Valor econômico, v. 18, n. 4518, 06/06/2018. Brasil, p. A5

 

Homicídio tem recorde e atinge a marca de 30 por 100 mil habitantes

Bruno Villas Bôas

06/06/2018

 

 

A crise nas políticas contra a violência ganha contornos cada vez mais trágicos. O número de assassinatos bateu recorde no Brasil em 2016: 62.517, o que corresponde a 30,3 homicídios a cada 100 mil habitantes. Essa marca histórica significa que sete pessoas foram assassinadas a cada hora. Jovens e negros continuam as principais vítimas, característica que ficou ainda mais marcada no país.

De acordo com o Atlas da Violência 2018, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país perdeu 298.478 jovens (de 15 a 29 anos) vítimas de homicídio em uma década (de 2007 a 2016). São quatro estádios do Morumbi em dia de lotação máxima. Foram 33.590 jovens vítimas da violência somente em 2016, alta de 7,4%.

Segundo Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o recrudescimento dos assassinatos pode estar relacionado, além do que ela chamou de "falência de políticas públicas para a segurança", também ao aumento da pobreza e desigualdade no país em 2016, ano de crise econômica. Ela também menciona a crise fiscal enfrentada por Estados como o Rio de Janeiro, que atrasou salários a policiais.

"Houve por muito tempo uma aposta de que os problemas da violência seriam reduzidos com o crescimento econômico e a redução da desigualdade, além da queda do analfabetismo. O que estamos vendo agora é o crescimento dos indicadores de violência contra negros, mulheres, jovens", disse Samira, que aponta para a ausência de políticas públicas de segurança especialmente na esfera federal.

A probabilidade de a vítima ser negra também é cada vez maior. Os assassinatos na última década cresceram 23% na população negra (cor preta ou parda), ao passo que caíram 6,8% na população de não negros (brancos, amarelos e indígenas). A taxa de homicídios de negros em 2016 foi duas vezes e meia superior à de não negros (40,2%, frente a 16%). Se for uma mulher negra, então, a taxa é 71% superior à de mulheres não negras.

Para Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea, existem dois "Brasis" distintos: um para negros e outro para não negros. "Se um garoto branco for morto numa área nobre da cidade, o crime certamente será elucidado pela polícia. Se for um garoto negro, da periferia, a sociedade vai dar o veredito: era bandido, e bandido bom, é bandido morto", afirma o pesquisador do Ipea, referindo-se a um discurso corrente em determinados setores da sociedade a respeito da violência que atinge essa população.

Apesar de números ruins espalhados por todo o país, o quadro é especialmente grave no Nordeste. Das dez unidades da federação com piores indicadores de assassinatos em geral, seis ficam na região. O Rio Grande do Norte continua com as estatísticas mais alarmantes: a taxa de homicídios local subiu 257,9% entre 2006 e 2016, chegando a 53,4 por 100 mil habitantes.

São Paulo apareceu, pelo segundo ano consecutivo, como o Estado com a menor taxa de homicídio do país. De acordo com o levantamento, teve 10,9 assassinatos por 100 mil habitantes em 2016, uma redução de 11% na comparação com o indicador do ano anterior. Logo atrás no ranking aparecem Santa Catarina (14,2 por 100 mil) e o Piauí (21,8 por 100 mil).

Segundo os pesquisadores, a redução da taxa de homicídios em São Paulo ocorre de forma consistente desde 2000. Suas razões não seriam ainda inteiramente compreendidas, mas envolveriam fatores desde políticas sobre o controle responsável das armas de fogo, melhorias no sistema de informações criminais a até um "controle do uso da violência letal" pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

Segundo Cerqueira, do Ipea, países que conseguiram reduzir seus indicadores de criminalidade adotaram um "coquetel" de ações efetivas por parte das autoridades nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Para ele, é necessário conciliar técnicas de gestão de segurança pública e policiamento mais inteligente, em vez de repressivo.

"Os modelos mais efetivos de polícia no mundo seguem o policiamento orientado pela inteligência e informação, dando orientação sobre quais ações precisam ser feitas. Claro que também é preciso de educação e prevenção", disse o pesquisador do Ipea, um dos autores do Atlas da Violência de 2018.