O globo, n. 31311, 29/04/2019. Economia, p. 25

 

Risco tributário

Renato Andrade

João Sorima Neto

29/04/2019

 

 

Disputa judicial entre empresas e Receita pode custar R$ 229 bi à União

Empresas e Receita Federal travam na Justiça uma disputa bilionária que pode custar à União R$ 229 bilhões. Pelo menos 25 mil companhias cobram do Fisco créditos por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/ Cofins. Ainda não está claro, no entanto, se a medida vale apenas a partir da decisão do Supremo ou se o governo federal terá que devolver tudo o que já recolheu das empresas. A discussão, afirmam especialistas, é um exemplo de como a complexidade tributária no Brasil afeta tanto o ambiente de negócios como as contas públicas. A reforma dos impostos será a próxima batalha do governo, após a da Previdência. Entre as possibilidades em estudo está a criação do imposto sobre valor agregado (IVA), que substituiria cinco tributos e incidiria sobre bens e serviços. Empresas e Receita travam na Justiça mais um cabo de guerra por conta do complexo sistema de impostos do país e da demora do Supremo Tribunal Federal (STF) para concluir um julgamento que pode significar um rombo de mais de R$ 229 bilhões no caixa do governo, quase duas vezes o valor do déficit previsto para as contas públicas em 2020.

A briga é antiga, mas ganhou corpo com uma decisão tomada pelo STF em 2017. Em março daquele ano, os ministros da Corte decidiram que o valor pago pelas empresas de ICMS —o principal imposto estadual —deve ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins, um tributo federal. No entanto, não deixaram claro se a decisão valeria dali para a frenteou incidiria retroativamente no que já foi recolhido.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) —órgão que funciona como uma espécie de advogado do Ministério da Economia—questionou o STF sobre a extensão da decisão. Como a resposta não veio até agora, o julgamento, tecnicamente, não foi concluído. P orisso, empresas passaram a cobrar, em instâncias inferiores da Justiça, a aplicação da decisão do Supremo.

O imbróglio é gigantesco. A PGFN já identificou, ao menos, 25 mil ações em tramitação questionando o tema. Vivo, Hering, Telefônica, Claro e Via Varejo são algumas das empresas que encaram esse problema na Justiça. Procuradas, as companhias não quiseram comentar.

Insegurança jurídica

Já existe até um mercado de venda desses créditos. Empresas que estão precisando de dinheiro agora têm vendido os direitos das ações para investidores com descontos que vão de 20% a 40% do val orque teriam a receber do governo.

Além do impacto nas contas das empresas, a indefinição ameaça os cofres da União. Estimativas da Receita indicam que, se o governo tivesse que devolver tudo o que recolheu nos últimos cinco anos, a conta bateria em R$ 229 bilhões. Para se ter uma ideia do estrago potencial da mudança no cálculo do PIS/Cofins, o déficit estimado para as contas públicas é de R$ 139 bilhões este ano e R $124 bilhões em 2020.

Gustavo Nygaard, sócio da área Tributária do T oz zini Freire Advogados, observa que as decisões judiciais acabam criando tratamentos tributários diferentes para as empresas:

— Isso é muito ruim para o ambiente de negócios. No Brasil, a complexidade tributária acarreta isso: empresas menos ou mais competitivas por decisão, prática adotada ou entendimento dado em uma determinada ação apresen ta daà Justiça. A uniformidade a cabanão sendo atônica. Cada um tem um sistema tributário aplicado asi próprio.

Para a advogada Gabriela Miziara Jajah, especialista em direito tributário do escritório Siqueira Castro, a discussão do PIS/Cofins é um exemplo emblemático de como o complexo sistema tributário nacional gera insegurança jurídica entre empresas e traz desconfiança aos investidores:

—Todos os juízes já estão garantindo a recuperação dos créditos passados do ICMS para as empresas, e elas estão excluindo o imposto dos cálculos futuros. É mais um caso que joga lenha no embate entre Estado e contribuintes, e os dois podem acabar penalizados. O governo pode ter rombo nas contas, e o contribuinte pode ter um aumento de impostos para que o governo compense a perda que vai ter.

Conta confusa

O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, diz que a possibilidade de aumento de impostos para compensar futuro rombo causa apreensão:

— Para o empresário que quer montar uma empresa, fica complicado investir.

Anove latem um capítulo importante. As empresas têm buscado na Justiça descontar todo o valor do ICMS destacado nas notas ficais. O governo alega que a única parte que poderia ser descontada é o valor efetivamente recolhido aos estados. Essa diferença tem impacto financeiro grande.

Em apenas um caso analisado por técnicos do governo, um contribuinte queria descontar R$ 600 milhões. Seguindo a fórmula defendida pela União, essa conta cairia para R$ 20 milhões.

— Um dos principais argumentos do STF para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins é que parte dos valores que são recebidos pela empresa na venda de um produto só transita no caixa da companhia. Seguindo esse raciocínio,só poderá ser devolvido ova lorque vai serre colhido ao estado — diz Alexandra Carneiro, chefe da Coordenação de Atuação Judicial da PGFN junto ao Supremo.

Carneiro destaca que a fórmula de cálculo da exclusão é um ponto que precisas er analisado oquan toantes, sob pena de gerar um anova discussão tributária que poderás e arrastar por mais dez ou 20 anos:

— O mais importante é como vai ser feito o cálculo. O STF precisa analisar isso.

Em nota, o Supremo informou que o processo está no gabinete da relatora, ministra Cármen Lúcia, e não há previsão de julgamento.

Na semana passada, outra decisão do STF impôs uma perda anual de R$ 16 bilhões aos cofres públicos, nas estimativas da PGFN. A Corte decidiu que empresas fora da Zona Franca de Manaus têm direito a receber créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se comprarem insumos isentos desse tributo no polo amazonense.

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Onyx: Bolsonaro planeja ‘MP da liberdade econômica’

Daniel Gullino

29/04/2019

 

 

Segundo ele, medida vai ‘facilitar a vida das pessoas’. Ministro prevê que Previdência será aprovada na Câmara no 1º semestre

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou ontem, após encontro com o presidente Jair Bolsonaro, que mantém a previsão de que a reforma da Previdência será aprovada na Câmara ainda no primeiro semestre. Onyx também revelou que o principal tema da conversa foi a medida provisória que apelidou de “MP da liberdade econômica”, que deve ser assinada nesta semana pelo presidente. Sem entrar em detalhes, Onyx afirmou que a ideia é “facilitar a vida das pessoas”.

— É uma simplificação. Tem um princípio constitucional que vamos descrever e enfatizar nessa medida provisória — afirmou Onyx. — Desde que o Brasil é Brasil, sempre que o cidadão chega diante do governo para fazer qualquer coisa, é aquele monte de atestado, fotocópia e autorização. Vamos criar um trabalho que foi gestado lá no Ministério da Economia, está sendo feito por vários ministérios, e provavelmente na terça deve estar pronto para o presidente assinar. É para facilitar a vida das pessoas, para abrir seu negócio, para trabalhar, para produzir renda, gerar emprego. É nessa linha. Os detalhes virão lá na data.

Sobre a tramitação da reforma da Previdência, o ministro justificou o otimismo elogiando a Comissão Especial que tratará do tema:

— Eu mantenho a previsão (de aprovação no primeiro semestre) por duas razões muito importantes. Primeiro, o cara lá de cima está sempre com a gente. Segundo, pelos nomes que a gente viu lá na Comissão Especial. São nomes de muita qualidade, tanto o relator quanto o presidente. Os membros, as bancadas colocadas lá, parlamentares, vários com muita experiência. Acho que nós vamos conseguir, sim, trabalhar isso, porque o projeto da Nova Previdência não é para o governo Bolsonaro, é para o país. O Brasil é que precisa dele —disse o Onyx, na saída do Palácio da Alvorada.

Na última quinta-feira, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), afirmou que prever a votação ainda no primeiro semestre seria “excessivamente otimista”.

Onyx minimizou as críticas a respeito da falta de articulação do governo, dizendo que as ações de Bolsonaro são vistas com desconfiança desde a campanha eleitoral:

— Sempre foi assim, né? (Diziam que) Não vai dar para ganhar a eleição, não tem tempo de televisão, não vai fazer a transição direito, não vai encurtar os ministérios. E a gente vai fazendo, a gente vai trabalhando. A gente tem um princípio que é muito dele, que é falar pouco, trabalhar muito e colher resultados.