O globo, n. 31299, 17/04/2019. Economia, p. 21

 

Nas mãos da Petrobras

Manoel Ventura

Gustavo Maia

Ramona Ordoñez

Bruno Rosa

17/04/2019

 

 

Após interferência no preço do diesel, governo afirma que decisão cabe à companhia

Os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Bento Albuquerque, de Minas e Energia, afirmaram, após reunião com Bolsonaro, que não haverá interferência na política de preços da Petrobras, que teve reajuste de 5,7% do diesel suspenso pelo presidente na semana passada. A estatal, porém, não anunciou se e quando retomará o aumento. Depois da decisão do presidente Jair Bolsonaro de barrar um reajuste de 5,74% no preço do diesel anunciado pela Petrobras, o governo se reuniu ontem para tentar encontrar uma saída para a crise. Coube aos ministros da Economia, Paulo Guedes, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque, garantir que não haverá interferência na política de preços da estatal. O Palácio do Planalto colocou nas mãos da companhia a decisão e o anúncio sobre alta no valor do combustível, e mandou um recado: a empresa terá que ser mais “transparente”. Segundo Guedes, a Petrobras “tem que trabalhar para melhorar suas próprias práticas”.

Na prática, ainda não se sabe se e quando a estatal aplicará um reajuste de 5,7% no produto. Perguntado sobre o assunto, Guedes disse que a resposta cabia à Petrobras. Procurada, a estatal não comentou.

— Não tem intervenção política, e a Petrobras vai ser cada vez mais clara. Queremos a independência na formação de preços. Não queremos repetir o fenômeno Dilma (Rousseff, ex-presidente), segurando preço, e muito menos o fenômeno Venezuela —disse. —É muito claro para todos nós que quem estabelece as práticas de preços é a Petrobras. E o presidente da Petrobras tem o encargo de tornar cada vez mais transparente essa política. A transparência será cada vez maior. Se o próprio presidente da República ficou em dúvida, é porque não está tão transparente.

A reunião de ontem foi convocada por Bolsonaro, que queria saber detalhes sobre como o preço do combustível é formado, após o estrago causado pelo aumento frustrado no diesel, numa decisão tomada para evitar o risco de nova greve dos caminhoneiros.

Reunião nos próximos dias

Na entrevista, Guedes simulou o telefonema de Bolsonaro para Castello Branco:

—Ele telefonou para o Roberto e perguntou: “Vem cá, como é que é isso aí? No dia que estou comemorando cem dias de governo, você está colocando diesel no meu chope?”.

Uma fonte próxima à diretoria da Petrobras disse que a independência da companhia só será comprovada quando, de fato, a empresa reajustar os preços do diesel:

— A independência será provada se e quando o necessário aumento for feito.

A diretoria da Petrobras deve se reunir nos próximos dias para decidir o reajuste. Até maio, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) divulgará resolução sobre transparência nos preços. Produtores e importadores terão de informar os valores e seus componentes, por produto e ponto de entrega. Hoje, quando eleva ou reduz preços, a Petrobras informa a cotação média no país que entra em vigor no dia seguinte para as refinarias.

Guedes afirmou que uma das medidas em estudo para mitigar o impacto das altas no combustível é indexar o frete ao preço do diesel:

— Nos EUA, a solução que eles encontraram foi indexar o frete ao diesel. Quando o diesel sobe 5%, na verdade o frete sobe 2% só. Aquis e falou como se o frete fosse subir 5%. Não, o diesel é um dos componentes do custo.

A possibilidade havia sido citada, mais cedo, pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. A assessoria de Freitas, porém, informou posteriormente ques e tratava apenas de um exemplo eque não havia planos de indexar o frete ao aumento do diesel.

'Não foi política econômica'

Bolsonaro, que admitiu não entender de economia, não consultou Guedes nem Albuquerque antes de telefonar para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e questionar o reajuste.

— Não foi uma decisão de política econômica, senão ele teria me consultado. Tenho total confiança do presidente. Se fosse realmente para mexer ou não mexer ou uma regra de política nova, ele teria conversado comigo —disse Guedes.

No início da reunião, Bolsonaro disse aos participantes que não tem intenção e nem pode intervir na estatal, de acordo com o porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros.

— Eu não quero e não tenho direito de intervir na Petrobras — disse Bolsonaro, segundo Rêgo Barros, lendo a declaração.

Ele explicou que a impossibilidade expressa pelo presidente se deve a “questões legais e também políticas”. Já a falta de vontade seria “por questões de conceito”. Perguntado se Bolsonaro saiu satisfeito do encontro, Guedes respondeu: —Parece que sim. Apesar de repetir que a Petrobras é independente, Guedes criticou os reajustes diários dos combustíveis. Segundo ele, um caminhoneiro pode ver o preço do diesel subir mais de 10% em uma só viagem com essa prática.

O ministro Bento Albuquerque disse ser natural o presidente da República, como acionista majoritário da Petrobras, querer tirar dúvidas sobre medidas tomadas pela estatal:

— O presidente da República, como representante do acionista majoritário, quis esclarecimento, e foi isso que nós viemos prestar a ele.

O recuo da Petrobras, na semana passada, provocou a queda acentuada das ações da estatal na sexta-feira, com perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado , com temor de interferência na estatal. Perguntado sobre o impacto da decisão de Bolsonaro, Guedes afirmou:

—O presidente da República tem uma preocupação maior do que só com o mercado.

“Ele (Bolsonaro) perguntou (para Castello Branco): ‘Como é que é isso aí? No dia que eu estou comemorando cem dias de governo, você está colocando diesel no meu chope?’”

Paulo Guedes, ministro da Economia

“Quem estabelece as práticas de preços é a Petrobras. (...) Se o próprio presidente da República ficou em dúvida, é porque não está tão transparente”

Paulo Guedes, ministro da Economia

“O presidente da República, como representante do acionista majoritário, quis esclarecimento, e foi isso que nós viemos prestar a ele”

Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia