Valor econômico, v. 19, n. 4618, 26/10/2018. Política, p. A5

 

Bolsonaro cai e vantagem, em votos válidos, é de 12 pontos percentuais

Maria Cristina Fernandes 

26/10/2018

 

 

Numa reta final marcada pela radicalização do discurso de Jair Bolsonaro, o candidato do PSL viu sua vantagem sobre Fernando Haddad (PT) se reduzir de 18 para 12 pontos percentuais, em votos válidos. Segundo o Datafolha, Bolsonaro tem 56% e Haddad, 44%. A queda de seis pontos percentuais deu-se no período em que Bolsonaro ameaçou, se eleito, prender seu adversário, foi repreendido pelo Supremo Tribunal Federal por vídeo em que seu filho banalizava o fechamento do Supremo Tribunal Federal, e tornou-se alvo de investigações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Procuradoria-Geral da República (PGR) por impulsionamento ilegal por WhatsApp.

Em viagem à Europa desde o final do primeiro turno, Ciro Gomes (PDT) é aguardado hoje para anunciar seu apoio a Haddad. Mas o prazo curto que resta para a campanha pode dificultar a transferência dos seus 13,3 milhões de votos (12,4%). Ao longo do segundo turno, Haddad viu frustrados seus planos de formar uma frente pela democracia com a qual esperava reverter a vantagem de Bolsonaro no primeiro turno. Esbarrou na resistência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, principalmente, na do candidato do PDT. Além do Psol, de Guilherme Boulos, Haddad só contou com o apoio formal da candidata do Rede, Marina Silva, que recuou de sua posição inicial de neutralidade. Somados, Boulos e Marina tiveram 1,6 milhão de votos (1,6% do eleitorado).

Se eleger Jair Bolsonaro, o Brasil entrará no clube majoritário de nações com presidentes de direita eleitos pelo voto popular numa América Latina assolada por crise econômica e violência do narcotráfico. Chile (Piñera), Colômbia (Duque), Paraguai (Benitez), Peru (Vizcarra), Argentina (Macri) e Equador (Moreno) hoje são governados por coalizões de centro-direita. O México (Obrador), é a maior exceção do continente, seguido por Bolívia (Morales), Venezuela (Maduro) e Nicarágua (Ortega), que ainda mantêm governos de coalizões lideradas pela esquerda. Uma vitória de Bolsonaro levaria ainda o continente a espelhar, ao sul, a vitória eleitoral de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a compor com o Reino Unido (May), Hungria (Orbán), Áustria (Kurz) e Polônia (Morawiecki) a mancha da direita mundial.

O eleitor também volta às urnas para escolher o governador em 14 das 27 unidades da federação. No primeiro turno, PT e PSB empatam com o maior número (3) de governadores eleitos. No segundo, o PSDB é o partido que disputa a maior número de Estados (6), seguido pelo PSB (4). O PSL de Bolsonaro ainda tem chance de fazer três governadores (SC, RR e RO) e o PT, mais um (RN). O estreante Novo pode chegar ao governo de Minas Gerais, derrotando o tucano Antonio Anastasia. Segundo o Datafolha, a vantagem de Romeu Zema (Novo) é de 30 pontos percentuais em votos válidos.

A mesma pesquisa trouxe empate técnico entre João Doria (PSDB) com 52% e Márcio França (PSB), com 48% dos votos válidos. Se Doria for derrotado, o PSDB pode ficar de fora dos dois maiores Estados da federação. O desempenho do ex-governador paulista Geraldo Alckmin na campanha presidencial, a redução da bancada tucana de São Paulo na Câmara de 13 para apenas cinco deputados, e a ascensão do Rio Grande do Sul de Eduardo Leite, como o principal reduto tucano do país, ameaçam a hegemonia paulista sobre o que resta do PSDB.

O DEM disputa no Rio seu principal segundo turno mas, segundo o Datafolha, Eduardo Paes ainda tinha uma desvantagem de oito pontos percentuais nos votos válidos em relação ao estreante Wilson Witzel (PSC).

O fortalecimento de bancadas conservadoras no Congresso favorece uma maior convergência com o candidato do PSL do que com o postulante petista, como já disse o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reeleito pelo DEM do Rio de Janeiro e candidato a manter o cargo na mesa. A Câmara dos Deputados terá um número recorde de partidos (30) mas a cláusula de barreira vigente imporá uma redução para 16 legendas. A fragmentação da Câmara tende ainda a ser mais reduzida com a entrada em vigor, a partir das próximas eleições, do fim das coligações.

A composição do Congresso facilitará a aprovação de projetos das bancadas da bala, do boi e da bíblia. Propostas como a reforma da Previdência exigem maioria constitucional de 308 votos que nenhum dos finalistas exibe. Se eleito, no entanto, Bolsonaro poderá dobrar o número de parlamentares de seu partido, compor com facilidade maioria simples na Casa (257 deputados) e negociar maioria constitucional em votações pontuais.

A disputa que se encerra neste domingo ruma para reverter dogmas eleitorais estabelecidos ao longo dos 30 anos da redemocratização. O desencanto das últimas disputas deu lugar ao maior engajamento de eleitores desde a campanha de 2002. A ascensão de um ex-capitão da reserva levou militares da reserva não apenas a postos chave do eventual governo Jair Bolsonaro como a liderança de disputas estaduais (Santa Catarina e Rondônia) e a bancadas inéditas nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional.

A campanha de 2018 também pôs fim à hegemonia televisiva na propaganda eleitoral. Tanto a corregedoria-eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quanto a Procuradoria-Geral da República acataram representações para abrir investigação por uso ilegal de redes sociais pelo candidato do PSL e ao impulsionamento por robôs de notícias falsas. Com as restrições impostas ao Facebook, maior rede mundial, depois da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, o WhatsApp acabou por se constituir no principal veículo de disseminação de propaganda ilegal. A rede tem 120 milhões de usuários num país com colégio eleitoral de 141 milhões.

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Para especialistas, redes pautaram debate eleitoral

Gustavo Brigatto 

26/10/2018

 

 

Que as redes sociais e as notícias falsas teriam um papel de protagonismo na eleição de 2018 não havia nenhuma dúvida. Mas, com a disputa chegando aos seus momentos finais, o fato que surpreendeu quem acompanhou o dia a dia das redes foi a influência e o volume de informações que circularam por elas. Principalmente no WhatsApp.

"Tivemos que adaptar nosso trabalho. Vimos que não dava pra monitorar tudo em tempo real por conta do volume de mensagens e passamos a fazer a coleta de dados só na hora da análise", disse Amaro Grassi, pesquisador do Departamento de Análise de Políticas Públicas da FGV (FGV/Dapp), que monitora informações do Twitter, Facebook, Instagram e YouTube. Segundo ele, três assuntos dominaram as conversas ao longo da disputa: economia (em torno de desemprego e impostos), corrupção (com acusações ou como bandeira de campanha dos candidatos) e a segurança pública.

Na avaliação de Grassi, a dispersão entre diferentes redes foi uma das grandes diferenças das conversas em 2018 na comparação com 2014 - a primeira eleição em que as redes tiveram um papel importante no processo eleitoral. "Na última semana, vídeos relacionados ao Fernando Haddad e ao Jair Bolsonaro somaram 118 milhões de visualizações no YouTube. E a maior parte disso material produzido ou capturado pelos próprios eleitores", disse.

O efeito dessa grande movimentação foi a "captura" do debate. Isso significa que foram os temas abordados nas redes por muitas vezes que direcionaram o trabalho da imprensa - que, tradicionalmente tinha o papel de pautar as discussões. "A mediação deixa de ser da imprensa e passa para as pessoas", disse Sérgio Denicoli, diretor da AP/Exata, de inteligência em comunicação digital. No processo, a propaganda eleitoral na TV, que sempre foi considerada o 'santo graal' da política nacional ao dar visibilidade aos candidatos e às suas propostas, teve uma influência mínima para a maioria dos eleitores.

Para Denicoli, as campanhas de Bolsonaro e de João Doria foram as que melhor souberam se aproveitar desse novo cenário ao agir de forma rápida para produzir "vacinas", ou argumentos que seus apoiadores pudessem usar para rebater críticas feitas por seus adversários. "O Mourão falava alguma coisa e o Bolsonaro logo fazia uma live para desautorizar. Já o PT dormiu no ponto na história do 'kit gay' e esperou a imprensa dizer que isso nunca existiu", disse. "O que funciona na rede é o que gera discussão, controvérsia."

Sob esse contexto, a divulgação de notícias falsas ganhou destaque ao ajudar a moldar as narrativas e fortalecer crenças e opiniões. A discussão sobre a influência disso na hora de decidir em quem votar, no entanto, ainda precisará ser estudada. Para ele, o efeito inegável da divulgação de fake news falsas é o empobrecimento da discussão, que sai do campo das propostas e vai para o dos ataques e das ofensas.

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Fake news anti-PT alcançam um terço do eleitorado

Ricardo Mendonça 

26/10/2018

 

 

Uma pesquisa da empresa Atlas Político sobre eficácia de fake news mostra que mais de um terço do eleitorado afirma acreditar em duas notícias falsas contra o PT recém-divulgadas: a do chamado "kit gay" e a de um pagamento milionário a veículos de imprensa em troca de apoio político.

No estudo, eleitores foram provocados a dizer se acreditavam que o Ministério da Educação criou um "kit gay" durante os governos petistas. O maior grupo (45%) disse não acreditar nisso. Mas 36% afirmaram que confiam na história. Só 4% nunca ouviram falar do assunto. Outros 15% não responderam.

A notícia falsa do "kit gay" foi distribuída por vídeos, fotos e textos que atribuem ao presidenciável Fernando Haddad (PT) a criação de um material assim para crianças de seis anos, quando era ministro da Educação (2005-12).

Trata-se de uma distorção de um projeto chamado Escola sem Homofobia, parte programa Brasil sem Homofobia promovido pelo governo em 2004. O projeto era dirigido à formação de educadores, conforme verificação do serviço Fato ou Fake, um esforço de veículos de imprensa que atuam para desconstruir notícias mentirosas. Não havia previsão de distribuição a alunos. E o programa, no fim, sequer chegou a ser adotado.

O Atlas também perguntou aos entrevistados se acreditavam que a revista "Veja" e o jornal "Folha de S. Paulo" haviam recebido R$ 600 milhões para apoiar o PT, acusação sem provas e rechaçada no meio. Uma denúncia genérica sobre pagamento de R$ 600 milhões foi feita pela então candidata Joice Hasselmann (PSL-SP), depois eleita deputada federal.

Resultados: 35% disseram acreditar na notícia falsa; 36%, não. Nesse caso, 13% disseram ignorar o assunto; 17% não responderam.

Controlado pelo pesquisador Andrei Roman, o Atlas Político fez 2.000 entrevistas em 23 e 24 de outubro. A margem de erro é de dois pontos. A coleta foi feita por meio de uma plataforma digital da própria empresa. Investigações desse tipo, feitas pela internet, são comuns no exterior, diz Roman. Mas têm limitações, conforme outros estatísticos. Além de só alcançar quem tem acesso à rede, tende a ser respondida por pessoas mais engajadas no debate político.

Roman diz que o estudo foi financiado pelo Atlas. Afirma ainda que não trabalha para partido ou candidato atualmente. No primeiro turno, disse, foi contratado para monitorar redes sociais para a então candidata Marina Silva (Rede).