O globo, n. 31306, 24/04/2019. País, p. 6

 

Petistas evitam comemorar decisão do STJ

Daniel Gullino

Eduardo Bresciani

Gustavo Maia

Natália Pprtinari

24/04/2019

 

 

Nem redução da pena para oito anos e dez meses animou correligionários do ex-presidente, que voltaram a apontar processo como caso político. Parlamentares de campos opostos dizem que há amplo direito de defesa

A decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de confirmar ontem, em terceira instância, a condenação do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá, deixou petistas inconformados. Nem o fato de os ministros terem recalculado a pena do ex-presidente, reduzindo de 12 anos e um mês de prisão para oito anos, dez meses e 20 dias, animou os aliados de Lula, que tem chance de deixar a prisão em setembro. Entre parlamentares da oposição, a decisão também não foi comemorada.

Líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS) disse que o partido defende a nulidade do processo:

— Não é um tema a ser comemorado. A única questão é o reconhecimento da pena exagerada, o que reforça nosso argumento sobre as questões políticas desse processo.

Pimenta acredita que a defesa deve acionar o Supremo Tribunal Federal (STF):

— Vamos, naturalmente, recorrer ao STF porque há questões constitucionais, como a presunção da inocência, a jurisprudência sobre a dispensa da prova de um ato de ofício, o peso excessivo dado à palavra do delator. Essas são questões que o STJ não examinou e nós queremos, no mérito, a declaração da nulidade do processo.

"Abusos claros"

Para o líder do partido no Senado, Humberto Costa (PE), a decisão mostrou que Lula foi vítima de “abusos claros” nas instâncias inferiores:

— Consideramos que não houve reparação nem a realização da Justiça porque o correto e justo seria a anulação do julgamento. Isso não aconteceu, e nós vamos continuar em busca dessa reparação para que Lula possa vir a ter um julgamento justo. O simples fato de ter havido uma redução da pena demonstra que, inclusive na dosimetria que foi aplicada na primeira e na segunda instância, houve abusos.

O senador Jaques Wagner (PT-BA) afirmou em uma rede social que considera ser “cedo” para comemorações e disse “aguardar a Justiça ser verdadeiramente feita e Lula ser inocentado”.

Já os adversários do expresidente adotaram o discurso de que é preciso respeitar a decisão da Justiça. Para o vice-presidente Hamilton Mourão, o julgamento não merece reparos.

— Decisão do Judiciário, a gente não comenta, né? É igual a árbitro de futebol — disse Mourão.

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), afirmou que preferia que a pena do ex-presidente fosse maior, mas ressaltou acreditar que o petista será condenado em outras ações penais:

— Se há o entendimento de que já se fez justiça e que tem direito a uma progressão (de pena), aí é uma avaliação do Judiciário. Acredito que o tempo de cumprimento de pena deveria ser maior. Mas aí é uma avaliação da Justiça. Outros processos estão em andamento e as penas certamente virão.

Para o senador Álvaro Dias (Pode-PR), o devido processo legal foi respeitado:

— Fica consagrado o fato de que o ex-presidente está tendo todas as oportunidades de defesa, apresentando todos os recursos possíveis e imagináveis, o que retira esse argumento estúpido de que se trata de um preso político.

Perguntas e respostas

1 - Lula pode ser solto imediatamente após a decisão do Superior Tribunal de Justiça?

Não. Ele ainda não cumpriu um sexto da pena pela condenação por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex. Pelo Código Penal, esse é o prazo mínimo para que um detento possa progredir para o regime semiaberto. Neste caso, o ex-presidente só poderia progredir para semiaberto ou domiciliar em setembro deste ano.

2 - O ex-presidente Lula pode voltar a disputar eleição?

É improvável. O petista está inelegível por oito anos após o cumprimento da pena, com base na Lei da Ficha Limpa. Como teve sua pena reduzida ontem, no caso do tríplex, para oito anos e dez meses, o ex-presidente, que tem 73 anos, ficaria sem poder se candidatar por 16 anos. Ou seja, Lula não pode aparecer nas urnas até 2034.

3 - Se for para o semiaberto, onde Lula poderia cumprir o restante da pena ?

A progressão para o regime semiaberto permite ao preso trabalhar de dia e dormir na cadeia. Em tese, Lula poderia permanecer em Curitiba e passar a noite na sede da Polícia Federal, onde está desde abril do ano passado. A expectativa, porém, é que ele cumpra a pena em domicílio. A casa do petista fica em São Bernardo do Campo (SP).

4 - Uma nova condenação no caso do sítio de Atibaia pode dificultar a saída de Lula?

Sim. Caso a condenação do petista seja confirmada pela segunda instância, que é o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), a Justiça pode pedir a execução da pena de imediato. Para que isso ocorra, porém, o TRF-4, responsável pela análise das apelações dos réus da Lava-Jato, teria que julgar o caso do petista até setembro.

5 - O julgamento da prisão em segunda instância no STF pode alterar a situação de Lula ?

No momento, não. Isso porque Lula teve a condenação mantida pela terceira instância, no caso o STJ. Uma mudança no entendimento do STF poderia ter efeito sobre o processo do sítio de Atibaia, se a condenação for mantida pelo TRF-4. Em fevereiro, Lula foi sentenciado no processo do sítio a 12 anos e 11 meses de prisão.

“Não é um tema a ser comemorado. A questão é o reconhecimento da pena exagerada, o que reforça nosso argumento sobre as questões políticas desse processo”

Paulo Pimenta (PT-RS), líder do PT na Câmara

“Outros processos estão em andamento e as penas certamente virão”

Major Olímpio, líder do PSL no Senado

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Um PT conflagrado ainda à espera do seu maior líder

Sérgio Roxo

24/04/2019

 

 

A redução da pena do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva terá pouco impacto no PT, num momento em que o partido sofre com divisões e patina na tentativa de estruturar uma oposição efetiva ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que venha a ser beneficiado em setembro com uma prisão domiciliar, o líder petista continuará com limitações para receber visitas e impedimento para participar de atos públicos e fazer viagens pelo país.

Lula não terá como exercer as suas principais qualidades: a oratória e a costura de alianças. Sem ele em campo, o PT continuará com problemas para aglutinar aliados para se contrapor a Bolsonaro.

O ex-presidente também encontraria praticamente as mesmas dificuldades que tem hoje para arbitrar as questões internas de seu partido. Apesar de participar de todas as decisões importantes graças à comunicação transmitida pelos advogados que o visitam diariamente na Polícia Federal em Curitiba, Lula não consegue atuar de maneira rápida no dia a dia.

Desde a eleição do ano passado, o PT enfrenta as divergências entre a sua presidente, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e o ex-ministro Fernando Haddad. Há uma divisão entre o grupo que defende o endurecimento de um discurso de esquerda, encampado por Gleisi, e outro favorável à ampliação da aproximação com setores de centro, defendido pelo ex-prefeito paulistano.

Em novembro, o partido elegerá uma nova direção. Gleisi pretende disputar um outro mandato à frente do PT, mas enfrenta resistência da CNB, a corrente majoritária da qual ela faz parte. Os governadores do partido também têm restrições ao nome da deputada paranaense. Em 2017, quando a legenda iniciou seu processo de eleição, Lula, em liberdade, entrou em campo, fez com que nomes que se colocavam como candidatos a comandar a sigla desistissem e bancou a escolha de Gleisi.

Agora, o petista tem insistido na atual presidente e vem afastando articulações em torno de outro nome para presidir o partido.

Receoso de que uma aceleração no julgamento no caso do sítio de Atibaia no Tribunal Regional Federal da 4ª Região possa jogar água nas suas perspectivas de deixar a prisão em setembro, Lula disse aos advogados que lhe transmitiram o resultado do julgamento acreditar que só ganhará a liberdade se houver “luta do povo, com o PT empunhando a bandeira do ‘Lula livre’”.