Correio braziliense, n. 20397 , 26/03/2019. Brasil, p.6

MEC suspende avaliação e secretária se demite

Ingrid Soares

 

 

A crise no Ministério da Educação (MEC) ganhou mais um capítulo. A secretária de Educação Básica, Tânia Leme de Almeida, pediu demissão por não ter sido informada, mesmo sendo a responsável pela área, sobre a suspensão da avaliação da alfabetização de crianças do 2º ano do ensino fundamental.

Com a medida, determinada por portaria publicada ontem no Diário Oficial da União, as crianças ficarão de fora das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Estão mantidas as avaliações para os estudantes do fim dos ciclos do ensino fundamental, ou seja, 5º e 9º anos, e do ensino médio, no 3º ano. A decisão pegou de surpresa profissionais que trabalham na área da educação básica, que criticam o longo vácuo que a falta de acompanhamento pode deixar na análise da alfabetização de alunos.

A justificativa do governo é que, em dois anos, as escolas de todo o país terão implantado a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e estarão ajustadas às políticas de alfabetização propostas pela Secretaria.

 

Diagnóstico

Com a decisão, perdeu validade portaria publicada em dezembro, ainda no governo Temer, que previa a realização, neste ano, de diagnóstico precoce das áreas de maior defasagem, antecipando a avaliação aos alunos do segundo ano do ensino fundamental, aos sete anos de idade. A prova ocorreria em outubro e já fazia parte do calendário escolar.

A medida havia sido motivada pelo desempenho preocupante das crianças medido pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), de 2016, que mostrou que 54% dos alunos de oito anos não conseguem fazer cálculos e localizar informações em textos de literatura infantil, ou escrever corretamente palavras da língua portuguesa.

Desde o início do atual governo, o MEC está envolvido em uma briga ideológica e de disputa por poder. Em meio a um embate inflamado com o filósofo Olavo de Carvalho, considerado o guru de Bolsonaro e responsável pela indicação dele próprio, o ministro, Ricardo Vélez demitiu vários auxiliares. Segundo fontes da pasta, novas demissões podem ocorrer nos próximos dias.

 

Preocupação

O diretor de estratégia política do movimento Todos pela Educação, João Marcelo Borges, criticou a falta de diálogo do MEC com os setores envolvidos na área. Ele afirmou que vê com preocupação a decisão de suspender por dois anos a aplicação das provas, por quebrar a série histórica educacional, parâmetro que ajuda a medir a eficiência do ensino básico.

“A alfabetização é o único tema educacional que foi elencado pelo governo como prioridade. Agora, não vai ter uma linha de base para conhecer os impactos da sua política. Como avaliar o Programa Nacional de Alfabetização se não tem um recorte anterior ao lançamento? Se as provas ocorrerem em 2021, só conheceremos os resultados no último ano do governo, em 2022”, destacou.

“O Brasil não pode viver uma instabilidade em que, a qualquer momento, uma decisão tira do calendário oficial uma atividade desse porte. A educação tem que ser tratada por gente técnica, séria, com competência”, frisou.