O globo, n. 31252, 01/03/2019. País, p. 10

 

Qual é o plano traçado por Cabral ao confessar que recebeu propina?

Juliana Castro

01/03/2019

 

 

Estratégia atual não é só ter atenuantes nas penas que estão por vir, mas mitigar danos em processo que envolve ex-secretário

Emedebista mira a mesma redução de pena já concedida a outros réus confessos

Quando assumiu o caso do ex-governador Sérgio Cabral, no começo de janeiro, o advogado Márcio Delambert já havia definido a estratégia de defesa: o emedebista teria que confessar seus crimes. Essa foi a condição para que o defensor entrasse nos processos, em substituição ao advogado anterior, Rodrigo Roca.

O desejo de Cabral era mesmo fazer uma delação. Tanto é que burburinhos de que ele poderia firmar um acordo volta e meia corriam as rodinhas de conversa nos corredores da Justiça. Mas, por falta de interesse do Ministério Público Federal (MPF), a tentativa não se mostrou factível. Protagonizar momentos de embate com o juiz Marcelo Bretas também já estava fora de questão. O que foi feito antes não deu o resultado esperado. Sobrou, então, confessar e pleitear uma redução de pena.

No último dia 21, o ex-governador foi ao MPF. Pediu dias antes para ser ouvido a respeito da investigação que envolve seu exsecretário da Casa Civil e um de seus homens fortes, Régis Fichtner. Isso porque a estratégia atual não é só ter atenuantes nas penas que estão por vir, mas mitigar outros danos. Cabral quer evitar ser denunciado nesse caso. É por isso que dissertou sobre tantas falcatruas que atribui ao ex-secretário. E isso pode se repetir em casos futuros, caso a estratégia vingue.

Cabral mira a mesma redução de pena que Bretas já concedeu a outros réus que confessaram suas faltas, como os operadores Luiz Carlos Bezerra e Ary Filho e até o empreiteiro Fernando Cavendish.

E, mesmo com quase 200 anos de prisão nas costas, isso faz diferença para Cabral. As condenações chegam à Vara de Execuções Penais (VEP), e o juiz de lá analisa as penas aplicadas. Se entender que houve a chamada continuidade delitiva dos crimes —ou seja, que não foram vários crimes de lavagem de dinheiro ou corrupção passiva, mas que houve um único crime de forma continuada, o magistrado da VEP pode estabelecer uma única pena para cada tipo de delito e não somar várias penas para o mesmo tipo de crime.

Assim, os quase 200 anos de condenação hoje poderiam cair para cerca de 40 anos. E seria em cima desse total menor que passam a incidir as progressões de pena e afins.

Para reduzir as penas de uma maneira geral, a defesa vai pedir o compartilhamento do último depoimento dado a Bretas para todos os processos que ainda estão em primeira instância sem um desfecho. Aos que já tiveram alguma sentença de Bretas, vai solicitar o mesmo para o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).

Desculpas pela mentira

Na última terça-feira, o emedebista sentou mais uma vez na frente de Bretas. Pela primeira vez, diante da Justiça, confessou o crime de corrupção. Admitiu o recebimento de propina, antes tratada apenas como sobras de campanha eleitoral utilizada para pagamento de despesas pessoais. Indagado pelo juiz sobre o motivo pelo qual só resolveu falar a verdade em juízo dois anos, três meses e dez dias depois de preso, o emedebista disse que era uma dor muito profunda dizer à população que roubou. E pediu perdão:

—Peço desculpas porque menti.

Até chegar a essa estratégia, Cabral passou por outras tantas. Já ficou em silêncio nos depoimentos, depois chamou de maluquice a acusação de empreiteiros de que cobrava 5% de propina, em seguida admitiu caixa dois em campanha e o uso de suas sobras para proveito próprio e, posteriormente devolveu bens, incluindo a famosa mansão de Mangaratiba, à Justiça, salientando que o gesto não significara uma confissão. Foi apenas no quinto advogado que assume seu caso desde a prisão que a admissão de culpa chegou de forma mais veemente.

A confissão não tem o objetivo apenas de colher resultados jurídicos. Cabral quer melhorar a própria imagem reconhecendo sua culpa diante da população. O novo advogado tenta ajudá-lo nisso.

O ex-governador chegou até Delambert por indicação do ex-deputado Edson Albertassi, também preso em Bangu 8. Na Lava-Jato, o advogado defende também o doleiro Vinícius Claret, o Juca Bala. Antes, já teve como cliente o ex-chefe de Polícia Civil Álvaro Lins.