O globo, n. 31308, 26/04/2019. País, p. 4

 

Entrevista - Luiz Cavalheiros: ‘Não era um manifesto sobre valores’

Luiz Cavalheiros

João Paulo Saconi

26/04/2019

 

 

O professor de Criação, Direção de Arte e Planejamento Criativo da ESPM-Rio Luiz Cavalheiros atua há 30 anos no mercado da publicidade. Para ele, a peça do Banco do Brasil tinha clara tentativa de conquistar um público jovem que permitisse à instituição estatal competir com os bancos digitais, que cada vez mais conquistam os mais novos.

Ele afirma ainda que é incomum que campanhas feitas por agências enfrentem proibições quando já estão no ar, depois de aprovado o processo criativo pelo cliente. O mais comum é que questionamentos aconteçam ao longo da criação.

Como avaliou o veto à propaganda do Banco do Brasil?

A peça é uma atualização de público alvo e de linguagem, com referências a aspectos da sociedade contemporânea e da internet. Não é radical, e não toca em temas que poderiam ser polêmicos, como a sexualidade. O veto é estranho porque vai na contramão do discurso liberal do governo. A proibição parece em certo sentido “estatizante”, com uma intervenção do governo.

É comum haver proibições com a campanha já no ar?

É estranho, porque a produção tem vários níveis até ser aprovada, e soa esquisito a intervenção de um chefe de Estado ao fim do processo. A linguagem que aponta para uma visão de diversidade parece ter incomodado, mas a peça em si não afeta a imagem do banco. Não é um manifesto sobre valores.

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Bolsonaro veta propaganda do Banco do Brasil

Gabriel Mascarenhas

26/04/2019

 

 

Com mote da diversidade, peça desagradou a presidente; diretor de marketing foi demitido

O Palácio do Planalto determinou que o Banco do Brasil retirasse de circulação uma campanha publicitária, cujo mote era a diversidade, por ter desagradado ao presidente Jair Bolsonaro. A interferência provocou a demissão do diretor de Comunicação e Marketing do banco, Delano de Andrade. O caso foi revelado ontem pela coluna de Lauro Jardim no site do GLOBO. O Palácio do Planalto afirmou que não vai comentar a decisão.

Além desse caso, o governo decidiu que, a partir de agora, todas peças publicitárias do Executivo serão submetidas à Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto.

O vídeo derrubado pelo presidente é estrelado por atores e atrizes negros, outros tatuados, além de homens usando anéis e cabelos compridos. Os perfis das pessoas escolhidas incomodaram Bolsonaro, que só assistiu ao filmete quando já estava sendo veiculado há aproximadamente duas semanas em mídias como a televisão e a internet.

Há cerca de 15 dias, Bolsonaro procurou o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, para se queixar da propaganda. O comercial foi lançado no dia 1º de abril e retirado do ar no dia 14. A partir de então, internamente, Novaes passou a sustentar que os personagens não retratavam o jovem trabalhador brasileiro. A propaganda pretendia atrair o público jovem para o banco.

Custo de R$ 17 milhões

Procurado, Novaes admitiu que o presidente não gostou do resultado da campanha, e acrescentou que tem a mesma opinião de Bolsonaro. Ele não especificou, porém, o que ambos reprovaram:

— O presidente e eu concordamos que o filme deveria ser recolhido.

Novaes também confirmou a mudança de comando na diretoria de Comunicação e Marketing, mas disse que a saída de Andrade foi consensual, e que teria partido do próprio ex-executivo, tido no mercado publicitário como um profissional técnico e criterioso.

O comercial foi produzido pela WMcCann, uma das três agências, escolhidas por licitação, responsáveis pela publicidade do banco. Segundo uma fonte ouvida pela reportagem, o Banco do Brasil desembolsou R$ 17 milhões pela peça, batizada de “Selfie”. O material encabeçaria uma campanha que tem por objetivo ampliar o número de correntistas jovens, parte de uma estratégia de mercado traçada pelo banco antes mesmo de Bolsonaro chegar ao Planalto.

No vídeo, pessoas de aparências e estilos diferentes se fotografam com seus celulares. Ao fundo, uma locutora narra os movimentos e, ao fim, convida o espectador a abrir uma conta. “Baixe o aplicativo, digite seus dados e capriche na selfie. Faz cara de quem não paga tarifa mensal nem anuidade no cartão. É rápido, é fácil, é tudo pelo celular”, diz o texto.

O episódio do veto presidencial deve alterar o papel da Secretaria de Comunicação no acompanhamento das ações de marketing do governo, inclusive de autarquias e empresas estatais.

Rédea encurtada

Agências de publicidade contratadas pelo Executivo foram informadas de que, a partir de agora, todas as peças deverão ser submetidas ao escrutínio da Secom, comandada por Fabio Wajngarten. Até então, somente os comerciais institucionais, ou seja, que visam a reforçar uma determinada marca, costumavam passar pela Comunicação do Planalto. Ações mercadológicas, como a peça derrubada por Bolsonaro, cuja finalidade é ampliar participação da estatal no setor, precisavam, na maioria das vezes, apenas da chancela do próprio órgão responsável pelo contrato.

Esta foi a segunda vez em um mê semeio que Bolsonaro protagonizou uma controvérsia envolvendo o Banco do Brasil. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, em março, o presidente usou seu perfil em uma rede social para criticar a decisão do banco de tornar obrigatório aseus funcionários um curso de“diversidade, prevenção e combate ao assédio moral e sexual”. Além de avisar que havia ordenado à cúpula do banco que abolisse a formação, o presidente orientou os postulantes a cargos no BB a recorrerem à Justiça.

— Um conselho que eu dou a vocês é: se, porventura, alguém que for aprovado no concurso e for exigido esse diploma, você pode entrar na Justiça, que tu vai ganhar (sic). Se bem que eu vou tentar junto ao Banco do Brasil ainda para que se evite isso — declarou Bolsonaro, na ocasião.

Procurada, a assessoria de imprensa do o Palácio do Planalto informou que não irias e pronunciara respeito do veto à propaganda.

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Entidades pró-diversidade reagem à retirada de comercial da TV

Flávio Freire

26/04/2019

 

 

Associações que defendem direitos dos negros e a diversidade reagiram à determinação do Palácio do Planalto de retirar do ar a propaganda do Banco do Brasil. Na peça, jovens negros, tatuados, e outros meninos e meninas de diferentes perfis aparecem em cenas do cotidiano.

Um aumento do espaço e do número de oportunidades para atores negros no mercado publicitário costuma ser uma das bandeiras de grupos que buscam representatividade.

— A comunidade negra gastou um tempo imenso para despertar na sociedade o respeito à diversidade. Essa propaganda consolida uma conquista dos excluídos. A decisão é muito equivocada, um retrocesso — disse frei David, da Educafro.

De acordo com frei David, diante da iniciativa do governo federal, a Educafro pretende entrar com uma denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU) contra a decisão do Planalto de tirar a propaganda do ar.

Os atores da peça publicitária não falam, apenas aparecem em diferentes situações do dia a dia.

— Esse governo sequer abriu as portas para conversar com a gente —disse o dirigente da Educafro.

Ativistas da comunidade LGBT também foram críticos à decisão, mesmo que não haja referência a gays no comercial.

—É impossível entender a cabeça de um presidente que se incomoda com a liberdade alheia, com a diversidade. Há uma questão psicológica a ser estudada — criticou o ativista gay Fernando Dantas, que, em São Paulo, trabalha em uma Organização Não Governamental (ONG) que dá abrigo a transexuais em situação de vulnerabilidade.

"Intolerância"

Um dos fundadores da Associação da Parada do Orgulho LGBT, Nelson Matias, disse que a iniciativa do governo reforça o que ele chama de “intolerância institucional”.

— É a intolerância institucionalizada por um presidente que parece querer governar apenas para uma elite preconceituosa — disse Matias, temendo que a repercussão do caso possa reforçar o discurso de ódio contra grupos que costumam ser alvo de homofobia. — O presidente não consegue entender o quanto uma atitude dessa faz retroceder a luta de pessoas para quem ele também tem o dever de governar — reforçou Matias, que há décadas atua por direito dos gays e diversidade.