O globo, n. 31252, 01/03/2019. Economia, p. 19

 

Bolsonaro já admite concessões

Marcello Corrêa

Geralda Doca

Daniel Gullino

01/03/2019

 

 

Presidente afirma que idade mínima para mulher na reforma pode cair a 60 anos

A flexibilização de pontos da reforma da Previdência admitida ontem pelo presidente Jair Bolsonaro pode fazer com que a economia gerada pela medida na próxima década seja R$ 30 bilhões abaixo da prevista pela proposta original. Esse impacto fiscal, no entanto, éo menor dos problemas na falado presidente—já que a redução representa apenas 3% do R$ 1 trilhão que o governo poderá poupar caso o texto seja aprovado. A principal questão é que esse recuo precoce, na visão de analistas e parlamentares, abre espaço para que o projeto seja mais desidratado no Congresso, pois sinaliza para grupos de pressão que mais concessões são possíveis.

Durante um café da manhã com jornalistas, Bolsonaro afirmou que a idade mínima de aposentadoria para mulheres, fixada em 62 anos na proposta de emenda à Constituição (PEC) encaminhada por ele ao Congresso, poderia ser de 60 anos. Também disse que as regras para o benefício de prestação continuada (BPC), pago a idosos carentes, poderiam ser menos duras que as previstas no projeto.

Hoje, esses idosos têm direito a um salário mínimo aos 65 anos. Essa idade mínima subiria para 70 anos, mas, em compensação, quando eles completassem 60 anos, começariam a receber R$ 400. Bolsonaro admitiu ainda que os novos parâmetros para pensão por morte( que reduzem o valora 60%, com um adicional de 10% por dependente) podem ser flexibilizados.

—Eu acho que dá para cortar um pouco de gordura e chegara um bom termo, o que não pode é continuar como está (o déficit na Previdência) —disse o presidente.

Ele ponderou que as mudanças não comprometeriam a “alma” do projeto:

— Há interesse de todo mundo em aprovar. O Brasil pode entrar em uma situação muito complicada. Muita coisa vai ser atenuada aí, mas não vai desfigurara almada proposta. E tem que haver (a reforma). Não queremos passar pelo que a Grécia passou, ou Portugal.

Segundo o jornal Valor Econômico, Bolsonaro pediu apoio dos meios de comunicação. Segundo ele, será necessário “muito mais que as redes sociais” para aprovar o texto.

As declarações do presidente sobre possíveis flexibilizações na reforma foram mal recebidas pelo mercado. A Bolsa de Valores de São Paulo encerrou em queda de 1,77%, aos 95.584 pontos.

— Você não fala agora que pode ceder. O presidente falou demais e se expôs —disse Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante.

O posicionamento do presidente pegou a equipe econômica de surpresa, embora antes de encaminhara proposta ao Congresso Bolsonaro já defendesse idade mínima de 60 anos par amulheres e uma mudança menos brus cano valor da pensão. A idade de 62 anos foi consenso entre a vontade do presidente e a sugestão do time do ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria 65 anos para ambos os sexos.

Afala também frustra a estratégia do próprio governo. A expectativa da equipe econômica era deixar as concessões para o calor das negociações na comissão especial, com o discurso de que será preciso fazer compensações paranã o prejudicara economia estimada coma reforma. Afim de reduzir o estrago causado pela fala do presidente, a alternativa aventada por técnicos é deixar que os parlamentares optem por manter a idade e regra da pensão, conforme previstos na proposta original, em troca da retirada dos benefícios assistenciais e rurais. Isso, no entanto, não considera que, a partir do momento em que Bolsonaro falou em 60 anos, será difícil recuar.

Risco de desidratação

Nas contas de economistas, o maior impacto fiscal das mudanças mencionadas pelo presidente seria no BPC. Segundo estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI), as alterações nas regras de acesso ao benefício resultariam em uma economia de R$ 28,7 bilhões em dez anos. Esse valor deixaria de ser poupado, portanto, sem alterações no sistema.

Já o economista José Márcio Camargo, especialista em Previdência, estima que uma idade mínima de 60 anos para mulher, em vez de 62, significaria uma economia R$ 1,5 bilhão menor que a esperada, caso o tempo de transição fosse mantido em 12 anos.

Os valores são considerados baixos, principalmente quando diluídos ao longo de dez anos. Masasi na lizaçãoé ruim, avaliam:

— (Concessões) devem ser parte do processo de negociação — diz Camargo, que participou de um grupo de trabalho sobre a reforma.

Essa visão é compartilhada pelo economista Paulo Tafner, também especialista emPr evidência. Autor de um dos projetos usados com oba separa a elaboração do texto, ele diz que acrise fiscal não permite que sejam feitas concessões:

—Qualquer tergiversação a respeito da potência fiscal dar eformaé cutucara onça com vara curta.

Tafner acrescenta que, mesmo que o impacto na transição seja pequeno, a previsão de regras mais leves para a aposentadoria feminina é preocupante, porque, das novas aposentadorias concedidas, metade é de mulheres.

O economista Alexandre Schwartsman vê risco de desidratação da reforma:

— Achei péssimo. O jogo nem começou ejá estamos recuando. Negociação lamentável, sinalização ainda pior. O risco de desidratação da reforma é crescente.

A impressão não é só de analistas. Dentro do parlamento, a aposta agora é que as pressões por mudanças vão se intensificar. O líder do PR na Câmara, José Rocha( BA ), afirma que afala de Bolsonaro “diminui a panela de pressão” em relação à reforma ejás e programa para buscar mais concessões. Ele acredita que isso amplia as possibilidades de novas concessões e avisa:

—Se não houver, vamos para o embate (por regras menos duras para os professores).

Já o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), acredita que o modelo apresentado até seria uma boa proposta final, mas o governo cedeu cedo demais.

—Vai diminuir a margem de negociar. Era melhor ele ter aguardado um pouco, masa decisão é dele —disse o parlamentar, lembrando que a idade mínima de mulheres não era sequer contestada. —Não vi ninguém com essa pauta.

Opinião DO GLOBO

Insegurança

O PRESIDENTE Bolsonaro cometeu alguns deslizes, por falta de informação, ao falar sobre a reforma da Previdência. Mas já é tempo de ter dominado os pontos vitais deste assunto crucial para o país e seu governo.

POR ISSO, trata-se de algo inaceitável que, do nada, acene com a redução do limite de idade da aposentadoria das mulheres de 62 anos para 60. Com base em quê? E já havia vetado a equiparação delas aos homens, nos 65 anos.

DEPOIS DISSO, aprovou o projeto, e agora, de forma extemporânea, reabre a questão. Bolsonaro começa a fazer mais estragos na reforma que a oposição.

TORNA-SE ele mesmo o principal agente de insegurança política do seu governo.

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Declarações surpreendem equipe econômica

Martha Beck

01/03/2019

 

 

Em uma única tacada, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu enfraquecer a recém-nascida proposta de reforma da Previdência. O texto foi enviado ao Congresso há apenas 9 dias e, como já era de se esperar, não faltou quem quisesse alterar a proposta. Houve críticas, por exemplo, às mudanças sugeridas pela área econômica no pagamento de benefícios assistenciais para idosos pobres (BPC) e nas aposentadorias dos trabalhadores rurais.

Mas enquanto a equipe fazia reuniões com bancadas e lideranças para explicar a importância da reforma, uma surpresa veio diretamente do Planalto. Em café da manhã com jornalistas ontem, o próprio Bolsonaro —que fora pessoalmente entregar a proposta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia —disse que poderia aceitar as mudanças no BPC. Ele ainda acenou com uma redução da idade mínima de aposentadoria das mulheres, de 62 para 60 anos, e mudanças nas novas regras de pensão. Para isso, nem havia demanda do Legislativo ainda.

Técnicos do governo não entenderam as declarações do presidente. E admitiram que falar em ceder assim tão cedo dentro do processo de negociação não é boa coisa. O governo ainda não tem uma base de apoio clara e mesmo dentro de seu partido, o PSL, há quem diga que a reforma “não passa como está”.

As mudanças no BPC geram uma economia de pouco mais de R$ 28 bilhões aos cofres públicos em dez anos, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). Mas a alteração da idade mínima tende a ser mais expressiva e pode acabar sendo combinada com outros ajustes que geram perdas para a reforma.

Para justificar a atitude do presidente, os técnicos dizem —sem muita convicção —que ele tem sensibilidade política para tratar do assunto. Essa também é a avaliação de parte do Palácio do Planalto, que diz que isso pode facilitar a interlocução com o Congresso. O mercado, por outro lado, não entendeu o movimento de Bolsonaro dessa forma. As declarações do presidente ajudaram a Bolsa brasileira a amargar perdas.

Enquanto isso, o ministro Paulo Guedes tem preferido não falar. Transferiu a tarefa para o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, e sua equipe. Talvez seja o momento de Guedes conversar com o chefe para afinar o discurso e alertá-lo de que, mesmo com a necessidade de um ou outro ajuste no texto que viabilize sua aprovação, a reforma precisa trazer aos cofres públicos uma economia de R$ 1 trilhão em um década. Isso é o que foi prometido. E é isso que vai ser cobrado do presidente que gosta de dizer que missão dada é missão cumprida.