Valor econômico, v. 19, n. 4615, 23/10/2018. Política, p. A8

 

Bolsonaro recrimina filho e se isenta de responsabilidade

Isadora Peron

Luísa Martins

Fernando Taquari

Carolina Freitas 

23/10/2018

 

 

As reações em relação às declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidenciável Jair Bolsonaro, sobre fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) continuaram ontem. Após quase 24 horas de silêncio, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, decidiu se manifestar. Também comentou o episódio o próprio Bolsonaro - que diz ter advertido o filho - e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que minimizou a situação.

Sem citar diretamente o episódio, Toffoli afirmou, em nota, que "o Supremo Tribunal Federal é uma instituição centenária e essencial ao Estado Democrático de Direito". "Não há democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo. O país conta com instituições sólidas e todas as autoridades devem respeitar a Constituição. Atacar o Poder Judiciário é atacar à democracia", acrescentou.

Outro ministro do STF que se manifestou publicamente foi Alexandre de Moraes. Também sem citar o filho do presidenciável, o ministro observou que mesmo com a estabilidade institucional trazida pelos 30 anos da Constituição, "temos que conviver com declarações débeis feitas de forma irresponsável por membros do parlamento brasileiro".

Para o ministro, a fala de Eduardo Bolsonaro é um crime que pode ser tipificado na Lei de Segurança Nacional por incitar a violência entre as Forças Armadas e as instituições civis - o que deve ser apurado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). "É inacreditável que em pleno século 21 tenhamos que ouvir tantas asneiras de quem representa o povo", disse.

Indicado para o tribunal pelo presidente Michel Temer, Moraes lembrou de uma frase do terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, de que o "preço da liberdade é a eterna vigilância", para justificar a defesa da democracia. "Nada justifica a defesa de fechamento de instituições republicanas com legitimidade institucional. Nem a ignorância justifica esse tipo de declaração", afirmou.

"Não se brinca com a democracia, com o Estado democrático de direito e a estabilidade institucional", afirmou ele, que classificou o período de 1964 a 1985 como ditadura militar e regime de exceção, diferentemente de Toffoli, que declarou preferir chamar de "movimento".

Reeleito deputado federal com quase 2 milhões de votos, Eduardo Bolsonaro disse que bastam "um soldado e um cabo" para fechar a Corte. A declaração foi feita em uma palestra em julho, mas o vídeo viralizou neste fim de semana. Após a repercussão negativa, Bolsonaro desautorizou a fala do filho. O próprio deputado voltou atrás e pedi desculpas pela declaração.

Entre os que repreenderam as declarações está o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia. "Prestes a ser encerrado mais um processo eleitoral, no mais longevo período democrático da história do Brasil, o desafio que se coloca é a preservação dos valores da democracia e da República", disse.

Já o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha minimizou o episódio e classificou como "superdimensionadas" as repercussões em torno do posicionamento do filho do presidenciável. Negando preocupação com a estabilidade da democracia, disse que as instituições estão "bem fortes, bem firmes e instituídas".

"Pouco importa quem será o presidente eleito [no domingo]. O ambiente democrático está estabelecido, com força. O Supremo tem total independência para decidir e, sobre as declarações que têm sido feitas, nitidamente não vi interesse de ameaça", disse, após participar de um evento no Rio de Janeiro.

Noronha disse ainda que não ouviu até o momento nenhuma declaração de Bolsonaro ou de seu opositor no segundo turno, Fernando Haddad (PT), que ameaçasse a democracia. Quanto à fala de Eduardo Bolsonaro, caracterizou como "imaturidade".

Ao ser questionado sobre riscos de um eventual golpe das Forças Armadas diante da proximidade entre Bolsonaro e os militares, Noronha disse que não é porque o candidato do PSL é militar que "vai criar ambiente de golpe no Brasil". Especificamente sobre o capitão reformado, Noronha disse que qualquer medida fora da Constituição, num eventual governo Bolsonaro, acarretará em impeachment.

"O que há é uma briga de versões [nos discursos eleitorais]. Assim como tem [gente com] medo de votar em candidato de origem militar, eu também teria medo de votar num candidato que apoia a ditadura da Venezuela, de Cuba. Olhando os dois lados, então, a democracia estaria ameaçada", disse.

Em entrevista a uma rede de televisão, o próprio Bolsonaro afirmou que "já advertiu o garoto" e que a responsabilidade sobre frases que sugerem o fechamento do Supremo deve ser atribuída inteiramente a seu filho.

"Ele já se desculpou. Isso aconteceu há quatro meses. Ele aceitou responder uma pergunta que não tinha nem pé nem cabeça e resolveu levar para o lado desse absurdo aí. Nós temos todo o respeito e a consideração com os demais Poderes, e o Judiciário obviamente é importante", disse o presidenciável. Filmado em sua casa, na Barra da Tijuca, afirmou que até "foi pesado" ao recriminar Eduardo.

"Fui pesado com o meu garoto. Quem fala isso tem que buscar um psiquiatra. E ele já assumiu a responsabilidade, se desculpou e, no que depender de nós, obviamente, isso é uma página virada na história", acrescentou.

Opositor de Bolsonaro, o petista Fernando Haddad ligou ontem para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A iniciativa do telefonema deu-se, segundo o petista, depois de FHC classificar como sinal de "fascismo" fala do filho do candidato do PSL. Na conversa, ambos teriam concordado que o capitão e seus aliados estão promovendo uma escalada de ataques às instituições e a democracia que, segundo conversaram, "está em jogo" (ver também página A7).

Apoiador de Haddad, o Psol protocolou ontem uma representação junto à Procuradoria-Geral da República contra Eduardo Bolsonaro. O partido pede que o Ministério Público Federal (MPF) instaure inquérito para apurar eventuais ilícitos e crimes praticados pelo deputado do PSL e sustenta que a declaração configura, "em tese, crime de ameaça e atentado contra a divisão de poderes". A PGR não tem prazo para decidir o que fazer com a representação.

Em nota, o Psol disse que se as declarações "fossem meras bravatas de um deputado federal já seriam sérias e preocupantes", mas que, no contexto da eleição - e reiteradas por membros da chapa e por coordenadores de campanha - "ganham contorno preocupante e supostamente criminoso".