O globo, n. 31260, 09/03/2019. Mundo, p. 25

 

Brasil aposta em viagem de Bolsonaro aos EUA

Eliane Oliveira

Henrique Gomes Batista

09/03/2019

 

 

Presidente visitará a capital americana na próxima semana e, além de discutir cooperação em comércio, tecnologia e segurança, deve aproveitar ocasião para se ‘relançar’ no cenário político internacional após início criticado em Davos

Para analista, Brasil não é prioridade para os EUA, e visita não deve mudar quadro

O presidente Jair Bolsonaro aproveitará a sua visita a Washington, na próxima semana, para apresentar acordos nas áreas de segurança, tecnologia e avanços em comércio e na cooperação militar. O encontro com Donald Trump — o primeiro bilateral de Bolsonaro — será uma oportunidade para o presidente brasileiro se “relançar” na comunidade internacional, depois da estreia sem muito brilho, segundo a avaliação até de aliados, no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), em janeiro. Para especialistas, o risco é Bolsonaro acabar “cooptado” pela agenda do mandatário republicano. Até ontem, estava praticamente certa a assinatura de três memorandos de entendimento nas áreas de segurança nas fronteiras, treinamento e inteligência e um acordo entre as agências espaciais americana (Nasa) e brasileira (AEB), para o desenvolvimento de um satélite de observação.

Os dois países também estavam a um passo de chegar a um entendimento sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas que vai permitir o lançamento de satélites americanos da base de Alcântara, no Maranhão. No futuro outros países que usam tecnologia americana poderiam usar a base. Na prática, isso permitiria a viabilidade de Alcântara, que nunca foi usada comercialmente. O memorando de entendimento contém as bases de negociação para um acordo futuro. No caso dos três atos a serem assinados na área de segurança, o corpo desses futuros tratados vai envolver órgãos de segurança e inteligência dos dois países, como a Polícia Federal e o FBI. Sergio Moro, ministro da Justiça, estará na comitiva presidencial justamente para celebrar estes acordos. Já o satélite a ser construído em conjunto será voltado para questões climáticas e navegação marítima.

Expectativa de parceria

Pelo menos até agora, o que existem são expectativas em torno de uma série de itens que fazem parte da agenda bilateral e deverão ser levantados no encontro entre Trump e Bolsonaro. Fala-se, por exemplo, na possibilidade de, durante a visita do presidente brasileiro àquele país, Washington anunciar que dará ao Brasil o status de “aliado extraOtan” —ou seja, que não faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte, mas passa a ser considerado parceiro estratégico dos EUA. O assunto já foi conversado entre o chanceler Ernesto Araújo e Mike Pompeo, secretário de Estado americano.

Um dos principais benefícios de um país se tornar aliado estratégico “extraOtan” dos Estados Unidos é o acesso à transferência de tecnologia na área militar. Segundo uma fonte, porém, esse tipo de concessão, que já foi dada a nações como Jordânia, Argentina, Israel e Egito, entre outras, depende da aprovação do Congresso americano. A atual maioria democrata na Câmara, juntamente com uma avaliação negativa de Bolsonaro da parte da esquerda americana, tende a dificultar o avanço desse ponto. Outro assunto que gera expectativa do lado brasileiro diz respeito a um eventual apoio dos EUA à candidatura do Brasil a integrante da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Até o ano passado, os americanos estavam ao lado da Argentina para assumir a vaga. De acordo com um integrante do governo, o fator complicador é que Washington tem dado sinais de que está mais preocupada em resolver a questão dos critérios para o ingresso de novos membros, em debate atualmente, deixando em segundo plano a ampliação do número de associados da organização. De qualquer maneira, a visita poderá ajudar a “destravar” as tratativas brasileiras no organismo, ainda em compasso de espera. A abertura de uma negociação para um acordo de livre comércio entrará de vez na agenda bilateral a partir do encontro entre Trump e Bolsonaro e deve ser mencionada na declaração presidencial, como uma das formas de aprofundar o relacionamento econômico-comercial. Nesse caso, será a primeira vez que o Brasil negociará um acordo do gênero separadamente dos demais parceiros do Mercosul. Ainda não está claro qual será o tom desse ponto. Da mesma forma, não está claro como será abordada a questão da guerra comercial entre EUA e China no debate. Há quem acredite que isso possa ser discutido entre as autoridades dos dois países, principalmente com a pressão americana para impedir que países utilizem a tecnologia da chinesa Huawei nas novas redes 5G de telefonia que serão construídas em breve. Temas ambientais — que já foram prioridades no passado — e de direitos humanos não devem ter destaque, ao contrário da situação da Venezuela, presente em todas as comunicações entre Washington e Brasília nos últimos meses. O simbolismo da escolha dos EUA como primeiro destino bilateral de Bolsonaro indica que ambos pretendem usar politicamente o encontro. Enquanto Bolsonaro tenciona mostrar que é um líder que pode avançar na proximidade com a maior potência do mundo, Trump quer indicar que não está isolado e lidera um movimento de direita em todo o planeta. —Existe o risco de Trump tentar cooptar Bolsonaro, usando o encontro somente para a sua agenda —afirmou Thiago de Aragão, da Arko Advice. — Um dos riscos é Bolsonaro cair no jogo de confrontação com os democratas, que seria ruim para o Brasil. E Trump não gosta de se comprometer com pontos que não tragam ganhos imediatos para ele.

Pouco deve se concretizar

Peter Hakim, brasilianista e presidente emérito do InterAmerican Institute, acredita que apesar de todas as expectativas provocadas por encontros bilaterais, pouca coisa se concretizará de fato. Além do avanço de pontos que já estavam avançando, ele não crê em uma mudança repentina de patamar da relação bilateral, por mais que ambos os presidentes demonstrem compartilhar de uma proximidade ideológica.

— O governo americano tem como prioridade, neste momento, a situação da Venezuela —afirmou ele. —E a situação interna de Trump, cada vez mais acuado por denúncias e pela maioria democrata entre os deputados, não é favorável para grandes avanços em política externa. O Brasil não é prioridade para os americanos e não deverá passar a ser com esta visita, ao menos no curto e médio prazos.