Título: Delúbio na lista de Barbosa
Autor: Campos , Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2012, Política, p. 2

O relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, ainda não detalhou a parte do voto que trata das acusações contra o núcleo político listado na denúncia. Mas ao concluir pela condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato e do empresário Marcos Valério, o ministro avançou no entendimento sobre a participação do ex-tesoureiro Delúbio Soares no suposto esquema de distribuição de dinheiro entre parlamentares. O petista responsável pelas finanças da campanha presidencial de 2002 foi citado 50 vezes no voto de Joaquim Barbosa a respeito do Capítulo 3 da ação penal, que tratou de supostos desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil para as empresas de Marcos Valério.

Em seu voto, ao descrever a participação de Pizzolato e Marcos Valério no esquema, Joaquim Barbosa sustentou que houve desvio de recursos públicos da Câmara e do BB. Esse dinheiro circulou nas contas do PT e foi usado para pagar políticos, acredita o ministro, como mostrou o Correio ontem. Nesse ponto, o relator deixou claro o que pensa sobre o ex-tesoureiro do PT: "No curso da ação penal, comprovou-se que os recursos foram destinados ao pagamento de parlamentares indicados, diretamente, pelo senhor Delúbio Soares", disse o relator.

O petista responde por formação de quadrilha e corrupção ativa, temas que serão analisados apenas mais para frente. A acusação de formação de quadrilha, que envolve também o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino, será o último item do julgamento. Na semana passada, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar o terceiro capítulo da denúncia. Depois do voto do relator, os demais ministros passarão a se pronunciar, a começar pelo revisor, Ricardo Lewandowski.

Joaquim Barbosa já antecipou que o próximo capítulo a ser analisado será o relacionado aos supostos empréstimos bancários do PT. Também sobre esse tema, ele já se pronunciou, ao dizer que houve uma simulação de empréstimo apenas para justificar a entrada no partido de dinheiro ilícito desviado dos contratos da Câmara e do Banco do Brasil. Os crimes de corrupção envolvem os políticos e os presidentes de partidos pelo recebimento de dinheiro das empresas de Marcos Valério. Sobre isso, Joaquim Barbosa também já se manifestou ao dizer que, para configurar crime de corrupção, basta que a vantagem tenha sido oferecida em função do cargo, independentemente da destinação do dinheiro.

Recursos públicos O questionamento a respeito da origem do dinheiro que circulou no esquema promete ser um dos principais debates da primeira parte do julgamento do mensalão. Ao julgar Pizzolato, Joaquim Barbosa afirmou que os recursos do fundo Visanet repassados para a DNA Propaganda eram públicos. Ele disse ainda que, mesmo que os recursos fossem privados, isso não afastaria o crime de peculato.

O artigo 312 do Código Penal define como peculato o ato de um funcionário público apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer bem, público ou particular, de que tem a posse em função do cargo. Apesar de a lei citar expressamente que até mesmo o desvio de recursos particulares é caracterizado como peculato, pode haver divergências com relação a esse entendimento. Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a definição a respeito da origem do dinheiro é, sim, relevante. "O crime de peculato pressupõe a origem pública dos recursos", decretou Gurgel, divergindo do relator.

Questionado sobre a polêmica a respeito da definição do crime de peculato, o ministro-revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, não quis detalhar seu entendimento sobre o tema para não antecipar aspectos do voto. Ele classificou a tese de Joaquim Barbosa como "interessante", mas não disse se concorda. "O ministro Joaquim trouxe a tese de que o crime de peculato requer a condição de funcionário público e independe se os recursos são públicos ou privados. Essa é uma posição doutrinária", comentou Lewandowski.

"No curso da ação penal, comprovou-se que os recursos foram destinados ao pagamento de parlamentares indicados, diretamente, pelo senhor Delúbio Soares" Joaquim Barbosa, ministro-relator da Ação Penal 470

A interpretação do relator Confira detalhes da análise do ministro Joaquim Barbosa

Bônus de volume Joaquim Barbosa afirmou que a DNA Propaganda se apropriou de R$ 2,9 milhões referentes ao bônus de volume, benefício pago às agências de publicidade pelos veículos de comunicação. O contrato entre o Banco do Brasil previa expressamente que esses recursos fossem repassados à instituição, mas os valores ficaram com a DNA Propaganda. Para o ministro-relator, essa apropriação dos valores se caracteriza como um crime de peculato. Barbosa ressaltou que o banco era o dono dos créditos concedidos para a veiculação das campanhas publicitárias e negociava diretamente com os veículos de comunicação.

Recursos públicos no bônus de volume A DNA Propaganda se apropriou indevidamente do bônus de volume que deveria ter sido repassado ao Banco do Brasil, conforme previa o contrato. A agência teria deixado de transferir R$ 2,5 milhões ao BB, o que caracterizou o crime de peculato. Para o relator, eram recursos públicos desviados para as empresas de Marcos Valério.

Recursos públicos no contrato com a Visanet A defesa alega que os recursos do contrato da Visanet com a DNA Propaganda eram de natureza privada. Para o relator, esse detalhe não importa (veja abaixo). De qualquer forma, ele discorda da afirmação. Sustenta que os recursos repassados à empresa eram de propriedade do Banco do Brasil, o principal acionista do fundo de incentivo Visanet, com 31,99%.

Recursos privados X crime de peculato Para caracterizar crime de peculato, basta que envolva a participação de um funcionário público, como era o caso do então diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. O Código Penal estabelece que peculato é a apropriação ou desvio de dinheiro, valor ou bem móvel, público ou particular, de que se tem posse em razão do cargo.

Caixa dois X corrupção A principal tese dos advogados dos réus é de que o dinheiro repassado aos partidos políticos e parlamentares eram doações de campanha não contabilizadas na Justiça Eleitoral. Seria, então, um crime menor, de falsidade ideológica, já prescrito. O relator, no entanto, sustenta que não importa o destino do dinheiro recebido para efeito de tipificação do crime de corrupção passiva e ativa. Basta que tenha havido um repasse como vantagem em decorrência do cargo.

Subcontratações No entendimento do relator, as subcontratações realizadas pela SMP&B no contrato com a Câmara dos Deputados foram irregulares, já que a empresa ganhou honorários de R$ 1 milhão sem executar os serviços. Para Barbosa, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), à época presidente da Casa, autorizou as subcontratações de 99,9% do total do contrato. A defesa do deputado havia alegado que, no mercado publicitário, a prática de subcontratar empresas é corriqueira e legal.

Saque de R$ 50 mil Apesar das alegações da defesa de que os R$ 50 mil sacados pela mulher de João Paulo Cunha eram para o pagamento de dívidas de campanha, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que o dinheiro era uma propina paga pela SMP&B ao deputado, para que a agência de publicidade fosse beneficiada na licitação da Câmara. No entendimento do relator, João Paulo Cunha lavou dinheiro por meio do Banco Rural.

Sócios O ministro-relator defende que os sócios de Marcos Valério tinham ingerência sobre a circulação de dinheiro e, por isso, também devem responder pelos crimes relatados até agora. No caso do contrato da DNA com o Banco do Brasil, as defesas haviam alegado que os sócios não exerciam qualquer função na agência de propaganda. Mas esse não foi o entendimento de Barbosa, que condenou a dupla de sócios de Valério.

Pacotes de R$ 326,6 mil O relator entende que o dinheiro repassado pelas empresas de Marcos Valério ao então diretor de Marketing do BB era propina paga pelo favorecimento à DNA Propaganda no contrato de publicidade. A defesa alega que Pizzolato foi apenas um mensageiro. Recebeu o dinheiro e repassou ao PT.