O globo, n. 31312, 30/04/2019. Sociedade, p. 23

 

Avanço da chicungunha

Ana Paula Blower

Renato Grandelle

30/04/2019

 

 

Rio tem 16 mil casos da doença nos primeiros quatro meses do ano

Dulce Veloso, de 63 anos, convive há um mês com dores frequentes nas articulações. Precisa de ajuda para atividades triviais, como servir um refrigerante e cortar a carne durante a refeição. Não faz mais tarefas domésticas. Deixou de praticar ginástica e pilates. A aposentada é vítima de chicungunha, doença que teve 15.998 casos registrados entre o início do ano e 24 de abril, apenas no estado do Rio. No mesmo período de 2018, foram 14.768, um aumento de 8,3%, segundo a superintendência estadual de Vigilância Epidemiológica e Ambiental.

— Fui ao hospital no final de março porque tive muitos inchaços e coceira — lembra Dulce. — O exame de sangue constatou alteração no número de leucócitos e plaquetas. Era diagnóstico de chicungunha. Fui internada por quatro dias. A dor é desesperadora. Subir uma escada parece escalar uma montanha.

Dulce conhece “umas cinco pessoas” que tiveram chicungunha, e sabe que algumas sentem dores por até dois anos. É a consequência de uma doença que ainda não tem remédio, agravada pela proliferação descontrolada de seu vetor, o mosquito Aedes aeg ypti.

—Até 70% das pessoas picadas pelo mosquito infectado desenvolvem sintomas — alerta Marzia Puccioni Sohler, professora da Unirio e do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas Parasitárias da UFRJ. — São manifestações clínicas, muitas vezes incapacitantes, como dores articulares e complicações neurológicas. Cada paciente responderá de uma forma a anti-inflamatórios. Também é recomendável fazer exercícios especializados de fisioterapia.

Na primeira semana, segundo Marzia Sohler, as dores são agudas; a partir do terceiro mês, já entraram na fase crônica. Desde outubro, elas fazem parte do cotidiano da jornalista e designer Fabíola Sposito, de 36 anos.

—O mais difícil é não saber quando estarei doente. Tem dias em que estou ótima, e em outros estou morrendo de dor de novo. Alguma coisa pode desencadear uma crise, e o paciente não sabe quanto tempo ela pode durar — conta. — Ainda há muita desinformação, os próprios médicos estão entendendo como cuidar dos pacientes. Já tentei alguns remédios e mudei minha dieta para melhorar a reação contra as inflamações. Cortei glúten e lactose e estou comendo mais temperos e ervas.

Marzia Sohler assinala que a chicungunha é marcada pela subnotificação, já que os primeiros sintomas, como febre aguda, dores articulares e manchas no corpo, não são específicos — podem ocorrer na dengue e em outras infecções. Assim, é provável que o diagnóstico seja “confundido” com o de outra enfermidade.

— É preciso fazer a coleta de sangue e entregar o material para um centro de referência, que confirmará o diagnóstico. No entanto, nem sempre esse sistema está disponível — lamenta Marzia Sohler.

O número de casos aumentou, mas o de óbitos diminuiu. Em 2019, duas pessoas morreram no estado em decorrência da doença até 24 de abril. No mesmo período, foram oito mortes no ano passado.

Coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio reforça que outros óbitos podem não ter sido computados devido ao erro no diagnóstico. Os números, de acordo com ele, podem aumentar nos próximos balanços.

'Confusão' com óbitos

Ao contrário da dengue, por exemplo, as mortes por chicungunha podem não estar relacionadas diretamente à doença. Na verdade, costumam ocorrer algumas semanas depois do quadro inicial, e por isso seriam registradas como provocadas por outra causa.

— O que já está relativamente sedimentado no conhecimento científico é a capacidade da chicungunha de desequilibrar o quadro referente a uma outra doença que o paciente já tinha, como diabetes ou hipertensão — explica Venâncio. — Então, muitas vezes a morte não é associada à chicungunha, e sim como uma consequência da outra enfermidade.

Para diminuir os casos da doença, é preciso combater o mosquito, que se procria no ambiente doméstico e peridoméstico, aqueles periféricos à residência, como um quintal ou terreno baldio.

Diante disso, especialistas apontam que cabe ao cidadão fazer a sua parte, assim como o poder público, que deve garantir o fornecimento de água para consumo doméstico de forma regular e contínua para evitar o armazenamento inadequado, garantir a coleta do lixo e manter atividades de controle do vetor em todas as áreas.

O Aedes aegypti também se beneficiou das temperaturas mais altas e da maior pluviosidade do início deste ano, em relação a 2018.

— Chove muito em março, e isso acentua a necessidade de um controle de saúde pública —conta Marzia Sohler.