Título: Fator Peluso preocupa
Autor: Campos , Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2012, Política, p. 2

A aposentadoria do ministro Cezar Peluso desperta duas dúvidas cruciais para o julgamento do mensalão. Os colegas desconversam e evitam antecipar o problema, mas o surgimento do impasse é inevitável. Nas próximas semanas, os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) terão que decidir se Peluso poderá antecipar o voto para participar do processo antes de deixar a Corte. Outra incógnita é como proceder em caso de empate se apenas 10 ministros participarem das sessões.

Faltam apenas cinco sessões de julgamento até a aposentadoria compulsória de Peluso. Ele completará 70 anos no próximo dia 3. Nesse curto período, dificilmente os ministros terão condições de avançar em outros capítulos além do que já começou a ser discutido na semana passada, relacionado aos supostos desvios de recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil (BB). Nesse caso, Peluso opinará apenas sobre a condenação ou absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do ex-diretor de Marketing do BB Henrique Pizzolato e de Marcos Valério, além de dois sócios do empresário.

O relator do processo, Joaquim Barbosa, concluiu pela condenação de João Paulo e Pizzolato por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato. Marcos Valério e os sócios foram considerados culpados por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro. Esses pontos deverão despertar controvérsias num plenário que tem debatido cada tema demoradamente. Uma simples questão de ordem a respeito do desmembramento do processo, suscitada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, que representa um dos réus, tomou uma tarde inteira.

Peluso é considerado um magistrado rigoroso, voto certo para condenação de alguns réus. Com a aposentadoria, ele certamente ficará fora do debate sobre os repasses de dinheiro para os partidos políticos, descritos no Capítulo 6, ou na acusação de que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu era o chefe da organização criminosa. Esse aspecto está previsto no item dois da denúncia, o último a ser apreciado pelo STF, segundo roteiro estabelecido pelo relator.

O próprio Peluso evita comentar o assunto. Ontem à tarde, quando chegava para a reunião da 2ª Turma do STF, o ministro não quis falar com a imprensa. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acredita que Peluso deverá votar pelo menos naqueles segmentos que já tenham sido apreciados pelo plenário. Mas ele diz não acreditar na possibilidade de empate. "Não acho que isso seja provável. Em primeiro lugar, acho que o ministro Peluso deverá votar nos itens que tenham condição de receber a antecipação de voto dele. E no restante dos casos, não acredito que haja essa possibilidade de empate", comentou.

Gurgel acredita que a presença de Peluso vai enriquecer o julgamento. "O ministro, como os demais da Corte, está preparado para esse caso, estudou minuciosamente o processo. Será uma pena se não pudermos colher o voto de sua excelência, seja em que sentido for", acrescentou o procurador. Para ele, Peluso só poderia antecipar o voto com relação aos itens em que o relator já tenha votado. "O regimento permite que haja essa antecipação de voto nos itens que já tenham sido objeto de manifestação do relator e, se for o caso, do revisor."

Reflexão O presidente do Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, não quis fazer declarações a respeito da participação de Peluso e disse que isso deve ficar a critério do ministro. "Ainda não conversei com o ministro Peluso, não meditei, não refleti sobre isso", comentou Britto. "Tudo depende da interpretação do artigo 135 do regimento interno. Depois a gente vê isso", afirmou o presidente da Corte, referindo-se ao dispositivo que prevê que, "concluídos os debates orais, o presidente tomará o voto do relator, do revisor, se houver, e dos demais ministros em ordem inversa de antiguidade". Esse mesmo artigo diz que os ministros podem antecipar o voto, desde que o presidente autorize.

Se houver empate, ainda é preciso decidir o que ocorrerá. Há uma corrente de juristas que entende ser possível o voto de Minerva do presidente do STF, o chamado "voto de qualidade". Mas essa possibilidade não é ponto pacífico. O próprio relator, Joaquim Barbosa, não concorda com essa hipótese. Outra alternativa seria, em caso de empate, favorecer o réu, como acontece nos julgamentos de habeas corpus. Uma terceira corrente acredita que, com a aposentadoria de Peluso e o eventual empate, o STF poderia aguardar a nomeação de um novo ministro para resolver a questão. Essa situação criaria uma saia justa para a presidente Dilma Rousseff, que ficaria responsável pela nomeação do ministro que daria a palavra final no julgamento sobre o maior escândalo de corrupção do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Colaborou Juliana Braga

"O ministro (Peluso), como os demais da Corte, está preparado para esse caso, estudou minuciosamente o processo. Será uma pena se não pudermos colher o voto de sua excelência, seja em que sentido for" Roberto Gurgel (E), procurador-geral da República

"Ainda não conversei com o ministro Peluso, não meditei, não refleti sobre isso. Tudo depende da interpretação do artigo 135 do regimento interno. Depois a gente vê isso" Carlos Ayres Britto (D), presidente do STF

Análise da notícia

A matemática da agonia Não bastassem as controvérsias sobre a culpa ou inocência de 38 réus, num processo complexo no Supemo Tribunal Federal, com mais de 50 mil páginas, procedimentos corriqueiros da Corte viraram grandes polêmicas durante o julgamento da Ação Penal 470, chamada de mensalão. Com uma pergunta, o relator, ministro Joaquim Barbosa, explica: "Já houve um processo como esse?"

Muitos debates ainda estão por vir, além da possibilidade de voto do ministro Cezar Peluso e do critério para desempates. Um dos temas quentes vai pipocar na reta final do julgamento, quando estiver em discussão a dosimetria das penas. A dúvida não é apenas a punição a ser aplicada para quem for condenado. Despertará divergências também a forma de cálculo.

Imagine que um ministro aplique a pena máxima para o crime de peculato: 12 anos. E outro ache que deve ser considerado o mínimo, dois anos. Alguns advogados dizem que deve ser feita a média. Nesse caso, o réu passará sete anos na cadeia. Há quem entenda, no entanto, que esse rito prejudica o réu quando há um juiz muito rigoroso no plenário, porque as penas altas têm peso maior. É pura matemática no debate sobre direito. Mais agonia para os réus. (AMC e HM)