Título: Regime Crachou, afirma ex-premiê
Autor: Seixas, Maria Fernanda
Fonte: Correio Braziliense, 15/08/2012, Mundo, p. 19

Riad Hijab defende revolução e diz que Al-Assad não controla mais do que 30% do país

Em sua primeira entrevista desde que fugiu para Amã, capital da Jordânia, o ex-premiê sírio Riad Hijab chamou o ditador Bashar Al-Assad de "inimigo de Deus" e garantiu que o governo está afundando militar, econômica e moralmente. "O regime sírio não controla mais do que 30% do território da Síria", afirmou Hijab, que se tornou o mais importante símbolo da onda de deserções que atinge o país. "Posso assegurar, com base em minha experiência e no posto que ocupei, que o regime rachou", acrescentou. O ex-primeiro-ministro, cujo nome acaba de sair das listas de sanções dos Estados Unidos, se disse "impotente para deter a injustiça". Diante da bandeira usada pela oposição, ele se declarou "um soldado fiel a seu país entre os revolucionários" e exortou os líderes políticos e militares a seguirem seu exemplo. "A Síria está repleta de autoridades e de líderes militares honrados, que esperam pela chance de se unirem à revolução", comentou.

O discurso surpreendente de Hijab coincidiu com a suspensão da Síria da Organização da Conferência Islâmica (OCI). Os representantes de 56 Estados-membros e da Autoridade Palestina participam de uma cúpula, em Meca, para discutirá a questão síria. Em Teerã, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Ramin Mehmanparast, afirmou que seu governo não aceitará a exclusão da Síria. Ainda ontem, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, baseado em Londres, divulgou que mais de 23 mil pessoas morreram desde o início do levante, em 15 de março de 2011. "Foram 16.142 civis, 1.018 desertores e 5.842 soldados", afirmou o diretor do Observatório, Rami Abdel Rahman, à agência France-Presse. "A contagem total não inclui os shabiha (milicianos pró-governo), os milhares de detidos cujo destino é desconhecido, ou aqueles que foram mortos, mas cujas identidades não foram verificados", acrescentou.

Por meio de um comboio terrestre que partiu do Líbano, Valérie Amos, encarregada dos assuntos humanitários das Nações Unidas, chegou ontem a Damasco, onde pretende discutir a distribuição de ajuda aos civis isolados e aos refugiados. Com o mesmo intuito, o chanceler francês, Laurent Fabius, visitará países que receberam desabrigados sírios, como a Jordânia, a Turquia e o Líbano.

Milícia

Nos Estados Unidos, o Pentágono afirmou que a Guarda Revolucionária do Irã está treinando uma milícia pró-Assad na Síria, a fim de combater a oposição. "O Irã tenta formar uma milícia na Síria para combater em apoio ao regime. Vemos uma presença crescente do Irã, e isso nos preocupa muito", disse o secretário americano de Defesa, Leon Panetta. De acordo com Ayman Abdel Nour, ex-conselheiro presidencial e amigo de Al-Assad, a oposição tem lançado vídeos que mostram franco-atiradores iranianos presos pelo Exército Sírio Livre (ESL). "Quem está em Damasco sabe que existem iranianos com armas por lá, além de membros do Hezbollah. Eles matam civis e rebeldes sírios, em apoio ao governo. O objetivo disso é aterrorizar as pessoas, em busca de maior suporte", afirmou ao Correio.

Duas perguntas para

Ayman Abdel Nour, ex-conselheiro presidencial e ex-amigo de Bashar Al-Assad O ex-premiê pediu que mais funcionários do governo se unam à revolução. Essas deserções serão o fim de Al-Assad? Nada vai terminar com Al-Assad, a não ser sua morte ou sua fuga. Ele está perturbado, pensa que é Deus e que é o único capaz de governar a Síria. Pouco a pouco, essas perdas podem prejudicá-lo. No entanto, com a sua rede de apoio, podem não pesar tanto, como ocorreu na Líbia. Al-Assad recebe o suporte do Irã, do Hezbollah, do Iraque e da Rússia. Eles, sim, fazem a diferença.

A Organização da Conferência Islâmica (OCI) decidiu suspender a participação da Síria no grupo. A expulsão fará alguma diferença prática no confronto? Até mesmo pequenas coisas fazem diferença na mídia e na parte psicológica da guerra, mas não nos confrontos dentro do território. Mesmo se todos os líderes das Forças Armadas e as milícias pró-Al-Assad morressem, nada mudaria. O regime se estabelece apenas com Bashar, como pessoa e Deus — como ele pensa ser e sua rede de apoio externa. (MFS)