O globo, n. 31310, 28/04/2019. Economia, p. 33
Retomada imobiliária pelas pontas
Glauce Cavalcanti
28/04/2019
Novos projetos no Rio se concentram no alto padrão e na moradia popular
Ainda superando os efeitos de uma longa crise, o mercado imobiliário carioca vislumbra dobrar o número de lançamentos este ano na comparação com 2018. A expansão vem das duas pontas do setor: a moradia popular, que manteve o desempenho a despeito da crise, e, principalmente, o segmento de imóveis de alto padrão.
A expectativa do mercado do Rio é fechar o ano com mais de uma centena de empreendimentos, a maioria na Zona Sul.
— Vamos manter o movimento que ganhou fôlego no fim de 2018. Já esperamos o dobro de empreendimentos, principalmente nas regiões de maior valor, que são Zona Sule Tijuca, na Zona Norte. O segmento de imóveis com preço acima de R$ 1,5 milhão vai avançar ainda mais, e o Minha Casa Minha Vida segue em frente — diz Claudio Hermolin, presidente da Ademi-RJ, que reúne empresas do setor.
Diferentemente da classe média, ainda assustada com o desemprego, os investidores de maior poder aquisitivo que tinham recursos parados voltaram às compras. Para entender o peso do alto padrão nas finanças do setor, vale observar que, no ano passado, foram lançadas 8.390 unidades residenciais no Rio, alta de 16% sobre 2017. As vendas, no entanto, recuaram 27%. Ainda assim, o valor gerado por esses negócios saltou 44%. O movimento tende ase aprofundar.
—Mesmo nos projetos de alto padrão, as unidades ma iscaras são vendidas primeiro. São compradores com recursos reservados eque recuperaram a confiança. Isso ainda não acontece na classe média. A retomada nesse segmento só virá na carona da retomada do emprego —explica Hermolin. No RioByYoo( retrofit do prédio do Flamengo no Morro da Viúva), das 103 unidades postas à venda, apreços que chegavam aR $3,5 milhões, restam apena soito, justamente as de menor preço, em torno de R$ 2,5 milhões.
De dois projetos lançados na Tijuca, o Move, que saiu em meados de 2018, vendeu por completo, com apartamentos de R$ 750 mil, em média. Já o Aura, lançado no fim do ano, tem metade das unidades comercializadas. O valor médio, porém, é mais alto, de R$ 900 mil.
Vendas avançam
Zona Sul e Tijuca despontaram nas vendas, firmando-se como áreas em que o preço médio do metro quadrado já voltou a garantir liquidez aos projetos. Segundo Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, imóveis novos na Zona Sul estão em torno de R$ 14.500 o metro quadrado. Na Tijuca, cerca de R$ 9 mil.
— São áreas que mostram melhora. O crescimento de fato virá quando a Barra da Tijuca tiver avanço. Estamos sem os grandes produtores, como Gafisa (em reestruturação para superar dificuldades financeiras) e PDG (em recuperação judicial). Mas isso gera oportunidade para novas empresas —diz Vasconcellos.
As construtoras cariocas buscam oportunidades. A RJZ Cyrela projeta até R$ 860 milhões em valor de vendas de lançamentos este ano, 30% acima do que fez em 2018.
— Focamos em lançamentos em áreas com menos oferta e, por isso, de alta absorção, com produtos bem estudados. Teremos lançamentos em Botafogo, Laranjeiras, ambos com preços médios de R$ 1,5 milhão —diz Marcelo Parreira, gerente geral de incorporação e produto da RJZ Cyrela.
A construtora Inti decidiu se manter focada no alto padrão, com quatro novos projetos este ano na Zona Sul, todos com apartamentos a partir de R$ 1,5 milhão. A previsão é triplicar o valor geral em vendas desses empreendimentos para R$ 60 milhões, na comparação com 2018. Já a Tegra avança em direção à Zona Oeste. Planeja três lançamentos para o segundo semestre em São Conrado, Barra e Recreio.
— Buscamos também terrenos na Zona Sul, para projetos de alto padrão, e no Centro — diz Alexandre Fonseca, diretor da Tegra.
—A retomada é gradual e lenta. Mas as vendas estão avançando. Na ponta de vendas, a visão também é de que o terreno está pronto para um crescimento mais forte em 2019, mas ele ainda não é consistente.
—Tudo indica que será melhor, mas ninguém garante a melhoria do mercado. O governo ainda não fez reformas importantes para reativar a economia. O primeiro trimestre empatou com janeiro a março de 2018. Está difícil ver um horizonte mais longo que 90 dias, ficamos míopes —diz Vasconcelos, da Patrimóvel.
Os empresários destacam ainda que a melhora nas condições de financiamento, com a queda dos juros, colaboram com as vendas. No primeiro trimestre, R $1,3 bilhão em recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo foram usados para aquisição e construção de imóveis no Rio, segundo a Abecip. A cifra representa alta de 50,6% em relação a igual período de 2018 e desempenho acima do registrado no país, de 39,4%.
Apartamento pequeno
Fonseca admite que o interesse da Tegra no Centro está ligado à nova legislação do setor no Rio, aprovada no fim de 2018, que deve garantir maior oferta na ponta mais barata do mercado a partir do segundo semestre, considerando o tempo de licenciamento de projetos. Isso porque alei passou a permitira construção de imóveis mais compactos, em prédios sem garagem para todos os apartamentos, entre outras mudanças.
O braço imobiliário do Opportunity já planeja quatro empreendimentos no Rio este ano, o dobro de 2018. Um deles ficará no Centro, a uma quadra do Aterro do Flamengo, com projeto de coliving , no qual os moradores contam com áreas e serviços compartilhados.
Jomar Monnerat de Carvalho, diretor da empresa, prevê para maio o lançamento do Highlight Jardim Botafogo, com 180 unidades de até R$ 1,6 milhão. O Ícono, lançado em setembro no Flamengo, tem 350 das 416 unidades a R$ 900 mil, em média, vendidas. Para José Conde Caldas, à frente da Con cale ex-presidente da A demi-RJ, anova legislação vai abrir o mercado:
— A volta do apartamento pequeno de forma regrada vai trazer unidades com serviço de qualidade e acessíveis a uma faixa de grande demanda: idosos, estudantes, pessoas que moram sozinhas, executivos no Rio a trabalho. É um tipo de comprador que não atendemos hoje.
No mercado popular, os projetos continuam em expansão no Estado do Rio, apesar dos atrasos nos repasses do programa Minha Casa Minha Vida. A Direcional, por exemplo, dobrou o volume de lançamentos em relação a 2018, quando ergueu seis projetos na Zona Oeste e em São Gonçalo, no Grande Rio:
—Temos um banco de terrenos com potencial de R $2 bilhões em valor geral de vendas — diz Paulo Assis, diretor comercial da empresa.
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Atrasos em repasses ameaçam Minha Casa Minha Vida
João Sorima Neto
28/04/2019
Após liberar R$ 800 milhões, governo discute verba suplementar para programa. Sem recursos, construtoras podem demitir
Uma das principais vitrines dos governos do PT, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) está em marcha lenta desde o início da gestão Bolsonaro. Para quem se enquadra na faixa 1 do programa, voltada para famílias com renda de até R$ 1.800, não houve contratações de novos projetos este ano. E para as faixas 1,5,2e3—para rendas entre R$ 1.800 e R$ 9 mil —foram contratadas 108,6 mil unidades no primeiro trimestre, 30% menos que no mesmo período de 2018.
Além disso, as construtoras que atuam na faixa 1 reclamam de R$ 550 milhões em repasses do governo atrasados. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, admitiu na semana passada que falta dinheiro por causa dos contingenciamentos para cumprir as metas fiscais.
Segundo ele, os recursos disponíveis para o MCMV só duram até junho. A pasta negocia com a Casa Civil e o Ministério da Economia e já obteve verba suplementar de R$ 800 milhões para o programa.
— Sem os recursos, as 400 construtoras que atuam no programa não têm outra alternativa senão demitir — alerta José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), que reúne as construtoras. Atualmente, há 500 mil trabalhadores ligados ao Minha Casa Minha Vida.
Num cálculo conservador, diz Martins, se as construtoras demitirem 10% dessa força de trabalho, serão 50 mil pessoas na rua. Isso sem contar fornecedores e prestadores de serviços da cadeia, que serão afetados.
Na divulgação dos últimos dados do Cadastro Geral de Empregados (Caged), a construção civil foi um dos setores que mais fecharam vagas em março: 7.781 empregos perdidos. O secretário de Habitação do ministério, Celso Toshito Matsuda, confirmou ao GLOBO os atrasos nos repasses, mas confia na melhora das contas públicas e na negociação dentro do governo para retomar pagamentos até maio:
— Estamos num momento de gestão de prioridades. Estamos rezando para a arrecadação aumentar.