Valor econômico, v. 19, n. 4592, 19/09/2018. Política, p. A7

 

PF quer coibir 'bancada do crime' no Congresso

Luísa Martins

Marcelo Ribeiro

Isadora Peron 

19/09/2018

 

 

A Polícia Federal (PF) vai atuar para impedir a formação de uma "bancada do crime" no Congresso Nacional, informou a jornalistas o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. A partir de um grande cruzamento de dados, a iniciativa busca identificar se determinado candidato foi financiado pelo crime organizado ou se sua eleição foi garantida mediante coação do eleitorado por parte de facções criminosas.

"No nosso modo de entender, temos de impedir a formação de uma bancada do crime e, se por acaso essas pessoas vierem a se eleger, temos que cassá-los e puni-los. Não há lugar para criminoso ou para facção criminosa na soberania popular", disse ontem o ministro, após sair de uma reunião com a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os dados levantados serão encaminhados à Justiça Eleitoral. Com base nessas informações, serão ou não instaurados procedimentos habituais de investigação, que podem incluir oitiva de testemunhas e quebras de sigilo telefônico e bancário, por exemplo. Caso se comprove a ligação do candidato com o crime organizado, caberá ao Ministério Público Eleitoral (MPE) o oferecimento de denúncia.

Jungmann citou, por exemplo, o caso das milícias em comunidades do Rio de Janeiro. "Você tem entre 800 e 830 comunidades no Rio onde você tem a influência, quando não o controle, do crime organizado. Ou seja, são 1,7 milhão de pessoas vivendo em regime de exceção. Quem tem controle do território também tem o controle do voto, obrigando a comunidade a votar no seu representante", disse.

"Vamos procurar identificar onde se dá essa articulação entre crime organizado e candidatos. O segundo filtro é continuar o processo legal, tomando medidas nas esferas judicial e eleitoral para cassar esses que indignamente e ilegalmente se tornaram representantes do povo", completou o ministro.

Em outra iniciativa, Jungmann informou que a PF vai inaugurar em breve um Centro de Controle de Coordenação de Inteligência, que irá monitorar em tempo real, no dia das eleições, onde estão ocorrendo possíveis conflitos - o que inclui o acompanhamento, por sistema de GPS, de cada candidato à presidência. O sistema, cuja criação está ligada ao ataque sofrido pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL), começará a operar a sete dias do primeiro turno, marcado para 7 de outubro.

Sobre o atentado, o ministro confirmou que a PF poderá abrir uma nova frente de investigação sobre o atentado, para investigar se o autor da facada, Adelio Bispo Oliveira, agiu a mando de terceiros. Bolsonaro foi agredido no dia 6 de setembro e está internado desde então no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Em cerca de 15 dias, a PF deve concluir o inquérito completo sobre as circunstâncias de autoria e materialidade da agressão. "O que tem de se fazer, metodologicamente, é responsabilizar diretamente o executor e, se indícios apontarem com segurança na direção de que existem outros mandantes, abrir um segundo inquérito", afirmou Jungmann. O ministro destacou, entretanto, que vários vídeos que circularam na internet após o atentado revelaram-se falsos após serem analisados pela polícia.

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'Meu projeto para o Brasil não é o do PT', afirma Ciro

Fabio Murakawa 

19/09/2018

 

 

Ameaçado pelo petista Fernando Haddad e pela consolidação dos votos de Jair Bolsonaro (PSL), o candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, buscará descolar sua imagem do PT e se colocar como a melhor opção "ao centro" para conquistar uma vaga no segundo turno da eleição.

Ontem, em evento na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, Ciro disse que seu projeto para o país "não é o mesmo projeto do PT".

"Nós estivemos [com o PT] juntos nos últimos 16 anos, e eu ajudei. Mas o projeto que eu advogo para o Brasil não é o mesmo projeto do PT", disse Ciro. "E eu quero muito ajudar [...] a população brasileira a por um ponto final nessa crônica de violência odienta, de sectarismo, de radicalização política, que infelizmente está levando a nossa economia para o brejo."

Segundo o pedetista, "o preço mais amargo" dessa polarização é pago pelos pobres. "São 13,7 milhões de desempregados, 32,2 milhões empurrados para a informalidade, 63 milhões de brasileiros estão inadimplentes no SPC, humilhados", afirmou.

Horas depois, o núcleo da campanha de Ciro se reuniu para definir um rumo a seguir, diante do crescimento de Haddad nas pesquisas. Participaram, além do candidato, sua vice, Kátia Abreu, seu irmão Cid Gomes, candidato ao Senado, o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.

Uma das conclusões é que a partir de agora Ciro terá que apelar ao voto útil de eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede). Na visão grupo de Ciro, ambos viram diminuir as chances de desidratar a candidatura de Bolsonaro após o atentado que ele sofreu em Juiz de Fora, no dia 6 de setembro.

"Já esperávamos crescimento do Haddad nas pesquisas. O que não esperávamos era a facada", disse Lupi. "A facada mirou Bolsonaro, mas matou o Alckmin e a Marina."

Ciro também tentará tomar parte dos votos de eleitores do PT que temem uma derrota para Bolsonaro em segundo turno por conta da rejeição ao partido.

"Vamos tentar pegar o eleitor solto, que ficou órfão com a desidratação do Alckmin e da Marina", disse Lupi ao Valor. "E queremos ganhar o voto do petista Lúcido, que vê no Ciro possibilidade de vitória contra o candidato mais de direita. E do tucano sem plumagem, que vê no Ciro uma opção melhor do que o PT."

Alguns no grupo de Ciro acreditam ainda ser possível um segundo turno entre Ciro e o petista Fernando Haddad, caso ele consiga tomar alguns votos de eleitores "ainda não consolidados" de Bolsonaro que temem uma vitória do PT no segundo turno.

No evento na SBPC, Ciro irritou-se com a pergunta de um estudante sobre a alcunha de "Motosserra de Ouro" dada pela ONG Greenpeace a Kátia Abreu, em 2010.

Na defesa que fez da vice, ele disse que precisa ter "um olho na eleição e outro no dia seguinte" para governar o Brasil.

"Como é que vocês acham que eu vou revogar a emenda 95 [teto de gastos]? Eu e meus amigos? Eu e minha valentia política?", disse. "Desculpe, você é um jovem e não tem nenhuma razão para abrir mão da sua intransigência. Mas eu já sou sexagenário e estou me preparando para governar o Brasil. Alguma coisa eu vou ceder."

Ciro disse que a postura intransigente de Marcelo Freixo (Psol) e Haddad ajudou a eleger Marcelo Crivella (PRB) e João Doria (PSDB) prefeitos do Rio e de São Paulo, respectivamente, em 2016.

Sobre o apelido de "Motosserra de Ouro" dado a Kátia Abreu, Ciro atacou o Grenpeace. "Quem o Greenpeace pensa que ele é? Eu, Ciro Gomes, presidente do Brasil, vou ouvir o Greenpeace como ele é: uma ONG que faz muito pouco contra a dizimação das florestas temperadas no mundo", disse. "Qual é a grande motosserra de ouro das florestas temperadas dos Estados Unidos? A quem o Greenpeace entregou isso? Não sejamos ingênuos."

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Para FHC, democracia e instituições não correm risco

Estevão Taiar 

19/09/2018

 

 

Mesmo com o acirramento das tensões políticas, a democracia e as instituições não estão ameaçadas neste momento, de acordo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "A democracia está enraizada aqui, o país é muito diversificado", disse ontem ao Valor após evento realizado na fundação que leva seu nome, em São Paulo (SP), para debater os 30 anos da Constituição de 1988.

Para FHC, o principal risco agora é de uma continuação da piora das condições de vida da população. "A democracia funciona de maneira pior ou melhor, depende da liderança, das condições econômicas sociais. Esse é o risco: de haver um processo de deterioração das condições de vida do povo brasileiro", disse.

Durante o debate, ele pediu a palavra para afirmar que o próximo presidente precisará de "liderança" para conquistar "coesão" e lidar com um "Congresso oligárquico".

Os participantes do debate, no entanto, foram mais pessimistas e afirmaram que há algum risco às instituições. O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, foi alvo de críticas. "Neste momento é o caso de voltarmos a olhar um pouco a questão militar", disse José Eduardo Faria, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, de maneira semelhante ao período que antecedeu a ditadura, é necessário "saber de novo" quem forma a cúpula das Forças Armadas e "perceber que há riscos em potencial".

Já Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, afirmou que é preciso "ser radicalmente anti qualquer coisa que o Bolsonaro fala". Por sua vez, Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da USP, disse que a Constituição está segura neste momento, mas pode acabar ameaçada se "aquele candidato que prefiro não nomear" for eleito.