O globo, n. 31311, 29/04/2019. País, p. 4

 

O novo alvo

Jussara Soares

29/04/2019

 

 

Ala ideológica do Planalto tenta diminuir poderes de Santos Cruz

O episódio envolvendo a campanha publicitária do Banco do Brasil aumentou a pressão sobre o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz , da Secretaria de Governo (Segov), alvo de críticas da ala ideológica do Palácio do Planalto. Na última sexta-feira, o ministro irritou o grupo ao dizer que a Secretaria de Comunicação (Secom), subordinada a ele, errou ao enviar e-mail determinando que as propagandas mercadológicas das estatais sejam aprovadas pelo governo, contrariando legislação vigente.

A nova disputa que se desenha no Planalto ocorre após Bolsonaro ordenar que um comercial do BB fosse retirado do ar. A propaganda, que explora o tema da diversidade, era estrelada por atores e atrizes brancos e negros, jovens tatuados usando anéis e cabelos compridos. O presidente Bolsonaro afirmou, mesmo após Santos Cruz dizer que intervenções eram indevidas, que não quer “dinheiro público usado dessa maneira” e argumentou que “a massa quer respeito à família.”

Para auxiliares do presidente que disputam o poder de influência no governo com os militares, Santos Cruz se intromete em muitas áreas do Executivo e não se alinha às pautas mais conservadoras, bandeiras de campanha de Bolsonaro.

Embora a disputa entre essas duas alas seja equilibrada, também passou a pesar contra o ministro o fato de ser o mais alinhado ao vice-presidente Hamilton Mourão. Durante a crise envolvendo o vereador do Rio Carlos Bolsonaro e Mourão, na última semana, ele teria saído em defesa do vice e buscado conciliação.

O grupo, do qual o filho do presidente faz parte, já pede abertamente para que Bolsonaro diminua o poder de Santos Cruz, que já vinha sendo considerado tão influente quanto o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Uma manobra proposta pela ala ligada ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho defende a redistribuição de atribuições que atualmente estão na Secretaria de Governo, como o Programa de Parceria de Investimento (PPI) e a Secom, área de interesse particular de Carlos Bolsonaro.

Foi cogitado inclusive que a Comunicação, incluindo o relacionamento com a imprensa e o departamento responsável pelas propagandas institucionais, ficasse ligada diretamente à Presidência. Entretanto, assessores de Bolsonaro o alertaram que não era sensato ter uma execução orçamentária tão próxima dele.

Não é a primeira vez que o destino da Secom é alvo de disputa no governo. Ainda na transição, a área foi transferida para Segov pela rixa entre Carlos e Gustavo Bebianno, indicado ministro da Secretaria-Geral da Presidência e então responsável pela Comunicação.

Atualmente, a Secom é comandada por Fábio Wajngarten, que substituiu Floriano Barbosa, há duas semanas. Os dois têm em comum o fato de serem próximos a Carlos. A nomeação de Wajngarten foi comemorada pelo grupo da ala ideológica como uma derrota de Santos Cruz, que gostaria de indicar um militar de confiança para a função.

A desconfiança em relação a Santos Cruz começou a ganhar força ainda no início do governo. Ele teria atuado pessoalmente para impedir que Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio e primo dos filhos do presidente, fosse nomeado no Planalto. Ele atuaria no governo como um homem de confiança de Carlos. Léo, por fim, foi contratado na semana passada para o gabinete do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado. O salário é de cerca de R$ 23 mil.

“O fanatismo atrapalha”

Em entrevista ao GLOBO , Santos Cruz disse, na sexta-feira à noite, que a decisão da Secom de interferir na publicidade de estatais “não tem validade”, porque fere normas do próprio governo. O ministro revelou ainda ter cobrado informações do funcionário da Secom responsável pelo comunicado às estatais. O e-mail foi assinado pelo publicitário Glen Valente, que assumiu nesta semana o cargo de secretário de Publicidade e Promoção da Secom, e é uma indicação de Wajngarten.

No último sábado, ao ser questionado como vai controlar esse tipo de conteúdo das propagandas, Bolsonaro disse que seus ministros devem seguir “a regra do jogo”.

Mais tarde, no entanto, ele negou que estivesse falando de Santos Cruz, a quem chamou de irmão.

— Não tem nada a ver. Tem um novo chefe da Secom (Fábio Wajngarten), tem uma semana, estamos ajustando ainda — justificou.

Em entrevista ao GLOBO, na semana passada, Santos Cruz afirmou desconhecer que era alvo de críticas de integrantes da ala ideológica, mas disse que o fanatismo pode atrapalhar o governo “ao tentar influir de maneira radical”.

— Acho que o fanatismo atrapalha. Seja de direita ou de esquerda, acaba atrapalhando — disse Santos Cruz.

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Nas redes, presidente divulga vídeo de aluna gravando professora

Juliana Castro

Clarissa Pains

29/04/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro publicou ontem, em suas redes sociais, um vídeo de uma aluna que confronta uma professora de gramática, afirmando que a educadora gastou 25 minutos da aula para falar sobre política, com críticas ao governo e ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho.

“Professor tem que ensinar e não doutrinar”, escreveu o presidente ao compartilhar o material.

No vídeo, a aluna questiona a professora, que afirma que Olavo de Carvalho é uma anta porque “mete o pau em tudo”. A estudante, então, começa a questionar o tempo que a professora teria gasto para falar de política.

— Você não percebeu que pegou 25 minutos da aula para expor sua opinião políticopartidária? —diz a estudante.

—Não foi político-partidária —contesta a educadora.

— Foi sim, a senhora criticou o Escola Sem Partido, o governo, e não estou pagando cursinho para ouvir sua opinião político-partidária. Estou pagando cursinho para assistir à aula de gramática — retruca a autora do vídeo.

Depois, a professora pede que a estudante fale com o coordenador. A aluna, por sua vez, diz que também filmou a aula eque vai repetira atitude futuramente.

Bolsonaro comentou o vídeo ontem, ao chegar ao prédio em que mora um de seus filhos, o senador Flávio ( PS L- RJ ). O presidente não explicou como o material chegou até ele, nem se houve uma apuração da reclamação da aluna antes que as imagens fossem divulgadas em sua rede oficial. Ele se limitou a defender que os professores não podem mostrar “um lado só” em suas aulas:

— Nós queremos a escola sem partido, ou, se tiver partido, que tenha os dois lados. Não pode é ter um lado só na sala de aula.

Nas redes sociais da estudante que gravou o vídeo, ela se diz filiada ao PSL, partido de Bolsonaro. Quando questionado, o presidente negou saber disso. —Não sei —disse ele. A vigilância de alunos sobre professores é uma das principais bandeiras do projeto Escola Sem Partido — apoiado por Bolsonaro —, que propõe acabar com uma suposta “doutrinação” por parte de docentes. Embora o projeto já seja motivo de debate há alguns anos, somente a nova versão dele — apresentada em fevereiro pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) — prevê, expressamente, que os alunos podem gravar as aulas.