O globo, n. 31298, 16/04/2019. Economia, p. 17

 

Entrevista - Maurício Lima: ‘Para autônomo, tabela de frete é tiro no pé’

João Sorima Neto

16/04/2019

 

 

Um ano após a greve dos caminhoneiros, o tabelamento do frete criou distorções no mercado de transporte de cargas. A avaliação é de Maurício Lima, sócio-diretor da consultoria Ilos, especializada em logística.

Que balanço é possível fazer da tabela de preço mínimo do frete, uma das reivindicações dos caminhoneiros na greve de maio passado?

A tabela é muito ruim tecnicamente e criou muitas distorções no mercado. Para muitos autônomos, foi um tiro no pé. Tem casos em que os valores não estão sendo cumpridos, porque é simplesmente impossível. Muitos continuam excluídos do mercado. Uma carga que sai de São Paulo para Recife tem frete de R$ 12,5 mil a R$ 13 mil, em média. Na volta, a tabela estabelece que se pague o mesmo valor. Ninguém paga. O valor da “descida” de carga do Recife para São Paulo, antes do tabelamento, era R$ 7 mil, porque há menos fluxo de carga do Nordeste para São Paulo. Muita gente usa a cabotagem e embarca a carga no Porto de Suape até Santos, o que é mais barato.

Que outros problemas o tabelamento do frete criou?

Não há distinção de preço para cargas transportadas em caminhões novos e com mais de 30 anos de uso. Por isso, muita gente deixa de fazer o transporte com o autônomo e faz com uma transportadora, que tende a oferecer um serviço melhor. Para uma carga frigorificada ou de produtos perigosos, o valor do frete é mais baixo que o da carga comum. Para a indústria de cimento, quando se aplica a tabela, o frete fica 100% mais caro em alguns casos. E a maioria é feita por autônomos, em veículos antigos.

A recuperação fraca da economia diminuiu a demanda por transporte de cargas?

Este ano, curiosamente, estamos vendo o contrário. A demanda cresceu pouco mais de 6% em janeiro e fevereiro. Poderá cair um pouco em março, por conta do carnaval, mas deve fechar o primeiro trimestre com crescimento de 5%. Mas, mesmo com esse aumento, o mercado de autônomos é muito pulverizado, com mais de 600 mil motoristas, e por isso há demora para repassar esse movimento ao preço do frete.

As transportadoras estão adquirindo frota própria para fugir da tabela?

Sim, algumas empresas estão adquirindo caminhões próprios. Mas não são muitas. Há um mercado de locação de caminhões que está crescendo. O problema é que, com a crise econômica nos últimos anos, a indústria de caminhões caiu de um patamar de 170 mil unidades produzidas por ano para cerca de 50 mil. Hoje, há fila de espera para ter um caminhão novo.

O aumento do preço do diesel é um fator de risco para a greve?

O valor do diesel corresponde a 25% do valor do frete. Um aumento de 10% no combustível implica reajuste de 2,5% do frete. Então, só aumentos superiores a 10% farão grande diferença no valor do frete. Desde 2013, o diesel subiu pouco mais de 8%. Então, acho que existe mais um temor do mecanismo de aumento do que do aumento em si.

Nova greve é possível?

Quando a demanda de transporte por carga está baixa, é mais difícil fazer greve. Quando a demanda cresce, o ambiente fica mais fértil. Há uma falta de liderança nos caminhoneiros. Nem todos estão descontentes, só aqueles que não conseguiram obter vantagem com o tabelamento do frete.

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Aceno ao caminhoneiro

Jussara Soares

Manoel Ventura

Bruno Rosa

Marcello Corrêa

16/04/2019

 

 

Enquanto não chega a uma solução para o impasse em torno do preço do diesel, o governo anunciará nesta terça-feira um pacote de medidas que representa um aceno aos caminhoneiros e busca dispersar qualquer possibilidade de uma nova greve da categoria. As ações incluem, entre outras coisas, aumento da fiscalização do cumprimento da tabela do frete, construção de locais de repouso nas rodovias com pedágio, lançamento de uma linha de crédito do BNDES e a conclusão de obras de infraestrutura nas principais rodovias nacionais, como a BR-163, que liga o Pará ao Rio Grande do Sul, e a BR-142, da Bahia ao Mato Grosso.

As medidas em estudo incluem ainda incentivos a cooperativas de caminhoneiros, medidas para desburocratizar a obtenção de documentos e o Cartão Caminhoneiro, que já havia sido anunciado. O sistema deve entrar em funcionamento em 90 dias e permitiria que o motorista comprasse antecipadamente até 500 litros. O combustível poderá ser usado conforme a necessidade do motorista. A ideia é tentar se proteger das oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.

O Planalto também avalia garantir aos caminhoneiros um controle maior do que o próprio presidente chama de “indústria da multa dos pardais”. No fim de março, Bolsonaro anunciou em sua rede social o cancelamento da instalação de mais de 8 mil radares eletrônicos em estradas do país e que contratos serão revisados para se ter certeza de sua real necessidade.

‘Petrobras é livre’

De tarde, as medidas favoráveis aos caminhoneiros foram a pauta de um encontro que contou com os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; da Economia, Paulo Guedes; da Infraestrutura, Tarcísio Gomes; de Minas e Energia, Bento Costa; da Secretaria de Governo, Santos Cruz; e da Secretaria Geral, Floriano Peixoto, além do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, o Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Décio Oddone e, por meio de videoconferência, o presidente do BNDES, Joaquim Levy.

Chegou a ser cogitada uma mudança na periodicidade do reajuste do diesel, que poderia passar a ser mensal. Até a noite desta segunda, porém, não havia definição se a medida seria levada adiante. Esta alternativa desagrada à equipe econômica, que defende um caminho de não intervenção nos preços da Petrobras. Em março, a Petrobras já havia modificado o intervalo mínimo previsto entre revisões de preço para 15 dias. Nesta terça, Bolsonaro deve discutir com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, ministros e técnicos, uma solução para o preço do combustível.

Na semana passada, a estatal suspendeu um reajuste de 5,7% após um telefonema de Bolsonaro. Somente na sexta-feira, a estatal perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado na Bolsa, com a interpretação de que se tratava de uma intervenção na política de preços da companhia. Nesta segunda, os papéis da companhia fecharam quase estáveis , com leve queda de 0,07% no caso dos papéis ordinários (com voto).

Após a repercussão negativa no mercado do episódio, integrantes do Planalto adotaram o discurso que a decisão de segurar o reajuste foi da própria estatal. E asseguraram que as soluções apresentadas não têm como foco dispersar possíveis focos de greve.

Após a reunião desta segunda, o presidente da Petrobras disse que a empresa é livre para tomar suas decisões e evitou comentar se o aumento poderia ser aplicado nos próximos dias.

- Petrobras é uma coisa. Outra é o governo. O governo quer abordar a questão dos caminhoneiros. A Petrobras tem sua vida própria - disse Castello Branco. - Vamos decidir quanto vai ser reajustado, ou não. É uma decisão empresarial. Diferentemente da decisão do governo, que é de políticas públicas. A Petrobras é livre.

O executivo evitou comentar se a periodicidade do reajuste poderia ser mensal, se limitando a dizer que se trata de “decisão operacional”. E negou que tenha havido uma intervenção do governo na política de preços da companhia.

- Não (é intervenção), porque a decisão foi tomada pela diretoria da Petrobras. Não foi… ninguém ordenou à Petrobras que reajustasse — frisou.

‘Números na mesa’

Segundo fontes a par das discussões, a Petrobras poderia segurar por mais tempo o reajuste do diesel se forem mantidas as cotações atuais do câmbio e do barril de petróleo. O tema central da reunião foi a busca de soluções para os caminhoneiros.

- A estatal poderia segurar por até mais duas semanas devido a ações de hedge (proteção) - disse uma fonte.

De acordo com um dos participantes do encontro, o governo quer que as regras já anunciadas para a categoria sejam postas em prática. Um dos tópicos discutidos foi um frete mínimo para a categoria, um dos pontos que deverão ser analisados.

Segundo a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, o governo quer colocar “todos os números na mesa” para saber se o reajuste do diesel é justo ou não. Ele estaria preocupado com o tamanho do aumento em relação à inflação.

- Vocês podem ter essa certeza, não haverá política intervencionista nesse governo — disse Joice, que não descartou a hipótese de nova paralisação. - Risco de tudo sempre há nesse país, né? Eu vejo que o presidente está tratando com cuidado isso, acho que o presidente sabe o que faz.