O globo, n. 31312, 30/04/2019. Opinião, p. 2
Não se governa um país com base em preconceitos
30/04/2019
O governo Bolsonaro está no meio de um conflito de grupos que disputam espaço no Planalto, o que não é uma novidade no país. Mesmo em governos da ditadura militar houve fissuras, como a clássica, que acompanha a História do Brasil, entre “desenvolvimentistas” (Rui Barbosa, Reis Velloso, Severo Gomes) e “estabilizadores” (Joaquim Murtinho, Eugênio Gudin, Simonsen).
Mas não há registro, ao menos em passado recente, de choques em que filhos do presidente se envolvem a ponto de criticarem o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão. O novo alvo é o ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Carlos, Eduardo e Flávio são vereador, deputado federal e senador. Têm alguma institucionalidade, mas não podem se esquecer de que são filhos do presidente.
Este núcleo familiar e seus aliados, como o ideólogo Olavo de Carvalho, fazem indicações de radicais de direita para postos-chave, como o ministro da Educação e das Relações Exteriores, que terminam condicionando de forma negativa políticas estratégicas de governo.
Na campanha, o presidente expôs traços fortes de conservadorismo, o que deve ter atraído parte dos eleitores. Não todos. Mas afloram, e cada vez mais, preconceitos, compreensíveis em qualquer pessoa, mas preocupantes quando ameaçam se transformar em práticas do governo de um país com mais de 200 milhões de habitantes, diversificado e urbano.
A interferência pessoal do presidente no veto a um filme de propaganda do Banco do Brasil que simbolizava a diversidade na juventude —brancos, negros, homossexuais, héteros, cabelos compridos, coloridos etc. — entrou em uma zona perigosa.
Depois, em boa hora, foi alertado de que a Lei das Estatais impede a interferência do governante de turno em decisões de empresas públicas de economia mista. Caso do Banco do Brasil, com ações em bolsa, inclusive no exterior. Não havia outro jeito a não ser o recuo de Bolsonaro.
Mas mandou o recado: auxiliar seu precisa agir da forma como ele pensa. Por suposto, mas não quando vai contra a lei. Surge mais um foco de tensões no governo, que deveria não criar ruídos adicionais aos que existem, e aumentarão, com a reforma da Previdência. Outro ataque ao bom senso, também relacionado a este círculo de radicais em que estão os filhos de Bolsonaro, é o anúncio feito pelo próprio presidente, na presença do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que serão revistos os gastos em cursos de Sociologia e de outros de ciências humanas e sociais, incluindo Filosofia. A prioridade serão áreas do conhecimento que gerem “renda para a pessoa e bem-estar para a família”.
Mais um show de preconceitos e de desconhecimento. Por exemplo, da necessidade da abordagem interdisciplinar da sociedade. Grande empresas não prescindem de ferramentas da psicologia e sociologia para entender sua clientela. As ciências ditas “exatas” não explicam tudo para todos, inclusive os governos.