O globo, n. 31298, 16/04/2019. País, p. 4

 

Fora do ar

Carolina Brígido

16/04/2019

 

 

STF censura reportagem sobre Dias Toffoli 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal( STF ), determinouontem que a revista digital “Crusoé” eosite“O Antagonista” tirassem do aruma reportagem intitulada“O amigo do amigo de meu pai”. Segundo o texto, o empreiteiro Marcelo Odebrecht identifica que o apelido do título, citado em um e-mail, refere-se ao presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli. Pela manhã, um oficial de Justiça da Corte chegou à redação da revista para entregara cópia da decisão.

Na noite de ontem, a “Crusoé” informou que foi multada em R$ 100 mil por supostamente não ter cumprido a decisão. A revista afirmou que retirou a reportagem do ar imediatamente, assim como “O Antagonista”. Moraes também determinou que a Polícia Federal intime os responsáveis pela revista e pelo site para prestar depoimento no prazo de 72 horas. A “Crusoé” reiterou ontem o teor da reportagem.

Na decisão, o ministro diz que não se trata de censura prévia, que é proibida pela Constituição, com base na liberdade de imprensa. O caso seria de responsabilização posterior à publicação, uma hipótese prevista na legislação. A notícia foi publicada com base em documento da Operação Lava-Jato.

Segundo a decisão de Moraes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) desmentiu a informação e, ainda assim, a revista não retirou a reportagem do ar. Por isso, o ministro classificou o texto de “fake news”. Para ele, houve “claro abuso no conteúdo na matéria veiculada”.

A “Crusoé” afirma que, um dia após a veiculação da reportagem, a explicação do dono da empreiteira foi retirada dos autos da investigação. Procurada pelo GLOBO, a 13ª Vara Federal em Curitiba afirmou que o processo está sob sigilo. A TV Globo confirmou que o documento foi anexado aos autos da Lava-Jato em 9 de abril e seu conteúdo é o que a revista descreve. O documento, porém, não chegou à PGR.

Moraes tomou a decisão no inquérito aberto por Toffoli em março para apurar casos de ofensas e ataques ao STF e a seus integrantes. A ação apura notícias fraudulentas, calúnias, ameaças e crimes contra a honra do tribunal. O caso, que está sob a relatoria de Moraes, é sigiloso. O inquérito foi aberto de forma pouco usual, por portaria, e não a pedido da PGR.

Toffoli pediu a Moraes para incluir o episódio da “Crusoé” nas “fake news” previstas no inquérito. O presidente da Corte enviou ao colega ofício autorizando a investigação, “diante de mentiras e ataques” e das “mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.

Toffoli mencionou nota da PGR informando não ter recebido cópia do documento enviado à Lava-Jato por Marcelo Odebrecht. Moraes concluiu, então, que a informação da revista era falsa. “Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news”.

O ministro ressaltou que existe “plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo)”, mas isso não isenta o veículo de “eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre ‘a posteriori’, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”.

Recursos já existem

Para Michael Mohallem, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas, a decisão do STF é uma afronta direta à Constituição:

— A Constituição é explícita ao dizer que não pode haver censura. É possível cercear em hipóteses raríssimas, quando há incitação ao ódio, por exemplo. Está longe de ser o caso.

Mohallem defendeu a livre circulação de ideias como preceito democrático:

—Se for incorreta, ou ofensiva (a informação), a própria leiofereceremédio.Oofendido pode ser indenizado.

Em nota, a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) consideraram a decisão um ato de censura. “A decisão configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF”, diz a nota.

As entidades ressaltam ainda que a legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também criticou a decisão do STF, a qual considerou uma ameaça grave à liberdade de expressão. Para a Abraji, “causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal”.

A ONG Transparência Internacional divulgou nota afirmando que a decisão de Moraes “fere a liberdade de imprensa e afeta a imagem internacional do Brasil, por atentar contra princípios basilares do estado democrático de direito”. A entidade considera a medida “um precedente grave e perigoso”.

“O esclarecimento feito pela PGR torna falsas as afirmações na matéria, em típico exemplo de fake news”

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal

“A decisão configura censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados pelo STF”

Associações nacionais de Editores de Revistas e de Jornais, Aner e ANJ

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Mourão critica decisão do Supremo; senadores entram com recurso

Amanda Almeida

Daniel Gullino

16/04/2019

 

 

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de ordenar a retirada do ar de uma matéria da revista “Crusoé” que cita o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, provocou reação ontem do vice-presidente Hamilton Mourão e de parlamentares.

Mourão afirmou ao site “O Antagonista”, também atingido pela decisão, que a convocação dos jornalistas dos dois veículos mostra que eles são investigados. “Não tenho dúvida de que é censura, mas vai além da censura. No momento em que (a decisão), além de interditar a publicação, convoca os jornalistas a depor (significa que) já estão respondendo a inquérito”, disse o vice-presidente.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) chegou a protocolar um recurso no Supremo para tentar invalidar o ato de Moraes, que é relator do inquérito aberto por Toffoli para investigar ataques contra o Supremo. Em nota, ele disse que a decisão “avilta a Constituição, amesquinha o papel da Suprema Corte e desfere um duríssimo golpe à democracia e ao ideal de uma imprensa livre, que cumpra com coragem seu papel de informar tudo a todos, sem qualquer hesitação”.

Além de Randolfe, outros senadores usaram a tribuna ontem para condenar a decisão do Supremo. Jorge Kajuru (PSB-GO), que também entrou com recurso no STF, disse que houve uma agressão à democracia e à liberdade de imprensa, e pediu uma reação do Congresso.

O senador Alessandro Vieira (PPS-SE) disse que a decisão “agride violentamente a democracia e a liberdade de imprensa”.

Líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou ao site “O Antagonista” que a censura é algo inconcebível: “Em nenhum momento, podemos conceber a ideia de flertar com a censura.”