Valor econômico, v. 18, n. 4487, 20/04/2018. Brasil, p. A3

 

Decreto vai regulamentar reforma trabalhista

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

20/04/2018

 

 

Deputado André Moura, líder no Congresso: "O governo fez sua parte no acordo"

O governo vai preparar um decreto para regulamentar pontos da reforma trabalhista. A ideia surgiu por conta da caducidade da atual medida provisória, editada em acordo com o Senado para mudar pontos polêmicos do texto e que foi utilizada também pela equipe econômica para reduzir impacto na arrecadação. A MP perde a validade na segunda-feira.

Segundo auxiliares do Palácio do Planalto, a iniciativa de elaborar um decreto para esclarecer pontos da lei surgiu quarta-feira, durante reunião entre técnicos da Casa Civil, do Ministério do Trabalho e o relator da reforma trabalhista na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), atendendo a demanda de entidades do setor de serviços.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, deu aval à elaboração do decreto, embora não tenha participado da reunião. O conteúdo do decreto ainda não foi definido, mas os técnicos voltarão a se reunir na próxima semana.

Marinho afirmou ao Valor que a decisão do governo, por enquanto, é de não fazer nenhuma MP ou projeto de lei para alterar a reforma, mas que pode elaborar um decreto, se isso der mais segurança jurídica para os empresários adotarem novas formas de contratação. "Na minha opinião, a lei é autoaplicável, mas a MP gerou dúvidas e, se um decreto ajudar a esclarecer, não tem problema."

O relator afirmou que não há chance de o decreto estabelecer regras para pagamento da contribuição previdenciária dos intermitentes, porque isso só poderia ser definido por lei, mas considera infundada a preocupação da equipe econômica em relação à perda de arrecadação. "Se os empresários sentirem segurança, vão contratar e milhões de novos trabalhadores passarão a contribuir."

O líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), confirmou que não haverá nova MP e disse que "o governo fez sua parte no acordo". Pesa nessa decisão a dificuldade que o Executivo tem enfrentado este ano para mobilizar seus aliados no Congresso - as sessões estão esvaziadas e o governo não consegue votar sua pauta - e a resistência dos deputados da base aliada a mudanças na lei em vigor desde 11 de novembro.

A atual medida provisória foi editada num acordo com o Senado. O governo queria que os senadores não alterassem o projeto, porque isso exigiria nova análise pela Câmara e atrapalharia a reforma da Previdência. Prometeu que as mudanças negociadas ocorreriam por MP.

Sem uma nova medida provisória, o governo espera mais estabilidade para que as mudanças na CLT produzam efeitos no mercado de trabalho, sem reabrir as discussões no meio da campanha eleitoral. A perda de validade, contudo, deve prorrogar ainda mais um debate sobre se todos os contratos de trabalho, inclusive os vigentes antes da sanção da lei, foram afetados pela reforma (como estabelecia a MP), ou se apenas os novos, após 11 de novembro.

A medida provisória também determinava que a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso só poderia ocorrer por acordo coletivo (sem a MP, passa a valer o acordo direto com o trabalhador) e alterava a fórmula de cálculo das indenizações por danos morais, que pela reforma será de acordo com o valor do salário do funcionário.

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Mudança tributária pode acelerar crescimento, diz Appy

Marta Watanabe 

20/04/2018

 

 

Mudanças na área tributária constam de uma agenda prioritária, seja com o objetivo de melhorar a eficiência da economia e acelerar a retomada da economia, seja com a adoção de mecanismos que evitem os grandes litígios. Essa é a síntese de ideias que foram discutidas ontem em evento sobre reforma tributária na Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), defende uma reforma tributária ampla. Para ele, uma reforma "fatiada" traz os mesmos custos políticos de uma reforma maior.

O atual sistema tributário, diz Appy, causa distorções na organização da estrutura produtiva e trata de forma diferente pessoas em mesma situação do ponto de vista econômico. Além disso, prejudica o sistema federativo do país, resultando num ambiente de "disputa fratricida" em vez de cooperativo.

O CCiF, destaca o economista, defende uma reforma tributária que inclui a substituição de cinco tributos - PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS - pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que seria cobrado no modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). A agenda da reforma tributária melhora a eficiência da economia, diz ele, e pode gerar acréscimo anual de 0,5% a 1% no crescimento do PIB num horizonte de dez anos.

A proposta estabelece uma transição de dez anos para o contribuinte e 50 anos para os Estados, para a distribuição de recursos. Ao fim de dez anos, os cinco tributos são eliminados e a alíquota do IBS é determinada de forma a manter a atual carga tributária. A arrecadação do IBS seria centralizada, com crédito amplo, com incidência não cumulativa sobre bens e serviços, inclusive intangíveis. O ressarcimento de créditos tributários em situações como exportação, por exemplo, teria prazo de 60 dias.

O IBS teria alíquota uniforme, diz Appy. "O fato de um setor ser menos tributado hoje não é motivo suficiente para alíquota menor no IBS. A redução da alíquota para qualquer setor implica em alíquota mais elevada para os demais."

Objetivo do IBS, defende o economista, é arrecadar. "Outros objetivos de políticas públicas podem ser alcançados de forma mais eficiente por meio de outros instrumentos, como recursos orçamentários."

Para Everardo Maciel, sócio da Logos Consultoria e ex-secretário da Receita Federal, uma reforma tributária deve assumir caráter estratégico, focalizando problemas específicos e deve se conectar às mudanças do mundo contemporâneo. Para ele, devem ser priorizados os procedimentos tributários.

O sistema atual, avalia Everardo, tem "enfermidades tributárias". Entre as "enfermidades curáveis" estão o ICMS e o PIS/Cofins com suas disfunções, além da discussão sobre a fronteira entre o ICMS e o ISS. Há, porém, diz ele, as "enfermidades tributárias graves", embora também curáveis, como os grandes litígios e as discussões conceituais, o burocratismo e o processo tributário atual.

Para as enfermidades graves, um dos caminhos, aponta o ex-secretário, é um novo modelo para a chamada execução fiscal. Na prática, a cobrança de tributos. Everardo defende uma execução de caráter estritamente administrativo, a cargo de um órgão especializado. O órgão, diz ele, poderia efetivar transações, parcelar dívidas, protestar títulos, penhorar bens e securitizar créditos, entre outros. Eventuais erros ou abusos do órgão, diz Everardo, não tiram a possibilidade de o contribuinte recorrer à Justiça.

Segundo Everardo, essa mudança demanda que duas propostas de emenda constitucional sobre processos tributários - PEC 112 e PEC 57 - prosperem para que uma lei ordinária possa regular o assunto.