O globo, n. 31307, 25/04/2019. País, p. 6

 

Carlos, um filho fora da área de cobertura

Gustavo Maia

Jussara Soares

25/04/2019

 

 

Vereador passou feriado em clube de tiro sem atender ligações de Bolsonaro, que pediu ajuda de amigo para acalmá-lo

Desde que passou a tornar explícitos os ataques ao vice-presidente Hamilton Mourão, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC) não apenas ignorou os apelos para que interrompesse a artilharia virtual como tem se recusado a atender aos telefonemas do pai.

Carlos passou o feriado estendido da Semana Santa em um de seus destinos preferidos. O segundo filho mais velho de Jair Bolsonaro praticava disparos em um clube de tiro em Santa Catarina à medida que se agravava a crise deflagrada pela ordem do presidente, no último domingo, para retirar do ar um vídeo em que o ideólogo de direita Olavo de Carvalho fazia críticas a militares, publicado no canal do YouTube do chefe do Executivo.

Ao atender ao apelo da ala militar, ordenar a retirada do vídeo e dizer, em nota na segunda-feira, que as críticas de Carvalho “não contribuem” com o governo, Bolsonaro irritou o filho. Desde então, Carlos passou a não atender a ligações, e foi além. Dono das senhas dos perfis do pai, o vereador tem impedido o acesso do presidente à sua conta no Twitter, como informou a coluna de Guilherme Amado no site da revista Época. O perfil do presidente ficou três dias (entre a noite de domingo e a de ontem) sem publicar nada. Ontem à noite, um novo post cumprimentou um líder evangélico amigo da família.

Pistola .40

Durante o feriado, Bolsonaro chegou a pedir ajuda a um amigo da família de longa data para tentar acalmar o filho. Outro interlocutor próximo do vereador também relatou dificuldade de manter contato com o parlamentar nos últimos dias, apesar de Carlos estar ativo nas redes sociais.

O Clube e Escola Tiro .38 fica em São José, na Grande Florianópolis, e é frequentado por Carlos e pelo irmão Eduardo (PSL-SP), deputado federal.

A rotina de Carlos no local foi compartilhada nos perfis nas redes sociais do clube e do proprietário, Tony Eduardo. Em um vídeo publicado pelo Clube 38, é possível ver o vereador fazendo quatro disparos em direção a um alvo com uma pistola .40. Já em outro, divulgado pelo empresário, Carlos é presenteado com uma faca artesanal, de modelo Hunter e personalizada com o seu nome e sobrenome.

Ontem, ele já estava de volta ao Rio para dar expediente na Câmara de Vereadores, após o feriado prolongado da Semana Santa e de São Jorge. Na internet, continuou os disparos sem tréguas a Mourão. Ele começou o dia afirmando que o vice tem “alinhamento com políticos que detestam o presidente”, compartilhando uma notícia em que Mourão presta solidariedade ao exdeputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), quando este decidiu renunciar e sair do país por se sentir ameaçado.

Carlos seguiu o dia republicando notícias e comentários críticos ao vice. À noite, divulgou um vídeo com o título “General Mourão: o traidor?”. Entre a noite da última segunda-feira e a noite de ontem, apenas uma entre 14 publicações feitas por Carlos em seu perfil no Twitter não tinha como alvo o vice-presidente.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, o deputado federal Eduardo Bolsonaro saiu em defesa do irmão e de Olavo de Carvalho. Segundo Eduardo, “o que causa ruído são as declarações do vicepresidente”, em referência às vezes em que Mourão manifestou posições diferentes das de Jair Bolsonaro. Para Eduardo, seu irmão Carlos está apenas “reagindo a isso tudo que salta aos olhos”:

—Bolsonaro fala que é contra o aborto, ele fala que é favor. É uma opinião dele, mas, vice-presidente, a função não é dar opinião, ele já deu. Ele já apareceu neste tempo mais do que José Alencar, Marco Maciel, Itamar Franco e o Temer, que eram vices, somados.

Perguntado ontem sobre os ataques, Mourão disse que considera o assunto uma “página virada”.

—O que é que eu falei ontem? Quando um não quer, dois não brigam. Então esse assunto, vira a página —esquivou-se.

O vice-presidente foi lembrado que Jair Bolsonaro pediu na terça um “ponto final” naquilo que o Planalto classificou como uma “pretensa discussão” entre os dois. Na mesma linha do que havia dito na noite anterior, Mourão evitou opinar sobre que medidas o presidente deveria tomar diante das declarações do filho contra ele:

—Eu acho que pai e filho é pai e filho, não tem essas desavenças, né? Vamos aguardar, gente. Falei ontem a frase da minha mãe: dê tempo ao tempo.

Opinião do GLOBO

Problema maior

O ATAQUE de filhos ao vice-presidente Hamilton Mourão deveria preocupar o presidente Bolsonaro. Não se trata de um problema em família, porque o que está em jogo é a governabilidade.

SE HÁ um fator de instabilidade dentro da casa do presidente, entendimentos e decisões tomadas pelo chefe da família terminam sendo afetados. Logo quando Jair Bolsonaro precisa de credibilidade para atuar nos entendimentos sobre a reforma da Previdência.

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Maia arquiva pedido de impeachment de Mourão

Eduardo Bresciani

25/041/2019

 

 

Ação foi protocolada por Marco Feliciano, vice-líder do governo

Os disparos contra o vice-presidente Hamilton Mourão nos últimos dias não vieram apenas do vereador Carlos Bolsonaro. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rejeitou pedido de impeachment contra Mourão. A ação foi protocolada pelo vice-líder do governo Marco Feliciano (PODE-SP). A decisão de Maia já foi lida em plenário.

No pedido, o deputado Marco Feliciano acusava Hamilton Mourão de conspirar contra o presidente Jair Bolsonaro. Como elementos da acusação, ele citou que o vice “curtiu” nas redes sociais publicações críticas a Bolsonaro e o convite de um instituto americano para uma palestra de Mourão no qual o vice-presidente é chamado de “voz da razão e moderação” do governo.

O argumento jurídico para a negativa é que não há previsão legal de processo por crime de responsabilidade contra o vice-presidente. O entendimento da área técnica é que somente seria possível um processo por algum ato realizado por Mourão no exercício da Presidência. No passado, pedidos semelhantes feitos contra o então vicepresidente Michel Temer foram negados sob o mesmo argumento.

Na decisão, Maia destaca não haver previsão legal de prática de crime de responsabilidade por vice-presidente. O presidente da Câmara afirmou que, embora o artigo 52 da Constituição permita “vislumbrar, em tese, a compatibilidade com a ordem jurídica nacional da definição de crimes de responsabilidade cometidos pelo Vice-Presidente da República em razão de atos praticados nessa exclusiva condição, ou seja, fora do exercício da Presidência da República”, não há lei que tipifique condutas deste tipo.