocombustíveis para destacar o objetivo de evitar a exposição à oscilações de mercados. "O Brasil estará menos exposto, e essa frase é importante, à variação internacional do preço do petróleo e às flutuações cambiais. Portanto, quem sabe, num futuro não distante, muito próximo, consigamos evitar acontecimentos como este que se verificou na semana passada."
Ao Valor, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, descartou que o governo vá recorrer aos recursos provenientes do leilão do pré-sal para compensar a Petrobras e evitar os reajustes diários nos preços da gasolina. Ele classificou a alternativa, que na imprensa chegou a ser apontada como sendo patrocinada pelo MME, como "fake news" e "equivocada".
Os recursos obtidos com o eventual leilão dos excedentes da cessão onerosa podem gerar cerca de R$ 100 bilhões aos cofres federais.
A possibilidade de uso de parte desses recursos para subsidiar combustíveis também provocou reação contrária do secretário-executivo do MME, Márcio Félix. "Não tem sentido a gente fazer isso. Não se pode pegar uma riqueza dessa magnitude, especialmente, e usar para resolver uma única questão [preços do combustíveis], já que o Brasil é um país que tem tantas outras áreas prioritárias para atender", disse ao Valor.
Segundo ele, a exploração do excedente da cessão onerosa movimentará cerca de R$ 1 trilhão entre 30 e 40 anos. Ele explicou que essa estimativa considera o ganho decorrente da venda do petróleo, sem descontar investimento e custo de operação. "Algo de bom precisa ficar para o país depois que todo esse movimento vier a acontecer", disse.
Para Félix, ao destinar um volume importante de recursos para subsidiar o preço final do combustível, o Brasil estaria sujeito aos mesmos erros cometidos pela Venezuela em sua estratégia de exploração de grandes reservas.
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Valor do diesel na bomba cai, mas aquém de R$ 0,46
André Ramalho
Fernando Torres
06/06/2018
Os preços do diesel começaram a cair para o consumidor final, nos últimos dias, embora ainda não tenham chegado aos patamares prometidos pelo governo federal, de corte de R$ 0,46 por litro. Levantamento da empresa de pesquisa de mercado Triad Research em 2,3 mil postos, mostra que os preços do litro vendido nas bombas, ontem, já estavam R$ 0,39 mais baratos por litro que os registrados em 21 de maio, quando começou a greve dos caminhoneiros.
Segundo a pesquisa, o litro do diesel era vendido, ontem, em média, a R$ 3,48. O Estado onde foi verificada a maior queda foi a Bahia (- R$ 0,483), seguida do Amazonas (- R$ 4,55) e Mato Grosso (- R$ 0,451). Entre os principais mercados consumidores, a queda foi de R$ 0,402 em Minas Gerais, de R$ 0,393 em São Paulo e de R$ 0,359 no Paraná. No Rio, os preços estão, em média, R$ 0,345 mais baixos.
Já os Estados onde os preços menos recuaram foram Pará (- R$ 0,193) e Pernambuco (-R$ 0,195). Os dados da Triad, atualizados às 17h de ontem, não contemplavam o Acre, Amapá e Roraima.
Em meio à pressão do governo federal para que o mercado repasse os descontos anunciados, distribuidoras e postos alegam que os Estados também precisam colaborar, reduzindo os preços de referência para cálculo do ICMS - o que permitiria o repasse integral dos R$ 0,46 prometidos pelo presidente Michel Temer, durante as negociações para encerramento da paralisação dos caminhoneiros.
O presidente da Plural, associação que representa as três principais distribuidoras do país (BR, Ipiranga e Raízen), Leonardo Gadotti, garante que suas associadas já repassaram os descontos para os postos. E contestou as declarações do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, de que o governo usará "todo o poder de polícia" para garantir que o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel chegue às bombas.
"A Venezuela começou assim [com o discurso de uso do poder de polícia sobre os preços no mercado]", afirmou.
Gadotti alega que, ao anunciar que os preços do diesel baixarão R$ 0,46 imediatamente nas bombas, o governo não tem sido "coerente" com a lógica do mercado de combustíveis e coloca a população contra um "negócio enorme que é a cadeia de distribuição".
Ele argumenta que o patamar de desconto de R$ 0,46 só será possível se cada Estado reduzir o preço de referência usado como base para cálculo do ICMS e atualizado a cada 15 dias. Sem o "esforço estadual", diz Gadotti, só será possível reduzir em R$ 0,41 os preços do diesel na bomba, porque o desconto anunciado por Temer não leva em consideração os custos do biodiesel misturado no diesel.
O movimento de alguns Estados, contudo, tem sido na direção contrária. Acre, Alagoas, Amazonas, Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins estão arrecadando mais ICMS por litro de diesel nesta primeira quinzena de junho do que recolheram entre 16 e 31 de maio, o que dificulta que o desconto de R$ 0,46 por litro chegue na ponta para o consumidor.
O aumento se explica, em parte, porque os preços de referência - que têm como base o valor médio praticado nas bombas - foram contaminados pela escassez de combustível nos postos durante a greve dos caminhoneiros.
Já São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo reduziram os preços de referência sobre o qual aplicarão as alíquotas de ICMS já na primeira quinzena de junho, o que contribui com o repasse do desconto para o preço da bomba nessas localidades.
Paulo Miranda, presidente da Fecombustíveis, entidade que representa os postos, alega que, além da questão do ICMS, a redução nos preços não atingiu os R$ 0,46 nos postos porque algumas distribuidoras regionais ainda têm praticado descontos menores, alegando que seus estoques estão altos e foram formados com cargas anteriores à redução dos preços.
A Brasilcom, associação que reúne 43 distribuidoras, esclarece que as empresas estão empenhadas no cumprimento da medida de adequação dos preços, "mesmo sem uma política clara a respeito do prejuízo sofrido em seus estoques e de uma forma de ressarcimento a exemplo do que foi proposto à Petrobras".