O globo, n. 31300, 18/04/2019. País, p. 4

 

'Liberdade de expressão não é absoluta'

Gustavo Schmitt

Sérgio Roxo

Cleide Carvalho

18/04/2019

 

 

Dias Toffoli fala em ‘uso abusivo do direito’ quando alimenta ódio e intolerância

Em meio à polêmica sobre a abertura de um inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar ataques à Corte e a seus integrantes, o presidente do Tribunal, Dias Toffoli, disse ontem que “a liberdade de expressão não pode servir à alimentação do ódio e da intolerância”, o que seria “um uso abusivo desse direito”.

— Liberdade de expressão não é absoluta. As liberdades não são incondicionais. O Brasil é plural e tolerante, com respeito às diferenças —disse Toffoli, ao participar de uma palestra promovida pela Congregação Israelita Paulista, lembrando que, em 2004, o STF proibiu a publicação de um livro que promovia o antissemitismo.

Para o presidente da Corte, a Constituição está em perigo:

—A liberdade de expressão não pode servir à alimentação do ódio, da intolerância. (Esse) é um uso abusivo desse direito. Se permitimos que isso aconteça, colocamos em risco as conquistas da Constituição de 1988.

Na segunda-feira, a revista “Crusoé” e o site “O Antagonista” foram censurados pelo Supremo por supostamente terem publicado “fake news” sobre uma menção a Toffoli feita na delação do empresário Marcelo Odebrecht. O presidente do Supremo recebeu o codinome de “amigo do amigo do meu pai” num e-mail.

Anteontem, sete pessoas foram alvos de mandados de buscas e apreensões, determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, por ofensas ao tribunal. Um levantamento de postagens no Twitter na última semana, envolvendo somente duas hashtags, identificou 100.842 publicações feitas por 29.098 perfis com críticas e até xingamentos à cúpula do Judiciário brasileiro.

A análise, feita com auxílio do Laboratório de Estudos e Imagem de Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), levou em conta postagens que fizeram com que o STF entrasse no grupo de assuntos mais comentados da rede social. Foram contabilizados os ataques com o uso dashashtags #stf vergonha nacional e# dita toga.

Dentre as mais de 100 mil postagens com ataques ao STF, 900 tuítes trazem xingamentos como “corruptos” e “bandidos”. Esse tipo de ofensa foi produzido por 780 perfis.

Em muitos casos são publicações semelhantes às que embasaram a decisão de Moraes de determinar a busca e apreensão anteontem. Em seu despacho, ele cita postagens “com graves ofensas” à Corte, com “conteúdo de ódio e subversão da ordem”.

Críticas são pulverizadas

No caso de Isabella Trevisani, por exemplo, o ministro citou uma postagem de 23 de março em que ela escreve, sem usar hashtags: “STF Vergonha Nacional! A vez de vocês está chegando.”

No grupo analisado pelo GLOBO, uma publicação campeã de curtidas, feita em 15 de março, dizia que o Supremo “é o derradeiro alicerce da canalhice no Brasil”. Esse perfil tem 12,1 mil seguidores. Há também casos de pedido de fechamento do tribunal. “Cadê o cabo e o soldado”, indagou um perfil que se diz um dos fundadores do Movimento Brasil Conservador (MBC), em uma uma publicação à 1h41m da última terça-feira, em alusão à frase do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que bastariam dois militares para fechar o Supremo.

A postagem não é muito diferente da feita por Omar Rocha Fagundes, um dos alvos da operação da última terça-feira. Segundo o despacho de Moraes, em 16 de março, ele afirmou que o “Peru fechou a corte suprema do país”. “Nós também podemos! Pressão total contra o STF”, escreveu o ministro, citando a postagem feita por Fagundes.

— Está claro que não são só sete pessoas. Existem centenas, talvez milhares de perfis que fazem comentários agressivos e xingamentos contra o STF nas redes. Eu quero crer que exista critério na ação de busca. Talvez tenham pego uma pequena amostra de postagens recentes para ser didáticos, já que não podem fazer buscas contra milhares de pessoas — diz Pablo Ortelado, coordenador do monitor do debate político no meio digital da Universidade de São Paulo (USP).

Pedro Bruzzi, da start-up Arquimedes, que também faz monitoramento das redes, concorda:

— As críticas são bastante pulverizadas. Inúmeros perfis têm criticado o STF. Alguns com xingamentos.

Já Francisco de Brito Cruz, diretor do InternetLab, um centro de pesquisas sobre direitos na rede, critica a abertura do inquérito sobre os ataques nas redes e diz que o procedimento abre precedente para um cerceamento à liberdade de expressão.

— O mais radical nessa decisão do Alexandre de Moraes é o bloqueio das contas (nas redes sociais dos investigados). Qual é o embasamento jurídico para esse bloqueio? Então tudo que uma pessoa fala é ilegal? Ele está prevenindo de forma completamente abrangente (a comunicação de uma pessoa), sendo cerceada completamente da possibilidade de expressão em toda a rede social.

Entre os sete alvos da operação da última terça-feira, apenas Isabella utilizou uma das hashtags que foram analisadas no levantamento do GLOBO. Depois da operação, ela postou no Twitter que sua família está “assustada com o ocorrido e sendo exposta desnecessariamente”. Isabella, que tem 1.060 seguidores no Twitter, marcou a publicação com as hashtags “STF Vergonha Nacional”, “ForaSTF” e “CensuraNão”.

Depoimento à PF

O levamento do GLOBO levou em consideração apenas publicações no Twitter, enquanto o inquérito do STF tem como alvo também publicações feitas em outras redes sociais, como o Facebook.

Três dos alvos da operação de busca e apreensão de terça-feira prestaram depoimento ontem na sede da Polícia Federal, em São Paulo. Foram ouvidos Isabella, o corretor de imóveis Carlos Antônio dos Santos, de 50 anos, e o microempresário Erminio Nadin, de 67 anos. 

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Escolha de sete alvos pelo STF causa estranhamento

André de Souza

Patrik Camporez

18/04/2019

 

 

Para representante dos procuradores federais, houve ‘exagero’ em buscas e apreensões determinadas pelo STF anteontem

Enquanto milhares de pessoas vão às redes sociais criticar e ofender autoridades dos três Poderes, apenas alguns deles foram alvos, até o momento, do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar ofensas à Corte. Esse e outros aspectos da investigação, que foge da praxe como outros processos são conduzidos no STF, têm sido criticados por integrantes de organizações do mundo jurídico.

Para associações que representam o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), as sete pessoas que foram objeto de mandados expedidos pelo STF anteontem foram vítimas de “exagero” da Corte.

—Os alvos são pessoas que têm postagens curtidas ou citadas por três ou quatro pessoas, que têm 25 ou 30 seguidores, praticamente apenas do meio familiar. Isso obviamente não justifica uma ação e um aparato desses — disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti

Ao pedir a anulação do inquérito no Supremo, a ANPR chega a solicitar que a nulidade do processo seja estendida às pessoas investigadas.

— Colocamos como pacientes essas pessoas que foram alvos por entendermos que o inquérito tem uma série de irregularidades, é absolutamente inconstitucional e não seguiu ritos de um processo acusatório. Não tem objeto definido. Não tem uma definição do que está se investigando, tudo isso é completamente irregular — disse Robalinho.

O representante dos procuradores federais diz que a posição da entidade sempre foi pela liberdade de expressão, e manifesta preocupação com os atos da Corte. Mas ressalta que ataques no sentido físico e estímulo à violência não podem ser tolerados:

—Temos uma preocupação muito grande com a liberdade de expressão, e isso também valeparao cidadão emgeral. O que defendemos sempre é que as pessoas que exercem funções públicas, e as instituições públicas numa democracia, têm que estar acostumadas à crítica. Ninguém está acima da crítica. A crítica e a opinião têm que ser livre, desde que não seja uma opinião mentirosa ou que estimule violência.

De qualquer forma, completa ele, quando há alguma evidência de ataque ao Supremo, os fatos não podem ser investigados pelo próprio STF:

—O Judiciário não tem esse poder de investigar, não existe base constitucional nem legal. Se há crime, tem que encaminhar para os órgãos devidos.

Presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva também entende que não é atribuição do Supremo investigar. Ele ressalta que, na PF, não foi aberto nenhum inquérito contra as pessoas alvos da busca e apreensão:

—A PF está cumprindo (os mandados de busca e apreensão) porque foi requisitada. Esses endereços seriam os focos das maiores atividades. Estamos seguindo ordens.

Fora do comum

O representante dos delegados ressalta que a Polícia Federal é quem está habilitada para fazer investigação dos casos em que o Supremo se considera atingido.

— Me parece que a maneira mais regular é que a polícia investigue, o Ministério Público acuse e a Justiça julgue.

Ele ressaltou ainda que não se lembra de precedentes, na História do país, de um inquérito como este.

— O procedimento mais comum era o ministro requisitar e a PF conduzir as investigações, sendo o Ministério Público o fiscal da lei. É isso o que ocorre. E nesse caso não teria como ser diferente. O juiz não investiga, quem investiga é a polícia.