O globo, n. 31302, 20/04/2019. País, p. 4

 

Inquérito em foco

Marco Grillo

20/04/2019

 

 

Para ministros do STF e juristas, só decisão do plenário pacificará Corte e relação com MPF

A revogação da censura imposta pelo ministro Alexandre de Moraes à revista “Crusoé” reduziu a temperatura da crise entre integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), mas a divergência acerca do inquérito aberto pelo presidente Dias Toffoli para investigar ofensas à Corte persiste. A instauração do inquérito sem a participação do Ministério Público Federal (MPF) gerou questionamentos à legalidade do ato e uma forte reação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ministros do STF defendem que a questão seja levada logo ao plenário. Esta opinião já foi defendida publicamente por pelo menos um ministro, Marco Aurélio Mello, para quem a PGR deveria recorrer contra o não arquivamento do caso. Cabe justamente a Dias Toffoli, presidente da Corte, pautar os julgamentos pelo plenário. No caso da censura à “Crusoé”, o posicionamento de uma ala da Corte, exposta pelo decano Celso de Mello, mas também com declarações de Marco Aurélio, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, fez Moraes voltar atrás e representou uma derrota de Toffoli. Juristas ouvidos pelo GLOBO acreditam que a fissura na relação com o Ministério Público só será resolvida se o plenário do STF se unir e tomar uma decisão conjunta que pacifique a questão. À TV Globo, o ministro Luís Roberto Barroso, que discorda do presidente Dias Toffoli, indicou contrariedade ao inquérito. — Não gosto de falar para fora o que posso falar para dentro. Não é difícil de adivinhar minha opinião. Ontem, o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto foi na mesma linha.

— O Supremo saberá decidir da melhor maneira possível. O Supremo dará a última e abalizada palavra sobre o caso. Quem investiga não julga, e quem julga não investiga — disse Britto à Globonews, acrescentando que, se o Ministério Público não quiser apresentar denúncia após o inquérito, ele é inócuo. — Não se pode obrigar o MP a formular uma denúncia perante o Judiciário. Portanto, a última palavra, essa não propositura da ação, cabe ao MP. E não há o que fazer: é arquivar o processo.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, a resolução do conflito é crucial para a confiabilidade das instituições: — Se o Supremo não tiver capacidade de resolver uma crise interna, criada por eles mesmos, não vai ter credibilidade para decidir questões constitucionais importantes para futuro do país.

Histórico de desavenças

A relação entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e os ministros da Corte tem um histórico positivo nos últimos dois anos. Porém, a tensão entre a Corte e outras esferas do Ministério Público já dura quatro anos e, na última semana, chegou ao gabinete da procuradora-geral. Em 2015, no auge da Operação, logo após a prisão do empreiteiro Marcelo Odebrecht, a Corte decidiu pelo fatiamento das ações penais que corriam em Curitiba, mantendo com a força-tarefa apenas os casos rela ciona dosà Petrobras. Abriu-se um flanco entre as duas instituições. À época, o coordenador do grupo de procuradores do Paraná, Deltan Dallagnol, considerou a decisão uma“derrota” e declarou que a investigação sofreria perdas coma divisão. Uma espécie de “guerra fria” se instalou até 2018, quando ganhou corpo a possibilidade de o STF revisar seu entendimento sobre a prisão em segunda instância. As divergências se amplificaram. Dallagnol chegou a afirmar que, ao revogara prisão após segunda instância, o STF estaria “enterrando” o combate à corrupção. Procuradores à frente da investigação no Rio de Janeiro chegaram, certa vez, a pedir que o ministro Gilmar Mendes se declarasse impedido de julgar casos relacionados ao empresário Jacob Barata — o ministro foi padrinho de casamento da filha dele. Gilmar deu decisões concedendo liberdade a Barata e chamou os integrantes do MPF de “trêfegos (ardilosos) e barulhentos” — a classificação provocou uma ironia dos procuradores, que na ocasião nomearam o grupo de WhatsApp que os reunia coma expressão.

Emmeio ao histórico recente de desavenças, juristas avaliam que acrise atual só poderá ser resolvida por meio de uma ação do próprio Supremo. Para o professor Michael Mohallem, da FGV Direito Rio, a abertura do inquérito tem um erro formal, porque o regimento foi interpretado de maneira errada. Outro erro grave, diz, é desprezar o que a Constituição determina sobre liberdade de expressão:

— É um caminho cada vez mais provável, porque os ministros vão querer corrigir o rumo de que se distanciaram. Já o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ressalta que “já passou da hora de o país parar de criar crises”: —Tensões são parte do jogo democrático, mas em um país que atravessa amais grave recessão de sua história, deixar tais embates rotineiro secada vez mais agudos significa dançar à beira do abismo.

“O Supremo dará a última e abalizada palavra sobre o caso. Quem investiga não julga, e quem julga não investiga”

Carlos Ayres Britto, Ex-ministro do STF

“Se o STF não tiver capacidade de resolver uma crise interna criada por eles mesmos, não vai ter credibilidade para decidir”

Gilson Dipp, ex-ministro do STJ

 

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Investigação questionada em duas ações

Renata Mariz

20/04/2019

 

 

Na esteira do inquérito aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no qual o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, tomou a decisão de censurar uma reportagem publicada na revista Crusoé e no site O Antagonista, há sete ações sobre o processo para serem julgadas pela Corte. Boa parte dos pedidos é pela revogação da censura, o que já foi feito por Moraes. O foco agora se concentra sobre requerimento para que o inquérito seja arquivado. A primeira ação que chegou ao STF sobre o caso foi protocolada pela Rede Sustentabilidade. O partido pediu a suspensão do inquérito, aberto de ofício por Toffoli, ou seja, sem requerimento de nenhum órgão ou autoridade, para apurar ofensas à Corte e a seus integrantes.

Foi nessa mesma investigação que Moraes determinou a retirada do ar de reportagem que citava o apelido de Toffoli na Odebrecht: “Amigo do amigo de meu pai”. A Rede disse também que a decisão de Moraes de censurar a revista “infringe diretamente os preceitos fundamentais” de liberdade de expressão e de imprensa. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ingressou com um mandado de segurança e com um habeas corpus coletivo. A entidade pede a suspensão do inquérito aberto no Supremo. Também requer um salvo-conduto para que procuradores, bem como outras pessoas, não sejam obrigadas a depor na investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes.

Há também um cidadão comum que pediu ao Supremo que impeça censura ou busca a qualquer pessoa que venha se tornar alvo do inquérito. Em outras três ações, protocoladas pelos veículos atingidos, por um cidadão e pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), pede-se a revogação da censura imposta à matéria.

Todas as ações sobre o caso são relatadas pelo ministro Edson Fachin. Isso porque ele foi sorteado no primeiro pedido relacionado ao inquérito, o da Rede Sustentabilidade. Fachin já pediu informações a Moraes e à Advocacia-Geral da União sobre o caso. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do inquérito, mas não foi atendida por Moraes.