Título: Salários são só o início
Autor: Abramo , Cláudio Weber
Fonte: Correio Braziliense, 16/08/2012, Opinião, p. 33

A divulgação dos salários de funcionários públicos na internet tem provocado reações contrárias de entidades representativas de servidores. Alegam tais entidades que a divulgação violaria a privacidade dos servidores e, além disso, colocaria em risco a sua segurança.

Nada disso se sustenta. Em primeiro lugar, funcionários públicos não gozam dos mesmos direitos relativos à privacidade que cidadãos privados. Não apenas salários, mas outras informações a respeito da vida funcional dizem respeito ao seu papel como servidores do público, ou seja, empregados dos cidadãos. Não faz sentido que eles pretendam esconder de quem lhes paga o salário qualquer informação relativa ao seu desempenho.

Quanto ao argumento da segurança, é pueril, uma vez que a atenção de criminosos não é despertada por listas, mas pelos hábitos de vida de seus alvos: o tipo de comércio que frequentam, automóveis que dirigem, as casas em que vivem. Outro aspecto notável na questão diz respeito ao papel desempenhado pelas entidades de servidores que têm tentado contestar judicialmente a divulgação de salários.

Ao se comportarem dessa forma, muito ao contrário de defender os interesses dos representados, essas organizações o traem. Afinal, a exibição de diferenças salariais marcantes entre funcionários que exercem atividades semelhantes e tenham percorrido carreiras parecidas serve, entre outras coisas, para evidenciar favorecimentos indevidos. Por que uma entidade representativa resistiria a isso? Essa é uma pergunta que os servidores públicos deveriam fazer aos dirigentes de suas entidades de representação.

Seja como for, a divulgação de salários corresponde apenas ao primeiro item de uma lista muito maior de informações sobre servidores públicos que os cidadãos que lhes pagam os salários têm o direito de conhecer. Essa lista inclui o desempenho profissional.

Tomem-se os integrantes do Ministério Público. Embora o MP brasileiro seja único no mundo no que tange a variedade de funções (%u201Ctutelas%u201D, como quer o vocabulário da área), a principal delas é mover processos judiciais contra quem age contra o interesse público.

Qual é a eficiência do Ministério Público no desempenho dessa tarefa? Ninguém sabe responder porque não há estatísticas sistemáticas a respeito produzidas por essa instituição. Há iniciativas isoladas em certos MPs estaduais, mas são precárias.

Como pagadores dos salários dos promotores e procuradores, os cidadãos brasileiros têm o direito de conhecer, para cada indivíduo que exerce essas funções, números básicos a respeito de: quantos processos cada um move, quantos desses processos são recebidos (aceitos) pela Justiça, quantos resistem a recursos apresentados à segunda instância.

De posse de tais números, seria possível obter imagem bastante precisa de quem, nos vários MPs, deveria ser recompensado por promoções e quem deveria ser demitido por incompetência. Perguntas em tudo semelhantes podem ser feitas em relação a qualquer carreira.

Considerem-se fiscais e auditores, por exemplo. Quantas diligências fazem, quais montantes são envolvidos, qual é o total de multas aplicadas, quanto desse total resiste a recursos administativos ou judiciais?

A exibição desse tipo de dado associado a cada fiscal permitiria classificá-lo conforme sua competência profissional, o que é fundamental para justificar a própria existência profissional. De quebra, desvendar tais informações decerto levaria a interessantes conclusões sobre indícios de corrupção no comportamento de alguns desses agentes públicos.

O que justifica, e no final das contas autoriza, a divulgação de informações sobre agentes públicos é sempre o mesmo argumento: a própria justificativa de sua existência como servidores públicos é servir ao público. Seria absurdo, e mesmo grotesco, que se negasse ao público o direito de conhecer qualquer detalhe da atuação de quem existe para servi-lo.