O globo, n. 31309, 27/04/2019. Economia, p. 23

 

Mudança de rumo

Geralda Doca

Eliane Oliveira

27/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Anac já prepara redistribuição de horários de voo da Avianca

Diante do agravamento da crise da Avianca, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já se prepara para redistribuir os slots (autorizações de horários para pousos e decolagens) da companhia nos aeroportos mais movimentados. No caso de Congonhas, onde esses ativos são mais disputados, a divisão será feita igualmente entre as empresas que operam no terminal, como Latam, Gole Azul, conforme prevê uma resolução da agência. Contudo, há pressão no mercado para que o órgão regulador reveja a norma e beneficie a Azul, que tem menor oferta de rotas no aeroporto mais rentável do país. Com isso, a proposta é aumentar a concorrência.

De acordo coma Anac, dos 3.459 pares de slots (pouso e decolagem) existentes em Congonhas, Latam e Gol respondem por 87,3%. A Avianca detém 268 e a Azul, 170 slots. A Avianca também tem 863 slots em Guarulhos e 134 no Santos Dumont.

A medida a ser tomada pela Anac seria em caráter emergencial para evitar prejuízos aos passageiros, pois há fortes indícios no mercado de que a Avianca, que está em recuperação judicial, não resistirá sequer até a data do leilão de seus ativos, marcado para 7 de maio. A companhia está sendo obrigada a devolver aeronaves para as empresas de leasing por falta de pagamento e foi proibida pela agência de vender bilhetes para rotas que serão canceladas. A distribuição emergencial pode resolvera questão da oferta devo o sem rotas de maior demanda, mas não acaba como problema da concentração do mercado, já que osslots seriam repartidos entre empresas que operam no país. A concentração é apontada por especialistas como um dos fatores para a alta dos preços dos bilhetes após acrise da Avianca. Em algumas rotas, a tarifa subiu mais de 100% em relação a igual mês de 2018. Em outubro, quando está prevista a revisão da distribuição de slots no país — de acordo com critérios de pontualidade e regularidade das empresas —, a Anac pretende aplicara norma específica para Congonhas, que é assegurar 50% desse sativos para empresas entrante se 50% para companhias que já operam no aeroporto. O objetivo é reduzir a concentração no setor.

Abertura do mercado

Procurada, a assessoria da agência informou que aguarda a realização do leilão. De acordo coma operação desenhada no processo de recuperação judicial, quem arrematar uma das fatias leva junto os slots.No entanto, o vencedor terá de percorrer etapas burocráticas na Anac, além da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o que pode demorar.

A Anac informou ainda que a Avianca registrou nova malha aérea a partir de segunda-feira. A empresa passará a operar em apenas quatro aeroportos (Brasília, Congonhas, Santos Dumont e Salvador), com média de 39 voos diários. Com perfil liberal, o governo não pretende intervir para salvara companhia. Na verdade, aposta na aprovação da medida provisória (MP) que derruba a restrição ao capital estrangeiro para abrir o mercado doméstico a empresas low cost (baixo custo) e estimulara concorrência.

O problema é que a MP, editada logo após o pedido de recuperação judicial da Avianca em dezembro, foi modificada pelo Senado, que incluiu na proposta a volta da franquia de bagagem. A cobrança pelo despacho é condição para que as estrangeiras de baixo custo abram uma filial no Brasil e comecem avoar dentro do país. Segundo um técnico do governo, a ideia é recuperar o texto original da MP no plenário da Câmara. Se não for possível, a Anac vai recomendar o veto ao presidente.

O Ministério da Economia divulgou nota criticando as alterações na MP. A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade da pasta destacou que a MP foi alterada em sentido contrário ao seu objetivo desregulatório inicial, com o restabelecimento da obrigatoriedade do despacho gratuito de bagagem. Segundo anota, nunca houve gratuidade nesse serviço, que estaria implícito na tarifa. Outro ponto criticado na nota diz respeito à criação de quota para operação de rotas regionais. O órgão enfatiza que as mudanças podem desestimular o ingresso de novas empresas no país.

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Crise da empresa pode tornar mercado mais concentrado

Glauce Cavalcanti

Leo Branco

27/04/2019

 

 

Para especialistas, partilha de operações da aérea entre Latam e Gol reduziria concorrência e oferta de voos, elevando tarifas

Com o agravamento da crise da Avianca Brasil, especialistas apontam risco de aumento da concentração de mercado no país caso as operações da companhia aérea acabem sendo divididas entre Gole Latam, as atuais líderes nacionais. Se isso ocorrer, diz emeles, o resultado viria em aumento do preço das passagense redução da oferta de voos domésticos. —O que está em jogo são as autorizações que a Avianca tem para operar nos aeroportos de grande demanda. Tudo oque Gole Latam querem agora é evitar novos entrantes no mercado. Mesmo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica( Cade) se antecipou e soltou nota alertando para o risco de concentração, o que não é usual —destaca Cleveland Prates, professor da FGVLaw.

Gole Latam lideram, ombro a ombro, o mercado doméstico, com 34,1% e 31,8% de participação, respectivamente. Na sequência vêm a Azul, com 21,2%, e a Avianca, com 12,6%, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em março, a Azul assinou acordo coma Avianca para adquirir quase toda a operação da empresa que entrou em recuperação judicial no fim de 2018. A oferta de US$ 105 milhões acabou retirada da mesa após Gole Latam anunciarem que pagariam, cada uma, US$ 70 milhões por ao menos uma parcelada aérea em dificuldade.A operação seri afatiada em sete unidades que iriam a leilão no dia 7 de maio.

— O Cade deveria proibir Latam e Gol de comprarem a Avianca. As três têm malhas de voos sobrepostas. Repartir voos entre as líderes seria um caminho monopolista. Isso limitaria a recomposição dos voos da Avianca e traria alta de preços e corte de rotas. O ideal seria um novo entrante — destaca Claudio Considera, pesquisador associado do FGV IBRE.

Trava a entrantes

Em nota técnica divulgada no início de abril, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) frisou a preocupação do órgão regulador da concorrência no país coma entrada de Latam e Gol na disputa pela Avianca, pois as duas companhias já detêm elevadas fatias de mercado. Na avaliação do Cade, haveria menos risco numa transação coma Azul, sendo oide alter um anova empresa no mercado. O setor aéreo tem forte correlação com o desempenho da economia. Segundo Prates, acada 1% de retração na renda do brasileiro, o setor tem recuo de 2%. Na crise, costuma ser um dos primeiros atingidos.

O debate sobre o setor esquentou coma divulgação do relatório da comissão especial que analisa a medida provisória que libera 100% de capital estrangeiro em aéreas brasileiras. Entre as mudanças, traz a retomada da franquia de bagagem e a exigência de que empresas cumpram um mínimo de 5% de voos em rotas regionais nos dois primeiros anos de operação. —É um desastre. A franquia de bagagem afugenta as empresas entrantes de baixa tarifa( low cost), segmento de grande potencial no Brasil. As demais não vão querer chegar ao país obrigadas a fazer os voos regionais—diz Prates. O texto segue para Câmara e Senado, com o desafio de ter de ser aprovado até 22 de maio, quando a MP expira. As companhias aéreas se defendem. A Gol diz em nota que a aviação brasileira “é extremamente competitiva”. E que a companhia “nasceu em um ciclo dedes regulamentação tarifária evem contribuindo para o desenvolvimento e crescimento do setor”.

Já a Latam afirma que o leilão de ativos da Avianca vai preservara concorrência :“O modelo proposto permite que mais interessados participem do processo, o que é benéfico tanto para o ambiente concorrencial quanto para o consumidor”, diz a empresa em nota. Para a Azul, não há barreiras de entrada no mercado brasileiro “exceto pela ponte aérea Rio-SP, especificamente no aeroporto de Congonhas”. A Abear, que reúne as aéreas brasileiras, sustenta que a concentração no Brasil está em linha com o padrão global e afirma que, numa lista de 18 países, como EUA, França, Austrália, Japão, Reino Unido e Itália, porém, o Brasil foi o 6º menos concentrado. David Goldberg, da consultoria em aviação Terrafirma, avalia que o número de companhias depende de fatores como PIB e estabilidade econômica. Mesmo em nações desenvolvidas, até cinco empresas costumam dominar o mercado. Nos EUA, American, United, Delta e Southwest tinham 67,5% do mercado em 2018, segundo o site Statista. O país, porém, tem ao menos 30 concorrentes, a maioria regionais e low cost.