O globo, n. 31252, 01/03/2019. Mundo, p. 28

 

De Brasília, um aceno a Maduro

Janaína Figueiredo

Eliane Oliveira

01/03/2019

 

 

Em visita ao país, Guaidó diz que líder chavista pode ser incluído em oferta de anistia

Depois de uma reunião que considerou “histórica” com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) no Palácio do Planalto, o líder oposicionista Juan Guaidó, que comanda a Assembleia Nacional da Venezuela (AN ), fez um aceno a Nicolás Maduro para tentar facilitar a transição em seu país, onde o governo chavista tem sua legitimidade contestada nas ruas e não é reconhecido por ao menos 50 países.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Guaidó —que se declarou chefe de Estado interino com apoio da AN em 23 de janeiro disse que o presidente também está incluído na oferta de anistia feita pelo Parlamento aos membros civis e militares do regime que facilitarem a transição.

O presidente da AN, entretanto, descartou qualquer possibilidade de participação de Maduro —declarado “usurpador” pela AN após o início de seu novo mandato em 10 de janeiro no processo que envolvera a convocação de eleições para um novo governo.

—Na Venezuela temos sangue, massacres a indígenas, boicote a ajuda humanitária, mas a anistia está sobre a mesa e ela pode incluir todos os funcionários civis ou militares que favoreçam o processo de fim da usurpação, governo de transição e eleições livres.

Aqui o importante é gerar estabilidade, atender as necessidades do povo e melhorar as relações com o mundo —disse ele, acrescentando: Todos os funcionários que acompanhem o processo de fim da usurpação, transição e eleições estarão sujeitos a um processo de revisão. Maduro incluído.

Garantias a China e Rússia

Mais cedo, numa entrevista coletiva após seu encontro com o presidente Bolsonaro, Guaidó assegurou que neste momento “todos os mecanismos que nos levem a eleições livres podem ser implementados”. Em meio às especulações sobre os cenários que a oposição venezuelana está avaliando com seus aliados estrangeiros, Guaidó reiterou que todos são possíveis, sempre e quando o desfecho sejam “eleições livres e democráticas”.

Ao GLOBO, o líder oposicionista também buscou aproximação com China e Rússia, os dois mais importantes aliados de Maduro no cenário internacional, que têm dezenas de bilhões de dólares em investimentos na Venezuela e respaldam o regime chavista em foros como as Nações Unidas.

—China e Rússia são aliados da Venezuela, não de Maduro, que as usa. Há mais de quatro anos não lhe dão créditos. São países que sabem que não existe garantia de crescimento econômico com Maduro usurpando a Presidência. Acho que todos podem ser nossos aliados —acenou. Guaidó insistiu em que retornará a Venezuela “nos próximos dias”, apesar das ameaças de prisão que tem recebido de Maduro desde que liderou, no fim de semana passado, a fracassada tentativa de entrada de ajuda internacional no país através das fronteiras da Colômbia e do Brasil.

Périplo por Brasília

A iniciativa buscava levar os militares, principal sustentáculo do regime chavista, a descumprirem as ordens de Maduro, que mandou fechar as fronteiras, e assim enfraquecer o presidente. Ele confirmou que de Brasília irá para Assunção, da capital paraguaia provavelmente retornara a Bogotá, e de lã voltaria para a Venezuela.

Em Brasília, aonde chegou na madrugada de ontem num avião da Força Aérea Colombiana, ele teve uma agenda cheia de encontros com autoridades e diplomatas, buscando reforçar sua posição para o retorno à Venezuela, onde está sob ameaça de prisão. No Palácio do Planalto, foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro, que o chamou de “irmão”. Bolsonaro conversou com ele por 40 minutos e lhe garantiu que a Venezuela pode contar com Brasil.

Na entrevista, no entanto, foi bem claro ao dizer que qualquer atuação do Brasil para ajudar os opositores de Maduro será feita em respeito à legislação nacional, à tradição diplomática brasileira e com base nas decisões tomadas pelo Grupo de Lima.

O grupo, formado por 14 nações do continente, rejeitou na última segunda-feira uma intervenção militar para depor Maduro.

—Obrigado por confiar no povo brasileiro. Conte conosco. Deus é brasileiro e venezuelano afagou Bolsonaro.

Apoio diplomático

Na saída do encontro no Planalto, Guaidó fez questão de descer do carro para falar com seguidores que estavam na porta do palácio presidencial, debaixo de chuva. Seu périplo pela capital incluiu uma reunião na sede da delegação da União Europeia com 24 representantes do bloco, um almoço na Embaixada do Canadá e uma passagem pela dos EUA, continuando com visitas à Câmara e ao Senado, onde foi recebido pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM/AP).

Com os embaixadores europeus, o presidente da AN conversou sobre os dramas da realidade venezuelana, disse saber dos riscos que correrá quando retornar a Caracas, mas reafirmou sua intenção de “cumprir minha missão”.

Os diplomatas confirmaram que a reunião, convocada por iniciativa da Espanha, “teve momentos de forte impacto”, mas o embaixador espanhol, Fernando Garcia Casas, esclareceu que isso não implica, ainda, que a UE, como bloco, reconhecerá o “governo encarregado” de Guaidó.

— O que nós reconhecemos é a legitimidade da AN. O resto ainda depende de uma decisão de Bruxelas— lembrou Garcia Casas.

Intervenção é opção

Em cada encontro em Brasília, Guaidó reforçou um de seus mais novos lemas: “A Venezuela não vive um dilema entre guerra e paz”.

Todos queremos viver em paz, mas não se pode ter paz se massacram indígenas e negam eleições livres reforçou.

E, ao GLOBO, novamente deixou claro que nenhuma opção foi tirada da mesa para obter a mudança de regime em Caracas, nem a da intervenção militar: Não descartamos nenhuma opção para conseguir o fim da usurpação de poder, sem custo social e com estabilidade. Sempre dirigido pela Venezuela. Faremos tudo o que for necessário para terminar com a usurpação.