Título: A voz da democracia
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Fonte: Correio Braziliense, 19/08/2012, Mundo, p. 23
A Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reúne na quarta-feira para definir a situação do Paraguai ante o grupo, depois de o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) terem suspendido o país de ambos os blocos — em represália ao impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, em 22 de junho. Não deve haver consenso entre os 34 Estados-membros sobre a decisão a ser tomada, mas a expectativa é de que não haja sanções contra Assunção.
Em cúpula realizada em 10 de julho, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, pediu que a nação não fosse suspensa da organização, pois isso causaria impactos na economia nacional, prejudicando os paraguaios. O Brasil, porém, acredita que a instituição interamericana deveria levar em conta as medidas já adotadas por blocos sub-regionais. Isso significaria lembrar que tanto a Unasul quanto o Mercosul puniram o Paraguai, por considerarem uma ruptura da ordem democrática. O único ponto em comum entre os membros da instituição é o desagrado diante da retirada de Lugo do poder, feita em pouco menos de 48 horas.
Criada para promover a cooperação e a democracia, a OEA tem sido criticada por sua pouca credibilidade. Uma das "acusações" contra a instituição é a de que ela teria servido como a voz da hegemonia dos EUA na região. Em relação ao caso paraguaio, a falta de iniciativa em adotar uma medida clara que mostrasse a insatisfação com a destituição de Lugo comprovou a falta de unidade da organização. "Hoje em dia, é mais difícil do que nunca que todos os seus países cheguem a um consenso sobre determinado tema. Isso é, simplesmente, um reflexo dos caminhos divergentes tomados nas Américas; não apenas entre os EUA e a América Latina, mas também entre as nações latinas", disse ao Correio o presidente da organização Diálogo Interamericano, Michael Shifter. O fato de a OEA não parecer unificada, na visão de Paul Kellogg, pesquisador da Universidade de Athabasca (Canadá), se deve à afirmação cada vez maior dos interesses latino-americanos. "Essa falta de unidade expressa os desenvolvimentos reais dos países."
O Paraguai não quer esperar indefinidamente por um veredicto, mas, dificilmente, todos os integrantes das Américas entrarão em um acordo que tire o governo de Assunção do atual isolamento, em relação aos vizinhos. "A regra de consenso do bloco tem seus pontos fortes e fracos. Eliminá-la poderia enfraquecer ainda mais a organização. Contudo, se a OEA quer se tornar eficaz e com credibilidade, suas nações-chave — como os Estados Unidos e o Brasil — devem levar o grupo a sério e vê-lo como uma maneira de avançar seus interesses", ressaltou Shifter.
Enquanto o impasse se mantém, Insulza sugeriu a criação de uma missão do bloco para acompanhar os preparativos para as eleições presidenciais paraguaias, previstas para abril de 2013. "A missão é para assegurar o respeito às garantias necessárias, a fim de que todos possam competir em igualdade de condições", descreveu o secretário-geral, em julho. O presidente paraguaio, Federico Franco, concordou e convidou a OEA e a União Europeia a enviarem seus representantes a Assunção.
Futuro
Segundo Kellogg, a OEA deve ser superada em importância pelas organizações políticas regionais da América Latina e do Caribe. Ele cita a Unasul, a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). A Unasul, que abrange os países sul-americanos — exceto a Guiana Francesa — tem se articulado de maneira mais uniforme que a OEA ao tomar medidas políticas e diplomáticas, como no caso paraguaio. "A Celac, por sua vez, incorpora os Estados da América do Sul, da América Central, do México e do Caribe. Quando foi criada, em 2010, o então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "a região estava finalmente buscando a própria personalidade"", recordou o especialista canadense em América Latina. Ele concorda com o ex-mandatário: o desenvolvimento de uma "personalidade" regional é o que está por trás da evolução recente da OEA.
"Hoje em dia, é mais difícil do que nunca que todos os países da OEA cheguem a um consenso. Isso é, simplesmente, um reflexo dos caminhos divergentes tomados nas Américas" Michael Shifter, presidente da organização Diálogo Interamericano
Assunção deve recorrer a Haia
O Paraguai pode recorrer à Corte de Haia contra a sua suspensão do Mercosul, por sugestão do Partido Colorado, ao qual pertence o presidente Federico Franco. A facção recomendou que o governo tome a iniciativa "por motivos políticos e econômicos". Para os colorados, o bloco violou o Tratado de Assunção, o Tratado de Ouro Preto e os princípios da Organização dos Estados Americanos (OEA) — que têm cláusulas sobre a não interferência em assuntos internos dos outros países do grupo, bem como o respeito à soberania nacional.
No Congresso Nacional paraguaio, o foco dos debates será o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul. O documento, rejeitado pela Câmara dos Deputados, será discutido pelo Senado na sexta-feira. A data do debate foi confirmada pelo presidente do Senado, Jorge Oviedo Matto. Sondagens indicam que o pedido será novamente negado, por existir um repúdio generalizado ao presidente venezuelano, Hugo Chávez.
O ex-chanceler Luis María Ramírez Boettner comentou que "nunca é tarde para rechaçar o ingresso da Venezuela de Chávez no Mercosul". Os motivos para impedir a adesão do governo venezuelano são claros, segundo Boettner, membro do partido Colorado. "Em primeiro lugar, a democracia que o presidente Hugo Chávez exerce está muito longe de ser uma democracia, é uma ditadura. Em segundo lugar, a Venezuela não coincide com os princípios do Mercosul de ser um livre comércio", enumerou, citado pelo jornal paraguaio ABC Color. O Paraguai foi o único país do bloco cujo Congresso bloqueava a adesão da nação bolivariana. Com sua suspensão, os outros três membros conseguiram fazer a incorporação de Caracas.
Para o presidente uruguaio, José Mujica, o impasse paraguaio em relação à Venezuela e as divergências dos integrantes do Mercosul fazem com que o bloco tenha que se transformar. "Aquele Mercosul da década de 1990, nascido em pleno neoliberalismo, mudou. Hoje, temos uma crise institucional e é preciso flexibilidade", comentou Mujica na última semana para o jornal La Republica. (TL)