O globo, n. 31297, 15/04/2019. País, p. 4

 

Diferenças e convergências

Cleide Carvalho

15/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Fusão de propostas de Moro e Moraes trará mais rigor e encarceramento contra o crime

Uma das principais preocupações do eleitor em 2018, o aumento da violência pode levar o Congresso a aprovar a mais dura legislação penal do país em décadas, com a fusão dos pacotes anticrime apresentados pelos ministros Sergio Moro, da Justiça, e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Relator do Grupo de Trabalho (GT) criado na Câmara para examinar a questão da segurança, o deputado José Augusto Rosa (PR-SP), mais conhecido como capitão Augusto, líder da bancada da bala, defende que as duas propostas sejam unidas. Para o capitão Augusto, o pacote de Moro, que chegou ao Congresso em fevereiro, e o de Moraes, que tramita desde 2018, são complementares — ao contrário do que disse em março o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para quem Moro tinha feito um “copia e cola” com as ideias de Moraes.

A análise dos dois pacotes mostra que há pontos em que o ministro da Justiça faz propostas mais duras e outros em que o ministro do STF é mais rigoroso. Os dois pacotes, juntos, aumentam penas, antecipam cumprimento de sentenças e impõem rigor às prisões. No caso da proposta de Moro, há ainda determinação de confisco de bens que destoarem do padrão de renda de condenados por terem adquirido patrimônio irregularmente. Para evitar o arresto, de acordo com a proposta, o réu é quem deve comprovar que adquiriu suas propriedades com recursos lícitos.

A violência é a segunda maior preocupação dos eleitores, logo atrás de saúde e à frente de corrupção. Isso faz o capitão Augusto acreditar que não será difícil aprovar a legislação. Além disso, ele mesmo pontua, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como bancada da bala, tem 307 dos 513 deputados federais eleitos —é a maior da Casa.

— Se fundirem e aprovarem as propostas, estaremos vivenciando uma revolução na Justiça penal brasileira, nos aproximando do sistema americano, com viés pragmático de encarceramento rápido e severo —diz

o criminalista Roberto Delmanto Jr., autor de livros que comentam o Código Penal e Leis Penais Especiais.

Moraes propõe aumentar de 30 para 40 anos o tempo máximo que um condenado pode permanecer preso e uma pena maior para quem mata usando armas de uso restrito das forças de segurança. O homicídio é punido com prisão entre seis e 20 anos. Na proposta do ministro do STF, se cometido com armas proibidas, a pena sobe para 12 a 30 anos. Ou seja, a pena mínima dobra.

Moraes também deu tratamento diferenciado às milícias, transformando-as em crime federal, com apuração a cargo da Polícia Federal e o julgamento pela Justiça Federal. Moro não diferencia as milícias e dá a elas o mesmo tratamento que dispensa às organizações criminosas comuns.

No caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), reservado a líderes de facções criminosas, a permanência atual é de um ano, podendo ser prorrogada caso haja nova falta grave, mas limitada a um sexto da pena. Moraes eleva esse tempo para dois anos, prorrogável por mais dois. Moro aumenta ainda mais, chegando a seis no total. Nos dois casos, os presos em RDD perdem direito à visita íntima e só podem receber parentes uma vez por mês, sem contato físico e com monitoramento audiovisual. Hoje, eles podem receber familiares duas vezes por semana.

Audiências na Câmara

Na próxima quarta-feira, o GT inicia uma série de dez audiências públicas. Cerca de 55 especialistas e representantes da sociedade civil serão ouvidos. Haverá paridade entre homens e mulheres que vão expor seus pensamentos sobre o endurecimento das leis penais.

Para a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), coordenadora do GT, os dois projetos apontam para uma mesma mudança: prender mais e mais rápido. Mas para que isso aconteça, segundo ela, é preciso amadurecer o debate, que já começa embalado pela expectativa do eleitorado de aumentar o combate à violência.

— São temas sensíveis e nada pode ser decidido na base do senso comum. Temos que ter réguas mais científicas para avaliar as medidas —afirma a deputada.

Para Davi Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da USP, a conciliação dos projetos pelo Legislativo é positiva, mas deve-se eliminar exageros. Nos casos das garantias dadas a policiais, presentes no projeto de Moro, o professor critica o que chama de “licença para matar”, a legítima defesa justificada por medo, surpresa ou violenta emoção, avaliação compartilhada por Delmanto Jr.

Apesar das reservas, os dois projetos, na avaliação de criminalistas, trazem avanços importantes. Moraes, por exemplo, estabelece uma série de condutas para coleta de provas e perícias necessárias. Já no projeto de Moro é destacada, por exemplo, a criação da figura do “cidadão colaborador”, qualquer um que denuncie de boa-fé crimes comuns ou contra os cofres públicos. Em troca, o denunciante receberia proteção estatal e recompensa que pode variar de 5% a 20% do valor recuperado.

— É interessante, pois se aplica bem ao colarinho branco, mas também ao crime organizado e aos crimes contra o sistema financeiro —comenta Azevedo.

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No Senado, emendas devem alterar projeto anticrime de Moro

Amanda Almeida

15/04/2019

 

 

Em paralelo à tramitação na Câmara, o pacote de Sergio Moro também caminha no Senado desde que a senadora Eliziane Gama (PPSMA) protocolou três projetos idênticos aos do ministro que tratam de atribuições da Justiça eleitoral, criminalização do caixa dois e alteração da legislação penal.

As duas primeiras semanas de tramitação do pacote anticrime na Casa evidenciaram as dificuldades que Moro terá para aprovar as propostas. Além de críticas da oposição em plenário, parlamentares que empunham a bandeira de combate à corrupção mostraram divergência com trechos dos projetos, apresentando emendas. Embora tenha abraçado as propostas, Eliziane é quem abre as divergências. Ela apresentou duas emendas ao texto sobre legislação penal.

—Me preocupa a questão da legítima defesa, que abre precedente gravíssimo —disse.

Eliziane se refere à chamada exclusão de ilicitude, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Ela permite que o juiz reduza a pena até a metade ou deixe de aplicá-la se o excesso de agentes de segurança decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O projeto sobre as atribuições da Justiça eleitoral também enfrentará resistência. Moro apresentou proposta em linha divergente à recente decisão do STF segundo a qual é a Justiça eleitoral que julga corrupção quando houver caixa dois. Para Moro, nesses casos, o processo tem de ser julgado pela Justiça comum.

O projeto mais avançado é o que tipifica o crime de caixa dois. O relator, Marcio Bittar (MDB-AC), já entregou seu parecer, que endurece o texto de Moro. O ministro previu reclusão de dois a cinco anos para condenados. O relatório propõe aumento de um a dois terços, se “os recursos, valores, bens ou serviços” forem provenientes de crime. O texto pode ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) após a Semana Santa.