Valor econômico, v. 19, n. 4600, 29/09/2018. Brasil, p. A4

 

Cargos de confiança serão alvo de 'banco de talentos'

Edna Simão

29/09/2018

 

 

O governo adotou uma série de medidas para dificultar o preenchimento de cargos de confiança no serviço público apenas por meio de indicações políticas ou entre os próprios servidores e gestores.

As iniciativas, que fazem parte da chamada reforma administrativa, têm como objetivo reduzir gastos e aumentar a produtividade da máquina federal.

O governo criou para uso interno recentemente, por exemplo, um "banco de talentos" dos servidores públicos, o que foi apelidado entre técnicos de " LinkedIn do governo federal".

A ideia é estimular os servidores públicos capacitados a serem selecionados para outras funções do governo.

Pelas estimativas do Ministério do Planejamento, a iniciativa deve contribuir para uma economia anual de R$ 18 milhões. "Hoje é tudo em cima da indicação. A escolha seria mais pelo perfil e menos por indicação", disse um técnico do governo ao Valor.

Também foram adotadas medidas que ampliam a possibilidade de contratação de terceirizados no serviço público e de remanejamento dos servidores. Essas duas últimas ações podem ser alvo de questionamento na Justiça pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef).

Para o secretário-geral da entidade, Sérgio Ronaldo da Silva, essas iniciativas prejudicam os servidores públicos. Ele criticou o fato de o governo estar tomando muitas medidas por instrução normativa, decreto e portaria, sem negociação com a categoria. "Muitas das mudanças eu soube pelo 'Diário Oficial da União'", reclamou o representante da Condsef.

Para monitorar o horário de trabalho nos servidores, o Ministério do Planejamento instituiu um sistema de controle eletrônico diário de frequência a fim de implementar um banco de horas. Além disso, deve haver uma economia de R$ 900 milhões apenas com a centralização da concessão e manutenção dos benefícios de servidores aposentados e pensionistas da administração pública federal direta, instituída por publicação de decreto.

Atualmente, estes processos são realizados por aproximadamente 1,1 mil unidades de pagamento descentralizadas em todos os órgãos federais. Nesses setores, cerca de 20 mil servidores executam atividades de gestão de pessoas voltadas tanto para os servidores ativos quanto para os aposentados e pensionistas. A centralização das atividades pode resultar na realocação de cerca de 10 mil servidores, que passarão a atuar em outras áreas e executar atividades-fim.

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1,6 mil disputam eleição e recebem salário

Raphael Di Cunto

29/09/2018

 

 

Numa eleição em que se discute tanto o fim dos privilégios para o funcionalismo, União, Estados e municípios pagam o salário de 1.636 servidores públicos que estão de licença porque se candidataram a algum cargo público este ano. Só no governo federal o custo para manter 286 servidores afastados chegou a R$ 4 milhões em agosto.

Esses afastamentos são acompanhados pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) para evitar a repetição do que já ocorreu em outras eleições: servidores que usam a licença para tirar uma folga remunerada de três meses, mas que não fazem campanha - ou que trabalham como cabos eleitorais de outros candidatos.

A menos de uma semana da realização da eleição, o Valor identificou 515 candidaturas, dentre os 1.636 servidores, que não informaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nem despesa nem receita de campanha. Esse é um dos indícios, assim como o resultado das urnas, que órgãos de controle usam para apurar se o candidato, de fato, concorreu. Entre os 286 do governo federal, 58 não tiveram movimentação financeira, mas custaram R$ 709 mil em salários em agosto.

Segundo o Ministério Público Federal, a licença sem o desempenho da atividade política configura enriquecimento ilícito e pode ser enquadrada como estelionato majorado. A pena é de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, pagamento de multa e até prisão.

Há ainda outra distorção causada por uma mudança na lei eleitoral em 2015 que reduziu a campanha de 90 dias para menos de 60 dias, mas que não alterou duas leis que determinam que o funcionário público deve se afastar por três meses. Nesse período, decidiu o Ministério do Planejamento, ele tem direito a receber o salário enquanto está afastado, mesmo que não seja nem efetivado candidato na convenção.

São os casos, por exemplo, de 24 dos funcionários do governo federal que ficaram de licença remunerada e receberam R$ 317 mil em agosto, mas não aparecem nos registros do TSE.

A Câmara dos Deputados já chegou a discutir, num projeto de lei de iniciativa popular, o fim desse benefício, mas venceu a tese de que o afastamento é uma proteção para a administração pública porque o funcionário poderia usar o cargo para tentar se beneficiar eleitoralmente.

A Associação Comunitária do Chonin de Cima, que sugeriu o projeto, argumentou que "está comprovado" que um grande número de servidores apenas "finge fazer campanha" para não trabalhar. "É preciso criar um impedimento legal para essa distorção."

O ex-deputado Tadeu Filipelli (MDB), do Distrito Federal, onde o funcionalismo é uma das principais bases eleitorais, deu parecer contrário ao projeto na Comissão de Trabalho. "Longe de ser um privilégio injustificável, reputo a licença como essencial à lisura do processo eleitoral. Sem ela, poderiam os adversários temer que o servidor mobilizasse indevidamente recursos públicos em benefício de sua própria candidatura", diz. "Sendo compulsório, não se poderia privar o servidor da remuneração", completa. O parecer foi aprovado por unanimidade na comissão em 2007 e desde então aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

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Envelhecimento rápido justifica a reforma da Previdência, aponta OIT

Assis Moreira

29/09/2018

 

 

O Brasil é um caso atípico na área de aposentadorias comparado a outros 86 países na América Latina, América do Norte, Europa, Oceania e Ásia, o que justifica reforma do sistema previdenciário, sinaliza a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A entidade nota que pouco mais de 10% da população brasileira tem 60 anos ou mais, porém os gastos do país com aposentadoria são idênticos aos de países com 25 % de suas populações pertencendo a esse grupo de idade.

A OIT menciona projeções para os próximos 45 anos, que sugerem um ônus crescente para a sociedade, já que o Brasil, como a maioria dos países latino-americanos, deve passar por envelhecimento duas vezes mais rápido que o experimentado por países desenvolvidos.

A percentagem da população com 60 anos ou mais deve aumentar dos 10% para 20% em apenas 25 anos, comparado a uma média de 50 anos para países desenvolvidos.

"Todas as evidências sugerem que a reforma da Previdência é necessária para manter o sistema financeiramente sustentável", diz estudo da entidade.

O Monitor de Proteção Social da OIT registra 37 casos de anúncios por governos de reformas para ajustar o regime de aposentadoria e reduzir custos no longo prazo. Em países como Brasil, Índia, Bulgária, Noruega, Senegal, Vietnã, Nigéria e Japão os anúncios de reforma visam a ajustar a idade de aposentadoria ou os requisitos para elegibilidade, nota a entidade.

No Brasil, os que contribuem para a Previdência Social alcançam 52,2% da força de trabalho. Os beneficiários de aposentadoria representam 78,3% da população acima da idade legal de aposentadoria (60/65 anos).

As despesas do Brasil com proteção social de idosos alcançam 9,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Incluem unicamente os gastos com aposentadoria e outros benefícios para idosos, sem levar em conta gastos com saúde.

Por sua vez, as despesas em proteção social em geral representam 18,3% do PIB no país, superiores às de Canadá, EUA, México, Chile e Uruguai, por exemplo. Cobre proteção social para crianças e pessoas em idade ativa (licença-maternidade, seguro-desemprego, acidente do trabalho etc.).

"O Brasil é um país com um sistema de proteção social entre os mais avançados na América Latina, com indicadores acima da média regional", diz Fabio Duran-Valverde, responsável da unidade de finanças públicas e estatísticas da OIT.

"É um país que tem desenvolvimento integrado, pois sua legislação inclui todos os diferentes ramos da seguridade social, mas, como muitos outros países no mundo, enfrenta desafios."

O representante da OIT menciona a necessidade de extensão da cobertura da proteção social para alcançar plenamente o objetivo da universalidade, algo já alcançado na Argentina, por exemplo.

Outro desafio, segundo Valverde, é ajustar os parâmetros do sistema de Previdência (idade da aposentadoria, anos de contribuição, nível de benefício, taxa de contribuição, fórmula de cálculo), para equilibrar custos e dar-lhe sustentabilidade no longo prazo.

Ele observa que, pela convenção 102 da OIT, a idade de aposentadoria aos 65 anos é considerada normal. Reformas para aumentar a idade devem estar justificadas por condições de longevidade e "aplicação gradual sem afetar abruptamente as expectativas das pessoas".

Hoje, 68% das pessoas idosas no mundo têm uma aposentadoria, mas o benefício é insuficiente, segundo a OIT.