O globo, n. 31301, 19/04/2019. Sociedade, p. 19

 

Projeto de lei muda código florestal

Amanda Almeida

Daniel Gullino

Natália Portinari

Raphael Kapa

Renato Grandelle

19/04/2019

 

 

Flavio Bolsonaro quer liberar desmatamento em propriedades rurais

Alteração no Código Florestal proposta pelos senadores Flavio Bolsonaro e Marcio Bittar libera ruralistas da obrigação de preservar parte da vegetação nativa em suas propriedades. Para ambientalistas, aprovação do projeto poderia gerar “o maior desmatamento do planeta”. Uma alteração no Código Florestal pode provocar “o maior desmatamento do planeta”, de acordo com especialistas. A mudança, proposta pelos senadores Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC), revoga o quarto capítulo do Código Florestal, “Da área de reserva legal”, que prevê a preservação de vegetação nativa em propriedades rurais.

A justificativa é que essa parte do texto é um “entrave” que deve acabar para “expandir a produção agropecuária, gerar empregos e contribuir para o crescimento do país”.

Hoje, propriedades rurais na Amazônia têm reserva legal de 80%; no Cerrado, 35%; e em campos gerais e outras regiões do país, 20%. Caso o texto seja aprovado, esses percentuais de preservação obrigatórios serão extintos. O capítulo ainda trata de outros casos específicos.

— A proposta não abrange áreas de preservação permanente, como encostas de morros e nascentes de água, e, mesmo após sua aprovação, o Brasil ainda será o país que mais protege sua vegetação nativa no mundo. É possível transformar as riquezas naturais que Deus nos deu em desenvolvimento para a população e, ao mesmo, preservar o meio ambiente — afirma Flavio Bolsonaro.

Dinheiro "a explorar"

Os dois senadores dizem que estudos e prospecções revelam que a Amazônia “possuiu em valores de recursos naturais o montante de 23 trilhões de dólares a ser explorado, sendo 15 trilhões em recursos minerais metálicos, não metálicos e energéticos e oito trilhões na superfície, com a biodiversidade”. Por isso, para eles, “é urgente a conciliação profunda e permanente entre proteção do meio ambiente, crescimento econômico e geração de oportunidades para os brasileiros”.

A pesquisadora Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, critica o projeto:

— Infelizmente, é mais um grande equívoco. E essa foi, durante a votação do novo Código Florestal, uma das maiores pressões da bancada ruralista e do chamado Centrão.

O novo Código Florestal foi sancionado em 2012, substituindo uma versão anterior, de 1965. Ele regulamenta a exploração de terras e estabelece onde a vegetação nativa deve ser mantida. O texto dividiu ambientalistas, que apontaram retrocessos em relação à legislação anterior; e ruralistas, que defendem a lei.

—Não tem sentido questionar o Código Florestal, que foi aprovado no Congresso, porque isso lançaria o campo em uma insegurança jurídica. É um passo para trás, uma atitude impensada. Há uma parcela do agronegócio comprometida com a inovação e a tecnologia, que entende a importância de preservar as florestas, garantir a produtividade do solo e a qualidade da água —afirma Nurit Bensusan, assessora do Programa de Políticas e Direitos Ambientais do Instituto Socioambiental.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve um dos trechos mais polêmicos: a anistia a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de julho de 2008. A Corte também manteve o artigo que autoriza a redução de reserva legal de 80% para 50% em determinadas situações.

— A Reserva Legal hoje tem uma estratégica finalidade de banco genético, de estoque das chamadas madeiras de lei, estoque da biodiversidade. É um grande equívoco essa guerra declarada de um setor conservador do ruralismo brasileiro contra a Reserva Legal. É um absurdo para o país. Só as áreas de preservação permanente, que já foram reduzidas pelo Código Florestal, são insuficientes —completa Ribeiro.

Para Luís Fernando Guedes Pinto, pesquisador do Imaflora e membro do Observatório do Código Florestal, a proposta apresentada é “radical” e baseada em um “argumento frágil”.

— É possível que essa lei, em uma canetada só, provoque o maior desmatamento do planeta, comprometendo uma área maior do que a Alemanha. Hoje, o país tem 46 milhões de hectares de pastagem. É mais do que o triplo da área que a agricultura precisa expandir — afirma Guedes Pinto.

O pesquisador ainda lembra que, caso aprovada, a medida distancia o país de cumprir um compromisso firmado internacionalmente pelo Brasil no Acordo de Paris. A meta é zerar o desmatamento ilegal até 2030 e restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa.

Toby Gardner, pesquisador sênior do Instituto Estocolmo de Meio Ambiente, confirma que a imagem do país no exterior fica fragilizada.

—Quando você tem um país como o Brasil, que tinha orgulho de estar na frente até de países desenvolvidos e mostrava uma liderança nesse tema, tendo uma mudança que, em poucos anos, derruba tudo o que foi feito, fragiliza sua imagem no exterior. É muito difícil criar e desenvolver uma reputação, mas é muito fácil derrubar. E o trabalho de reconstruir vai ser muito mais complexo do que o feito em um primeiro momento — diz Gardner.

“É possível transformar as riquezas naturais que Deus nos deu em desenvolvimento para a população”

Flavio Bolsonaro, senador pelo PSL-RJ

“É possível que essa lei provoque o maior desmatamento do planeta, comprometendo uma área maior do que a Alemanha”

Luís Fernando Guedes Pinto, membro do Observatório do Código Florestal