O globo, n. 31305, 23/04/2019. País, p. 4

 

Mal-estar com militares

Jussara Soares

Gustavo Maia

23/04/2019

 

 

Após publicar vídeo, Bolsonaro diz que falas de Olavo de Carvalho não ajudam o governo

Porta-voz diz que presidente é responsável por suas mídias sociais

Depois de abrir uma crise no Palácio do Planalto, ao publicar na internet um vídeo do ideólogo de direita Olavo de Carvalho com críticas aos militares que integram o governo, o presidente Jair Bolsonaro tentou ontem desfazer o mal-estar com a caserna.

Em uma nota curta, lida pelo porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, o presidente disse que as “recentes declarações” de Olavo contra integrantes dos poderes da República “não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento de objetivos propostos em nosso projeto de governo”.

No vídeo, publicado no perfil de Bolsonaro no YouTube na noite de sábado —e replicado por seu filho Carlos no Twitter —, o ideólogo diz que a última contribuição das escolas militares ao país foram as obras de Euclides da Cunha. Nas palavras de Olavo, “desde então, foi só cabelo pintado e voz empostada”. O guru dos bolsonaristas diz ainda que os “milicos” só fizeram “cagada” e “entregaram o país aos comunistas”. “E eles ainda vêm dizer que salvaram o país do comunismo”, disse. A peça foi compartilhada pelo vereador Carlos Bolsonaro com o título: “Olavo sempre foi Olavo”.

Gerenciamento da crise

Segundo um auxiliar do presidente, ainda no domingo, militares passaram a pressionar Bolsonaro para que fizesse uma declaração pública de que não concordava com as críticas do ideólogo de direita.

Na tentativa de não contrariar o filho Carlos, responsável por gerenciar suas mídias sociais, o presidente teria optado apenas por apagar “discretamente” o vídeo. Irritado com o pai, o vereador reagiu. “Começo uma nova fase em minha vida. Longe de todos que de perto nada fazem a não ser para si mesmos. O que me importou jamais foi o poder. Quem sou eu neste monte de gente estrelada?”, escreveu. De acordo com uma pessoa próxima à família, Carlos usou o termo “gente estrelada” para se referir às estrelas dos generais que ocupam cargos de comando no governo Bolsonaro.

Durante todo o dia de ontem, o Planalto foi questionado pela imprensa sobre a divulgação do vídeo. E, apesar da crise com o filho, Bolsonaro optou por desautorizar Olavo em nota.

Questionado sobre quem havia publicado o vídeo, o porta-voz do Planalto limitou-se a dizer que o presidente responde por todo o conteúdo publicado ou retirado de seus perfis e que determinou a exclusão daquele item após um “análise pessoal”:

— O presidente é responsável por todas as ações que são realizadas em suas contas de mídias sociais, e dentro dessas ações está a inclusão e a exclusão de qualquer dado. Então, o presidente é responsável também pela retirada de qualquer vídeo da sua conta social e assim vocês devem compreender que, obviamente, foi após análise pessoal dele.

A crise provocada pelo vídeo compartilhado por Bolsonaro ocorre no momento em que as chamadas alas ideológica, integrada por aliados de Olavo, e militar, formada pelos generais da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Santos Cruz (Secretaria de Governo) e o vice Hamilton Mourão, disputam espaço.

Depois de paralisarem o Ministério da Educação nos últimos três meses, com disputas de cargos, os olavistas miram agora no ministro Santos Cruz, que se desentendeu com seguidores do ideólogo de direita e chegou a chamálo de “desequilibrado”. Desde então, Olavo tenta indispor o chefe da Secretaria de Governo com Bolsonaro. “Mostrem-me alguma declaração do general Santos Cruz falando mal de um inimigo do presidente Bolsonaro. Até agora só falou mal de amigos”, disse Olavo, no Twitter, no começo do mês.

"Se lixando"

O presidente se ampara nos militares desde a campanha, mas também franqueou parte considerável do governo aos seguidores de Olavo de Carvalho.

Enquanto o Palácio do Planalto divulgava ontem a nota de Bolsonaro, com críticas a Olavo, o filho do presidente defendia o guru no Twitter. Para Carlos Bolsonaro, “desprezar” as falas de Olavo seria uma postura de quem estaria “se lixando para os reais problemas do Brasil”.

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Disputa entre grupos do Planalto está exposta

Paulo Celso Pereira

23/04/2019

 

 

As críticas, públicas ou privadas, de vice-presidentes a iniciativas do governo não são incomuns. José Alencar foi um vice de lealdade exemplar ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso não o impediu, no entanto, de ter promovido uma cruzada contra as taxas de juros estabelecidas pelo Banco Central, então comandado por Henrique Meirelles com cartabranca do Planalto.

Em meio aos protestos de 2013, a então presidente Dilma Rousseff propôs que fosse criada uma Constituinte exclusiva para a realização da reforma política. A ideia não durou 24 horas. Foi abatida prontamente pelo vice Michel Temer. Ainda assim, no ano seguinte, ele foi novamente convidado para seguir na chapa presidencial de reeleição. A ruptura entre os dois, consagrada na famosa carta de Temer, só veio em 2015.

A novidade trazida pelas divergências entre o vice Hamilton Mourão e o presidente Jair Bolsonaro é o fato de elas serem parte de um amplo conflito aberto entre dois grandes grupos que sustentaram a vitória nas eleições de 2018. De um lado, a “direita alternativa”, que tem como foco o debate ideológico. Do outro, a ala militar, que busca a implantação de um governo conservador funcional.

A liderança do primeiro grupo, que tem em Olavo de Carvalho o mentor intelectual, vem justamente da família do presidente, que por consequência acaba sendo o principal propulsor desse debate. Neste fim de semana, Bolsonaro chegou a publicar um vídeo, depois apagado, com ataques do ideólogo aos militares.

Não é à toa que boa parte das polêmicas criadas por Bolsonaro desde que chegou ao Planalto surge nas redes sociais. Foi na internet que seu grupo conseguiu implantar a disputa ideológica que o levou à Presidência, insuflando, como segue fazendo, ataques aos principais nomes dos poderes Legislativo e Judiciário.

Mourão, por sua vez, é o principal representante no governo —até por ser o único eleito —da ala conservadora com uma visão pragmática. O foco do grupo, boa parte de origem militar, é uma gestão que alcance resultados práticos de melhoria econômica e social a partir de uma perspectiva de direita. Não à toa, uma preocupação central dos militares do Planalto é com o risco de o modelo de confronto permanente defendido pela ala ideológica levar ao fracasso do governo —com prováveis repercussões de longo prazo sobre a imagem das Forças Armadas.

Hamilton Mourão não faz o gênero de Marco Maciel, que tinha na conciliação e na discrição suas principais marcas como vice de Fernando Henrique Cardoso. A guerra zombeteira entre ele e Olavo de Carvalho é apenas a face pública desse embate em que ambos os lados tentam reforçar dia a dia suas diferenças.