Valor econômico, v. 19, n. 4597, 26/09/2018. Especial, p. A14
Candidato passam ao largo de pontos-chave do comércio
Daniel Rittner
26/09/2018
Os programas de governo dos principais candidatos à Presidência da República falam muito em acordos bilaterais, na área de comércio exterior, mas praticamente ignoram temas-chave para a melhoria do ambiente de negócios e para a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.
Questões como financiamento às exportações, eficiência dos procedimentos aduaneiros e mecanismos de defesa comercial contra importações desleais passam ao largo das propostas, conforme demonstra análise feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com base nos documentos divulgados pelas campanhas.
Mesmo nos pontos abordados pelos presidenciáveis, faltam metas claras aos programas de governo, que tratam os assuntos de comércio exterior de forma "genérica e limitada", segundo o diretor de desenvolvimento industrial da CNI, Carlos Abijaodi.
"À exceção de um ou dois programas, os documentos são pouco detalhados e não esclarecem as verdadeiras intenções dos candidatos e seus auxiliares nessa área. A impressão geral é de que quiseram dar um recado, dizer que não se esqueceram do comércio exterior, mas sem diretrizes que apontem minimamente o que esperar do futuro governo", lamenta o diretor.
Abijaodi chama atenção para o fato de que, em meio à escalada protecionista deflagrada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, não há uma linha sequer sobre seus reflexos para o Brasil. "No momento em que todos tentam proteger seus mercados, é importante saber como podemos blindar a indústria contra desvios de comércio", afirma o diretor.
A CNI entregou aos presidenciáveis uma proposta de agenda para o fortalecimento do sistema de defesa comercial. Há considerações sobre o uso de direitos antidumping, salvaguardas e medidas de compensação contra subsídios - mas o tema foi completamente ignorado nos programas.
Quanto aos procedimentos de exportação e importação, apenas três candidatos incorporam propostas do setor privado para reduzir tempo e custos aduaneiros, mas sem destaque ou detalhamento.
Os empresários querem implementação completa do Portal Único de Comércio Exterior e aprofundamento do programa Operador Econômico Autorizado (OEA).
Em média, enquanto a importação de uma empresa cadastrada como OEA levou menos de quatro horas para ser desembaraçada na chegada ao Brasil no ano passado, o tempo gasto para uma empresa "não OEA" chegou a 36,2 horas.
Por meio do programa, agentes da cadeia logística de comércio exterior - importadores, transportadores e agentes de carga - ganham prioridade na liberação de suas operações alfandegárias, mediante o cumprimento prévio de uma série de requisitos.
No geral, as propostas são superficiais ou difíceis de interpretar. Fernando Haddad (PT) fala em "constituir imposto regulatório" sobre as exportações com o objetivo de "estimular a elevação do valor agregado" de produtos vendidos ao exterior. Não diz como seria a aplicação do tributo.
Geraldo Alckmin (PSDB) se propõe a "abrir a economia" para que o comércio exterior chegue ao patamar de 50% do PIB - hoje está em 25% - e promete "usar a diplomacia para firmar acordos comerciais", o que é tido como excessivamente vago.
Alvaro Dias (Podemos) promete assinar dez acordos bilaterais e quatro acordos multilaterais até 2022, sem dar pista do que são e do que fazer para chegar lá.
Jair Bolsonaro (PSL) quer um "novo Itamaraty" e "foco no comércio exterior com países que agreguem valor econômico e tecnológico", além de promover a abertura comercial, "reduzindo as alíquotas de importação e barreiras não tarifárias".
Ciro Gomes (PDT) diz que pretende "racionalizar a estrutura tarifária das importações", conceder crédito do BNDES para empresas que cumprirem meta de exportação e usarem flexibilidades do acordo Trips para quebra de patentes de saúde, quando necessário.
Marina Silva (Rede) fala em "modernizar e eliminar as barreiras do Mercosul", "avançar na relação com a Aliança do Pacífico", "concluir as negociações com a União Europeia", "desonerar exportações" e "redução de tarifas".
Apesar das omissões e generalidades nos atuais programas de governo, o diretor-executivo da Câmara de Comércio Internacional (ICC) no Brasil, Gabriel Petrus, considera que há avanços nítidos na comparação com as eleições anteriores. Para ele, com maior ou menor ênfase, todos os candidatos se comprometem desta vez com a abertura comercial. Petrus não vê problemas na superficialidade das propostas, o que considera ser "da própria natureza" de programas de governo, e ressalta esse aspecto.
"Pela primeira vez há uma visão comum, um reconhecimento tão manifesto de que o Brasil não pode mais continuar isolado do ponto de vista comercial. A divergência gira em torno de métodos", diz, notando que alguns candidatos dão prioridade aos acordos, enquanto outros admitem até uma redução unilateral de tarifas.
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Brasil é penúltimo em corrente de comércio
Marta Watanabe
26/09/2018
O Brasil tem a segunda menor corrente de comércio dentre 141 países que tiveram o dado divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade mede o tamanho da corrente de comércio - a soma das importações e exportações - em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Na classificação em ordem crescente da corrente de comércio em 2017, o Brasil ficou em segundo, com relação de 24,1% do PIB, atrás do Sudão, com 21,5%, e seguido por Argentina e Paquistão, com 25% e 25,8%, respectivamente. Para representantes de entidades de classe, o dado mostra a necessidade de que o próximo governo estabeleça uma política de Estado na área de comércio exterior.
O dado mostra o quão ainda é fechada a economia brasileira, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para ele, mudar isso requer o estabelecimento de uma política de Estado para o comércio exterior. "Hoje não existe uma política no setor externo. Se ela existir, o Mdic [Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços], por exemplo, passa a ter força para criar uma diretriz aos órgãos dos demais ministérios. Hoje esses órgãos atuam de forma descoordenada, com exigências que criam burocracia", diz ele. "É preciso também estabelecer metas que envolvam todos os órgãos."
Isso, diz Castro, ajudaria a criar uma cultura voltada ao comércio exterior entre as empresas. "As empresas brasileiras em sua maioria produzem para o mercado doméstico. Com exceção de poucas, elas só olham para fora quando há crise no Brasil."
"O dado da ONU mostra uma anomalia", diz José Pio Borges, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Ele defende uma mudança na política comercial brasileira, com medidas de liberalização do comércio que aumentariam a eficiência da economia, com melhora na produtividade e na competitividade.
O Cebri defende uma reforma das tarifas de importação como elemento central para um política de abertura comercial. A reforma, defende a entidade, daria maior racionalidade à estrutura de proteção da indústria. A mudança seria anunciada com antecedência e implementada gradualmente no decorrer de quatro anos. Ou seja, no período de um mandato presidencial. A proposta de reforma faz parte das sugestões para uma política de comércio exterior que o Cebri tem apresentado às equipes econômicas dos principais candidatos à Presidência, diz Borges.
A proposta do Cebri para a reforma inclui redução de tarifas de importação, com alíquota máxima de 15%, simplificação da estrutura de cobrança, redução de custo das importações de bens de capital e intermediários com impactos relevantes na produtividade.
Borges diz que há mais de 20 anos o Brasil aguarda um processo de abertura comercial com redução de tarifas condicionado a uma abertura multilateral, por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC). "E todos nós sabemos o que está acontecendo com a OMC, sobretudo com Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos] se posicionando contra. O argumento de multilateralismo virou um álibi de setores protecionistas que não querem a abertura. Eles dizem que a abertura não pode ser orquestrada enquanto os acordos multilaterais não andarem. Isso não acontecerá nunca, e os maiores prejudicados somos nós mesmos."
O Brasil, defende Borges, deve fazer uma abertura autônoma, com processo gradativo de redução de tarifas. Com isso, diz ele, pode se iniciar uma negociação com todos os parceiros comerciais em busca de contrapartidas. Com a China, exemplifica, a redução de tarifas poderia ser negociada em troca de um aumento na cota de exportação pelo Brasil de carnes. A política de abertura, porém, defende, não deve ser precondicionada a isso.
A redução de tarifas é assunto polêmico. Castro, da AEB, diz que essa iniciativa é importante, mas só poderia ser aplicada após medidas que elevem a competitividade brasileira. Nesse sentido, diz, reformas estruturais, como a tributária, e a melhora da infraestrutura são essenciais.
As entidades convergem para a necessidade de se estabelecer uma política de Estado para o comércio exterior. Isso, avalia Borges, nunca foi tão importante para a retomada do crescimento e dos ganhos de produtividade no país. O momento, diz, é mais do que oportuno. As relações com a China e com o restante da Ásia, acredita ele, devem ser fortalecidas em razão do grande potencial de crescimento da região nos próximos anos.
"A guerra comercial da China com os Estados Unidos não é bem-vinda e já nos prejudicou com o caso do aço e do alumínio, mas cria outras oportunidades", diz Borges. Para ele, o quadro favorece o aumento de exportação de soja e de petróleo, por exemplo.